Carlos Augusto Motta Murrer

Se você, leitor ou leitora, ainda não ouviu falar sobre indicações geográficas na grande mídia ou nos principais manuais jurídico-empresariais do país, ou ainda acredita que a relevância jurídica do tema está distante, saiba: é só uma questão de pouco tempo. Apenas nos últimos três anos 33 regiões – todas nacionais – foram reconhecidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> por seus produtos e serviços de notória qualidade e reputação.
Com o aumento dos registros de indicações e o fortalecimento do tema no Brasil, um número exponencial de atores – produtores, empreendedores, associações, e consumidores – será impactado e exigirá relações jurídicas mais seguras e transparentes. A proteção jurídica à origem de um produto ou serviço – hoje declarada pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/inpi">INPI</a> – tem como finalidade impedir que o consumidor incorra em erro na sua escolha. Predileção essa determinada exatamente por uma origem ou procedência de prestígio.
Mas antes que se discuta a provocação cerne deste artigo, se faz útil que algumas perguntas sejam respondidas: o que são indicações geográficas no ordenamento jurídico brasileiro? O que o INPI reconhece e protege? E em quais documentos comprobatórios o INPI se baseia para conferir registro?
O artigo 176 da lei da propriedade industrial (lei 9279/96) divide a figura da indicação geográfica em duas espécies: indicação de procedência e denominação de origem. O interesse na diferenciação é meramente teórico, pela feitura do registro, mas não por uma questão prática de proteção. Não há hierarquia. Ambas as espécies são registradas como indicação geográfica. A indicação de procedência, na inteligência do artigo 177, tem como fragmentos e características: nome geográfico de localidade e; local que tenha se tornado conhecido pela extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de serviço. Já a inteligência do artigo 178, ao conceituar e positivar a denominação de origem, protege nome geográfico que indique produto ou serviço que suas qualidades ou características são consequências do meio geográfico em seus aspectos naturais e humanos. Isto posto, o meio, o ambiente, o local e a cultura de como fazer são sim diferenciais determinantes praqueles produtos e serviços.
Fica claro, pela letra da lei, que a proteção conferida pelo ordenamento é ao gentílico ou nome geográfico escolhido para registro. Outras representações gráficas, como sinal distintivo e selos são extensões dessa da proteção principal. Vide artigo 179 da citada lei.
Mamirauá (AM), Vale dos Vinhedos (RS), Linhares (ES), Canastra (MG) e Franca (SP), são apenas alguns dos exemplos de indicações geográficas registradas para pirarucu, vinhos, cacau, queijos e calçados, respectivamente. Em comum, todos são nomes de localidades.
Como dito, a proteção recai sobre o termo geográfico. Então, a partir do momento que o uso de selos especiais de identificação e controle das indicações são adendos à proteção e facultativos pela legislação, não podem esses serem os critérios de identificação e distinção dos produtos e serviços que compõem procedência e origem. O que identifica e protege indicação geográfica é o nome geográfico alvo de registro.
O direito de se registrar indicação geográfica é um direito cultural e coletivo. Em seu aspecto cultural, a difusão de um saber-fazer local com respeito às tradições de determinada região: um produto ou serviço com “nome e sobrenome”. Já em seu aspecto coletivo, a ideia de ser um direito amplo, sem exclusividade empresarial, como marcas e patentes. As indicações geográficas não servem a um empreendedor ou a um restrito grupo de empresas, mas sim a todo e qualquer produtor que tenha sede na área geográfica protegida e cumpra a determinadas regras internas. Quais regras internas são essas?
Para além de toda proteção aos conhecimentos tradicional e representativo, o grande diferencial das indicações geográficas é permitir a criação de um microssistema normativo e ético a dar segurança jurídica a todos os polos da cadeia de produção e consumo. O citado microssistema normativo é concebido por um documento formal, fundamental ao registro da indicação geográfica no INPI, qual seja, o caderno de especificações técnicas.
O caderno de especificações técnicas é condição sine qua non para registro, mas também é instrumento de controle permanente. No documento deve conter, além da área abrangida, as formas de produção e elaboração, as condições e proibições de uso da IG, a descrição do mecanismo de controle sobre os produtores e até as sanções que os atores podem ser submetidos (INPI, 2022).
Para se utilizar regularmente indicação há uma soma de exigências, conforme artigo 15 da Portaria 04/2022 do INPI (2022): produtores estabelecidos no local, desde que cumpram as disposições do caderno de especificações técnicas e estejam sujeitos ao controle definido. Logo, o empreendedor que faz referência ao nome geográfico protegido e não segue o caderno técnico usa IG de forma irregular. A proteção ao consumo correto e transparente é razão de ser desta ideia. Acredite, o uso irregular citado é uma prática real, atual e tende a se agravar com o ganho de reputação das indicações nacionais.
A referência a região, local ou território geográfico em posição de destaque no rótulo ou peças publicitárias – ainda que tão somente o nome, sem o uso de sinais distintivos, selos próprios ou selos de controle – por quem não cumpre os requisitos de sede e respeito ao caderno técnico é um ilícito previsto na legislação e passível de responsabilizações civis e criminais. Os artigos 192 a 194<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> da lei 9279/96 trazem os crimes previstos para quem usa falsa indicação geográfica.
A análise é concreta: se pode gerar confusão, o termo geográfico não deve ser utilizado em rótulos e outras formas de publicidade. Para comprovar este entendimento vale utilizar fontes materiais, como as normas da União Europeia, mais claras e fonte inicial para o sistema brasileiro de proteção às indicações geográficas:
Artigo 21. 1. As indicações geográficas protegidas ao abrigo do presente regulamento podem ser utilizadas por qualquer operador que comercialize uma bebida espirituosa produzida em conformidade com o caderno de especificações aplicável.
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<li>As indicações geográficas protegidas ao abrigo do presente regulamento são protegidas contra: [...] b) Qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação, ainda que a verdadeira origem dos produtos ou serviços seja indicada [...] c) Qualquer outra indicação falsa ou falaciosa quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades essenciais do produto, que conste da designação, da apresentação ou do rótulo do produto, suscetível de criar uma opinião errada sobre a origem do produto; (UE, 2019)</li>
</ol>
A despeito da preocupação do Estado brasileiro para com as falsas indicações geográficas ainda ser incipiente, seja por uma não provocação ao judiciário, seja por um desconhecimento real, a necessidade de evolução e fortalecimento do tema se faz urgente pelo crescimento dos reconhecimentos, pela inserção dos produtos nacionais em novos mercados, pelo amadurecimento do consumidor interno ou ainda por uma leal concorrência.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Lei 9.279/1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Promulgada em 14 de maio de 1996.
INPI. Portaria 04/2022. Estabelece as condições para o registro das Indicações Geográficas, dispõe sobre a recepção e o processamento de pedidos e petições e sobre o Manual de Indicações Geográficas. 12 de janeiro de 2022.
UNIÃO EUROPEIA. Regulamento (UE) 2019/787 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de abril de 2019. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:02019R0787-20220815&amp;from=EN
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Sugestões de site: (a) <a href="https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/indicacoes-geograficas/pedidos-de-indicacao-geografica-no-brasil">https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/indicacoes-geograficas/pedidos-de-indicacao-geografica-no-brasil</a> (b) <a href="https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/origens">https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/origens</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 192. Fabricar, importar, exportar, vender, expor ou oferecer à venda ou ter em estoque produto que apresente falsa indicação geográfica. Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.
Art. 193. Usar, em produto, recipiente, invólucro, cinta, rótulo, fatura, circular, cartaz ou em outro meio de divulgação ou propaganda, termos retificativos, tais como "tipo", "espécie", "gênero", "sistema", "semelhante", "sucedâneo", "idêntico", ou equivalente, não ressalvando a verdadeira procedência do produto. Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.
Art. 194. Usar marca, nome comercial, título de estabelecimento, insígnia, expressão ou sinal de propaganda ou qualquer outra forma que indique procedência que não a verdadeira, ou vender ou expor à venda produto com esses sinais. Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

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JOTA

Do uso irregular em rótulos e peças publicitárias

Concorrência desleal em indicações geográficas no Brasil

Nos últimos três anos 33 regiões geográficas no Brasil foram reconhecidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial