Sergio Sgobbi

Ao longo dos últimos meses, os efeitos do distanciamento social causado pela Covid-19 foram mitigados, para muitos brasileiros, pelo acesso ao trabalho remoto, às aulas virtuais, ao comércio eletrônico. Entretanto, outros 70 milhões de cidadãos não puderam contar com essa alternativa. Eles têm conexão precária com as redes de comunicação, ou simplesmente não estão conectados. Ao tornar visível e escancarar o impacto da exclusão digital sobre a vida das pessoas comuns, a pandemia também deixou claro porque a conectividade é um ativo estratégico e uma essencialidade no mundo atual. Sem ela, o crescimento econômico e o desenvolvimento social de um país ficam em risco, sendo essa uma das alavancas para catapultar a nação a outros patamares, a outra é a questão energética. O Brasil tem de agir rápido para eliminar o seu déficit e estabelecer estratégias nesse terreno: ampliação da conectividade e melhoria da qualidade de conexão.
Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) são um passo importante nessa direção. Elas desenham uma jurisprudência que promete eliminar o conflito entre normas de várias esferas a respeito da instalação de uma peça fundamental na infraestrutura da conectividade:  as estações rádio base (ERBs), ou antenas de telefonia celular. No próximo dia 12/02, a corte poderá reiterar esse entendimento, ao apreciar um recurso contra a decisão que, em dezembro do ano passado, declarou inconstitucional a Lei de Antenas da cidade de São Paulo.
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Atualmente, leis municipais e estaduais competem com normas federais sobre as ERBs. Isso cria um ambiente regulatório confuso e, às vezes, desnecessariamente restritivo. A jurisprudência que o STF vai firmando, procura resguardar a competência da União na legislação sobre o tema. Ela começou a ser construída em junho de 2020, com o trânsito em julgado da ADI 3.110, que apreciou a Lei 10.995/2001, desta vez não do município, mas do Estado de São Paulo. Esse diploma legal estabelecia limites de exposição à radiação eletromagnética diferentes dos fixados pela lei federal 11.934/2009 e pela regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ambas amparadas em estudo da Organização Mundial de Saúde.
É importante observar que, ao julgar essa ação, e nas palavras do relator do caso, o ministro Edson Fachin, o STF partiu de uma "presunção a favor da competência dos entes menores da federação". Em outras palavras, seguiu princípios de hermenêutica jurídica que pretendem proteger, e não restringir, o poder que estados e municípios têm de complementar regras exaradas no âmbito federal, tendo em vista questões regionais ou locais.
Ainda assim, o tribunal concluiu que a competência para disciplinar o funcionamento das ERBs foi explícita e exclusivamente atribuída à União, sem que isso tolha de forma indevida, ou desproporcional, o espaço de atuação dos outros entes federativos, a quem caberia exercer sua competência caso a União não tivesse exercido de forma plena sua competência, como fez ao exarar normas exaustivas acerca da matéria. Nos termos do acordão da ADI: "A presunção de que gozam os entes menores para, nos assuntos de interesse comum e concorrente, legislarem sobre seus respectivos interesses (presumption against preemption) foi nitidamente afastada por norma federal expressa (clear statement rule)."
No transcorrer do segundo semestre de 2020, quase uma dezena de ações no STF foi decidida com base no precedente estabelecido pela ADI 3.110. É de particular interesse o voto condutor do ministro Luiz Fux no julgamento do Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 929.738, realizado em agosto. Ele explicita que mesmo regras urbanísticas não podem conflitar com a legislação federal, ou impor restrições maiores do que as ali previstas, quando se trata de promover a instalação da infraestrutura necessária às telecomunicações.
Nas palavras do Ministro Fux, "as competências municipais para legislar sobre assuntos de interesse local; promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; e promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local não autorizam que os municípios disponham sobre matérias que a própria Constituição Federal reserva as competências legislativa e material da União, como é o caso dos serviços de telecomunicações."
Mais recentemente, em decisão publicada em janeiro deste ano, através da qual o Plenário do STF declarou inconstitucional artigos de lei de um município paulista (ADPF 731), a Ministra Carmen Lúcia destacou que “ao proibir a instalação de sistemas transmissores ou receptores a menos de cinquenta metros de residências, o Município de Americana/SP estabeleceu regras que conflitam diretamente com a regulamentação nacional prevista nas Leis nº 9.472/1997, 11.934/2009 e 13.116/2015.”
No próximo dia 12, ao deliberar mais uma vez sobre a constitucionalidade da lei paulistana de antenas, o STF terá a oportunidade de acrescentar outro pilar à construção dessa jurisprudência que rapidamente se consolida. Como já tiveram oportunidade de observar os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Roberto Barroso em momento anterior do processo, as questões de fundo são exatamente as mesmas dos julgamentos recentes aqui mencionados.
Trata-se de uniformizar o arcabouço de normas que regem a instalação de ERBs no Brasil. A legislação federal sobre o tema é moderna e bem construída. Leva em conta padrões técnicos adotados no mundo todo e, sim, desde que não extrapolem os parâmetros por ela estabelecidos, garante que estados e municípios possam se ocupar de questões precipuamente locais, como a segurança de edificações e seu impacto no ambiente urbano.
Devemos retornar ao raciocínio esboçado no início deste artigo. Conectividade é um ativo estratégico para o Brasil. Dela dependerão cada vez mais a produtividade de nossa economia, incluso o campo, bem como as possibilidades de que um ambiente favorável à inovação se consolide no país. Dela dependerão igualmente nossos índices de desenvolvimento humano, em outras dimensões: social, ambiental, de direitos e fortalecimento da democracia, no entanto, ainda há muito a fazer.
Acentua-se o debate sobre a implantação do 5G no Brasil, enquanto muitas regiões ainda carecem de acesso ao 4G, ou até mesmo 3G. Essa lacuna só será coberta, e o caminho para as tecnologias mais modernas só será pavimentado, se a infraestrutura da conectividade puder se expandir. Entre as condições sine qua non para que isso aconteça, encontra-se a segurança jurídica para os investimentos. A boa notícia é que o STF tem se mostrado alerta e ativo a essa necessidade.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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JOTA

O STF e a chance de uniformizar o arcabouço de normas que regem a instalação de estações rádio base no Brasil

Conectividade, um ativo estratégico para o Brasil

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