Pedro Lucena

Com a vigência do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/marco-legal-do-saneamento-basico">Marco Legal do Saneamento Básico</a> em 2020, as concessões municipais de saneamento passaram a enfrentar um obstáculo adicional no âmbito da estruturação de seus projetos.
Nos referimos ao condicionamento imposto à alocação de recursos públicos federais, além de financiamentos com recursos da União ou geridos por suas entidades, que passou a exigir – dos entes municipais – aderência aos modelos de prestação regionalizada.
Na prática, municípios não aderentes a um dos tipos de regionalização – regiões metropolitanas, aglomerações urbanas, microrregiões, unidades regionais de saneamento básico ou blocos de referência – não poderiam ter acesso aos aportes financeiros oriundos da União para o desenvolvimento de suas iniciativas.
É consenso que a Lei do Saneamento estabeleceu um verdadeiro <a href="https://vernalhapereira.com.br/prestacao-regionalizada-dos-servicos-de-saneamento/">enforcement</a> a favor da prestação regionalizada, adotando a premissa de que a medida geraria ganhos de escala, além de aumentar as chances de universalização e viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços.
Ainda assim, mesmo diante desse contexto, nota-se que o mercado de concessões municipais de saneamento não se extinguiu. Aliás, de modo diverso, passados quase três anos desde a edição da lei, é possível dizer que – em certa medida – <a href="https://www.abdib.org.br/2023/01/16/setor-de-saneamento-se-volta-a-concessoes-municipais-em-2023/">o segmento vem avançando com relevância no cenário nacional</a>.
Para o ano de 2023 não há expectativas por grandes leilões estaduais no setor. Por outro lado, é expressivo o número de projetos municipais em andamento, alguns com previsão de conclusão até o final do ano e outros efetivamente concluídos: é o caso da <a href="https://www.jornalnh.com.br/noticias/regiao/2023/04/10/ararica-e-a-primeira-cidade-do-rs-a-conceder-servico-de-saneamento-a-iniciativa-privada-apos-novo-marco-legal.html">concessão de Araricá</a> (RS), município com população inferior a 30 mil habitantes, cujo contrato foi assinado no último dia 30 de março.
Sobre o tema, não se ignora que o timing político favorece: as administrações públicas municipais estão em “meio de mandato” e contam com equipes administrativas já estruturadas – pelo menos assim se espera. É uma situação diversa daquela dos estados, que tiveram um novo ciclo iniciado no começo deste ano – algo a demandar mudanças até mesmo nos casos de reeleição.
Observada essa conjuntura, somada ao fato de que <a href="https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/04/novas-regras-do-saneamento-vao-beneficiar-29-8-milhoes-de-habitantes">até 31/03/2023 mais de 2.000 municípios não se encontravam regionalizados</a>, já era de se esperar alguma agitação no mercado de concessões municipais. Porém, é inegável: o último dia 5 de abril trouxe uma novidade, que, ao que tudo indica, poderá reforçar as chances de sucesso do segmento – neste e nos próximos anos.
Trata-se do <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Decreto/D11467.htm">Decreto 11.467</a>.
A norma regulamentar do governo federal, dentre tantas significativas mudanças, acabou por estabelecer algumas relativizações à condicionante de aderência dos municípios aos modelos de prestação regionalizada para recebimento de recursos federais.
Se por um lado o decreto estendeu o prazo para adesão às estruturas regionalizadas, que agora passa a ser 31/12/2025, por outro lado – e este é ponto que aqui nos interessa –, o seu art. 15, inciso II, descarta a necessidade de regionalização para municípios com prestação delegada por meio de contratos de concessão ou de parcerias público-privadas (PPPs) precedidos de licitação, desde que firmados anteriormente à data de 5 de abril de 2023.
Mas não só isso, pois também amplia o benefício às concessões ou PPPs que, até a data de publicação da norma regulamentar: (i) tenham sido licitadas, (ii) tenham sido submetidas às consultas públicas, ou, pelo menos, (iii) tenham sido objeto de estudo contratado por instituições financeiras federais.
O impacto pode ser enorme.
Tradicionalmente são muitos os entraves às concessões municipais: em sua maioria, a dinâmica desses projetos se desenrola em municípios com baixa expertise e defasado aparato administrativo. O cenário posto é comumente citado como um obstáculo à elaboração de bons editais – ponto absolutamente central para o êxito das concorrências de saneamento.
A insegurança jurídica no setor também se apresenta como empecilho não somente às concessões municipais, mas ao próprio alcance das metas de 99% da população com água potável, bem como 90% com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033.
Todavia, no tocante à inacessibilidade aos recursos federais, cujo impedimento igualmente atuava como fator desestimulante, o tema recebeu forte mitigação – e parece caminhar em sentido oposto ao previsto inicialmente pela lei.
Em bom e claro português, o decreto viabiliza – sob a esteira de excepcionalidades circunstanciais – algo até então inalcançável aos municípios que pretendiam prestar os serviços de saneamento enfrentando voo solo.
O tema é controverso e não passou despercebido: <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/politica/partido-novo-protocola-acao-no-stf-contra-decreto-do-saneamento-de-lula/#:~:text=Partido%20Novo%20protocola%20a%C3%A7%C3%A3o%20no%20STF%20contra%20decreto%20do%20saneamento%20de%20Lula,-Sigla%20aponta%20que&amp;text=O%20Partido%20Novo%20entrou%20com,alterou%20o%20marco%20do%20saneamento.">apenas um dia após a publicação do decreto</a>, o dispositivo em comento – além de outros – foi objeto de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
Argumenta-se que as exceções estabelecidas, ao viabilizarem o uso de recursos federais em projetos municipais não regionalizadas, denotariam ato de exorbitância do Poder Regulamentar. Isto é: teriam criado reservas não estabelecidas pela Lei do Saneamento – avançando no conteúdo da norma com descaracterização de sua pretensão original, negando-se vigência a uma regra de eficácia imediata.
Mesmo diante de críticas à forma (imposição normativa via decreto), é de se notar uma janela de oportunidade às concessões municipais, que, frisa-se, até aquele momento, não contavam com a possibilidade de tais recursos.
Cumpre aguardar como irá evoluir a dinâmica das concessões municipais na esteira do novo decreto e, em especial, da medida em comento – uma das poucas que parece ter agradado, pelo menos em parte, à iniciativa privada atuante no setor.

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JOTA

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