Fernando Meneguin

Paulo Springer de Freitas

Marcio de Oliveira Junior

Luciano Benetti Timm

Matéria interessante está sendo discutida no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">Superior Tribunal de Justiça</a> (STJ), no âmbito do Recurso Especial 1990962 - RS (2022/0071870-9). O assunto abarca o mercado de arranjos de pagamento e a responsabilização solidária entre os agentes econômicos nele atuantes frente aos lojistas.
O presente artigo, por meio da Análise Econômica do Direito (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/aed">AED</a>), examinará os potenciais efeitos dessa questão e a estrutura de incentivos comportamentais daí derivada naquele mercado. Para tanto, inicialmente descrevemos o funcionamento deste mercado, enfatizando as principais funções dos agentes envolvidos e, em seguida, analisaremos as consequências das possíveis configurações que podem advir em face da decisão que será proferida pelo STJ.
O mercado de arranjos de pagamento é formado por um conjunto de participantes, que compõem uma cadeia de produção. Temos, em primeiro lugar, a figura da bandeira, que são as organizações que detêm a marca e definem as principais regras de funcionamento do sistema. As bandeiras mais conhecidas são Visa, Mastercard, American Express e Elo.
Há, em seguida, os emissores, que são normalmente instituições financeiras responsáveis por emitir o cartão para o consumidor. As receitas dos emissores são constituídas das anuidades cobradas de seus usuários, juros sobre o montante não pago e a tarifa de intercâmbio, cobrada dos adquirentes. Estes, os adquirentes, por sua vez, são comerciantes que habilitam o lojista a receber o cartão de determinada bandeira. Os adquirentes mais conhecidos são Cielo, Rede, Getnet e Stone, mas há mais de uma dezena de adquirentes atuando no país (detentores das “maquininhas”).
Quando é feita uma compra, é responsabilidade do adquirente fazer a interface com o emissor para verificar se o cartão é válido e se o portador possui saldo suficiente para que se possa liquidar a transação. As principais fontes de receitas das adquirentes são a tarifa de desconto cobrada do estabelecimento comercial (Merchant Discount Rate – MDR) e as antecipações de recebíveis. Além das despesas operacionais, para manter o seu negócio, as adquirentes pagam a tarifa de intercâmbio para os bancos emissores.
Há ainda, um outro participante deste mercado, o subadquirente, ou facilitador, que permite maior difusão dos cartões de pagamento na economia, cumprindo, assim, importante papel no desenvolvimento desse mercado. O subadquirente não necessita autorização do Banco Central para funcionar. Por esse motivo, há menor disponibilidade de informações a respeito do mercado. Mas sabe-se que há dezenas de subadquirentes em atividade entre os quais se destacam Mercado Pago, PicPay, Ebanx, PPro, DLocal e PayPal.
O subadquirente, tal qual o adquirente, tem a função de contratar o estabelecimento comercial, permitindo que ele aceite uma bandeira e, com isso, possa participar do arranjo de pagamentos. Ao contrário do adquirente, contudo, o subadquirente não liquida a transação perante os emissores. O subadquirente captura a transação, repassa as informações para o adquirente e este irá liquidar a transação junto ao banco emissor. Dessa forma, o subadquirente funciona como um elo a mais dentro do arranjo de pagamentos, permitindo uma maior capilaridade no atendimento. Inicialmente, o foco da subadquirência era o pequeno estabelecimento e o comércio online. Atualmente, estabelecimentos maiores também contratam subadquirentes, mas em menor escala do que os pequenos.
Para os pequenos estabelecimentos comerciais, há várias vantagens de contratar um subadquirente. Em primeiro lugar, o acesso ao adquirente pode ser mais difícil ou custoso. Como o subadquirente permite a conexão do estabelecimento com vários adquirentes, o subadquirente permite uma diluição de custos. Por exemplo, em vez de ter de alugar um ponto de venda (as conhecidas maquininhas) para cada adquirente, o estabelecimento pode alugar uma única máquina e ter acesso a todos os adquirentes que o subadquirente contrata. Desse modo, apesar de ser um elo a mais na indústria de cartões, o subadquirente pode gerar ganhos de eficiência e alavancar a demanda dos lojistas pelo aceite de cartões de pagamento.
Uma razão para o ganho de eficiência com a subadquirência decorre do fato de o mercado de arranjo de pagamento constituir aquilo que a literatura denomina de “mercado de dois lados”. Para o que interessa nesta discussão, mercado de dois lados são caracterizados por efeitos de rede. Um estabelecimento terá interesse em se associar a determinada bandeira se houver um número razoável de portadores de cartões dessa bandeira.
Por outro lado, um consumidor irá se interessar em portar um cartão de determinada bandeira se souber que há um número razoável de estabelecimentos que aceitam essa bandeira. Dessa forma, mesmo um pequeno/micro lojista, ao passar a aceitar cartão de determinada bandeira, estimulará novos usuários a adquirirem o cartão dessa bandeira. Sendo assim, os subadquirentes, ao expandir a base de lojistas que aceitam o cartão de determinado arranjo de pagamentos, estimulam mais usuários a portar cartões daquela bandeira.
Outra razão está associada à estrutura de custos das adquirentes. Por ser um setor altamente intensivo em tecnologia, há elevada participação dos chamados custos fixos e afundados (não recuperáveis), como custos com elaboração e teste de softwares, segurança, publicidade e montagem da infraestrutura do negócio. O principal custo variável em que o adquirente incorre é com a tarifa de intercâmbio, paga aos emissores. A diferença entre as receitas e a tarifa de intercâmbio deve ser utilizada para pagar os elevados custos fixos e afundados. Pode-se dizer que o custo marginal (ou seja, o custo para processar uma transação adicional), exceto pela tarifa de intercâmbio, é praticamente zero.
Sendo assim, quanto maior for a base de clientes, maior a possibilidade de diluição dos elevados custos fixos e afundados, resultando em menor custo médio. Ademais, a atividade de adquirência enfrenta forte competição, de forma que a redução do custo médio tende a ser repassada para os usuários finais, no caso, os estabelecimentos. Por esse motivo, os subadquirentes, ao ampliarem o mercado dos adquirentes, permitem reduzir o custo médio e, dessa forma, reduzir a MDR cobrada dos estabelecimentos.
Explicado o papel dos agentes no mercado de cartões de crédito e os ganhos de eficiência propiciados pelos subadquirentes, a questão que se coloca é: deve haver responsabilidade solidária por parte do adquirente em face de dívidas da subadquirência com os estabelecimentos comerciais?
Segundo a legislação brasileira, a responsabilidade solidária não presume. Precisa ser prevista em lei ou em contrato. Entretanto, a Lei que disciplina o mercado de arranjos de pagamento não prevê essa responsabilização solidária. E, tratando de uma relação comercial a que une estabelecimentos, credenciadores e subcredenciadores, não se aplica o CDC (que prevê a responsabilidade na cadeia).
Em adição, também dentro de uma lógica de AED não caberia a atribuição de responsabilidade solidária nessas relações comerciais antes descritas. Nesta esteira, cabe argumentar inicialmente que, em toda negociação, há um excedente econômico cooperativo, representado pela diferença entre o valor máximo que um contratante está disposto a pagar no negócio e o menor valor que o contratado está disposto a aceitar para fazer o negócio.
Em um exemplo simples, se o adquirente cobra $ 50 por uma venda com cartão de crédito e o lojista está disposto a pagar o valor de $ 75 por essa venda, existe um excedente cooperativo de $ 25. No entanto, pode haver muitos custos de transação entre o adquirente e o estabelecimento comercial, de maneira que inviabilize o negócio por meio de cartão de crédito.
A figura do subadquirente ganha importância se ele conseguir fazer essa ponte por um valor abaixo do excedente cooperativo, de maneira que garanta seu lucro e não desestimule o negócio com pagamento por cartão de crédito. Um negócio que deixa de ser realizado gera impacto negativo na economia e no bem-estar social, de forma que as causas que atrapalham a consecução dos negócios devem ser combatidas. Em outras palavras, o mercado deve estar calibrado corretamente para facilitar a troca de bens e serviços, para diminuir os custos de transação. Nesse cenário, o papel mais seguro a ser desempenhado pelo Estado deve ser o de facilitar e fomentar a negociação privada, inclusive criando meios para esse fim.
Para uma calibragem correta do mercado (inclusive em arranjos de pagamento), os incentivos devem ser desenhados adequadamente, especialmente incentivos para o cumprimento dos acordos. Uma vez tendo adquirente e estabelecimento comercial considerado seus benefícios e custos – inclusive os respectivos custos de oportunidade – e optado por haver o intermediador (pela participação do subadquirente), as partes concordaram com o arranjo de pagamentos estabelecido. Se houve essa concordância prévia ao arranjo, há implícito (ou até explicitado em um contrato, em alguns casos) um pacto que deve ser respeitado.
Há que se lembrar que os contratos, ao lado do direito à propriedade, consistem em dois instrumentos essenciais para o funcionamento do mercado. São eles que permitem aos agentes econômicos transacionarem. O contrato e a propriedade fornecem as bases de um jogo cooperativo em que ambas as partes de uma negociação se beneficiam. O benefício advém da criação do valor adicionado que aumenta a riqueza dos envolvidos e, por conseguinte, da sociedade.
No presente caso, há uma série de contratos independentes, entre estabelecimento comercial e facilitador, entre facilitador e adquirente, entre adquirente e banco emissor, entre cliente (portador do cartão) e banco emissor, entre adquirente, banco emissor e bandeira. Cada um desses contratos, livremente pactuado entre as partes, explicita a responsabilidade de cada agente no arranjo de pagamentos. Se um dos agentes descumpre suas obrigações, este deve responder pela sua falha, não sendo correto transferir a responsabilização a outra parte, pois essa transferência seria um desrespeito ao arranjo pactuado.
Convém lembrar que a segurança jurídica derivada do respeito aos contratos, tão reivindicada pelas empresas brasileiras, fica comprometida quando a execução de um acordo livremente firmado é ameaçada sem fundamento. Transferir a responsabilização por uma falha do subadquirente para o adquirente atrapalha a segurança jurídica e compromete um arranjo pactuado livremente pelas partes. Esse desrespeito ao pacto, se referendado pelo Estado, tem repercussões negativas para todo o sistema, para toda a cadeia dos meios de pagamento, conforme discussão a seguir.
Do ponto de vista da AED, as decisões sobre a responsabilização civil nessa cadeia comercial devem fornecer os incentivos adequados para que os agentes adotem níveis ótimos de precaução no exercício de suas atividades. Atribuir a responsabilidade pela falha do subadquirente ao adquirente simplesmente desconsidera parâmetros de eficiência e prejudica a coletividade.
Em transações comerciais, considerar a adquirente responsável por falhas da subadquirente frente ao lojista proverá incentivos errados para todo o sistema de pagamento por cartões de crédito. Em uma análise consequencialista, teríamos que, no exemplo anterior, os custos de transação do atual arranjo de pagamentos poderiam ficar acima do excedente cooperativo de $ 25, inviabilizando a transação. Portanto, uma intervenção estatal nesse sentido poderá acarretar o aumento de custos de transação e, assim, inviabilizar o próprio mercado – situação indesejada, pois reduziria o bem-estar social.
Portanto, para além dos argumentos legais supraexpostos, de acordo com a teoria econômica, as responsabilidades devem ser alocadas de acordo com a capacidade da parte de mitigar danos provocados por eventos negativos. No caso em tela, o adquirente não tem como prever, prevenir ou evitar a inadimplência do subadquirente junto ao estabelecimento. Dessa forma, transferir a responsabilidade da inadimplência para o adquirente não geraria nenhum estímulo para o subadquirente adotar ações corretas; pode-se estimular inclusive o comportamento contrário, ou seja, os subadquirentes poderão agir de forma imprudente porque não terão que arcar com as consequências negativas de suas ações (moral hazard).

Máquina de cartão crédito e débito

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JOTA

Responsabilidades devem ser alocadas de acordo com a capacidade da parte de mitigar danos de eventos negativos

Consequências da responsabilização solidária no mercado de arranjos de pagamento

Responsabilidades devem ser alocadas de acordo com a capacidade da parte de mitigar danos de eventos negativos