Rafael Carvalho Rezende Oliveira

Jéssica Acocella

Não há dúvidas de que o compliance e a implementação de políticas de integridade são realidade que vem se consolidando rapidamente nas organizações privadas nos últimos anos.
Movimento este que se acelerou principalmente com a edição da Lei 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, revelando o esforço para a ambiência de uma nova era de negócios e de relacionamento do Poder Público com o setor privado.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>No entanto, para que as práticas de compliance e integridade sejam efetivas, sobretudo nas diversas relações púbico-privadas, deve existir uma via de mão dupla: não se pode esquecer, claro, do papel fundamental a ser também desempenhado pela administração pública, estruturando e implementando mecanismos, procedimentos e práticas próprios que assegurem a conformidade de sua atuação.
No que diz respeito ao setor público, porém, há ainda um caminho mais longo a se percorrer, apesar de já podermos observar importantes avanços no tema, inclusive em razão da crescente demanda e cobrança social por maior transparência, ética e lisura na atuação pública.
De fato, importante passo foi dado no âmbito das contratações públicas a partir da edição, por diversos Estados da federação, de leis estabelecendo a obrigatoriedade de apresentação, pelos parceiros privados, de programa de integridade (com destaque para o pioneirismo do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, por meio das respectivas Leis 7.753/2017 e 6.112/2018<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>).
Mais recentemente, a Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), entre algumas de suas principais inovações, também introduziu, no âmbito das licitações federais, o dever de previsão, nos editais para contratações de grande vulto (assim definidas como aquelas cujo valor estimado supera duzentos milhões de reais), da obrigatoriedade de implantação de programas de compliance e integridade pelo licitante vencedor, conferindo-se o prazo de até 6 (seis) meses após a celebração do contrato (art. 25).
Mas não é só isso. A nova lei demonstra a sua preocupação com a criação de incentivos à instituição de programas de integridade nas empresas participantes de licitações e de contratações públicas em outras passagens, a saber:
(i) o desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle, constitui critério de desempate nos certames (art. 60, IV);
(ii) na aplicação de sanções em razão de infrações administrativas previstas na Lei de Licitações será considerada, dentre outros critérios, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle (art. 155, § 1º, V); e
(iii) a sanção pelas infrações previstas no art. 155, VIII (apresentação de declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou de declaração falsa durante a licitação ou a execução do contrato) e XII (prática de ato lesivo previsto no art. 5º da Lei Anticorrupção), exigirá, como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade pelo responsável (art. 163, parágrafo único).<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Em linha com o escopo da nova Lei de Licitações, registre-se, ainda, que o Ministério da Economia publicou em meados deste ano a Portaria SEGES/ME 8.678, de 19 de julho de 2021, para dispor sobre a governança das contratações públicas no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, estabelecendo um conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão dos contratos públicos, visando a agregar valor ao negócio do órgão ou entidade, e contribuir  para o alcance de seus objetivos, com riscos aceitáveis.
Outras duas importantes novidades que denotam os novos rumos do compliance no setor público, indo ao encontro do propósito de incentivar a adoção de medidas público-institucionais para prevenção de práticas de corrupção e fraude, foram a edição do Decreto 10.756, de 27 de julho de 2021, que instituiu o Sistema de Integridade Pública do Poder Executivo Federal, determinando a implementação de medidas de compliance e gestão de riscos, e do recentíssimo Decreto 10.795, de 13 de setembro de 2021, que estabeleceu, ato contínuo, o programa de integridade da Presidência da República<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Com enfoque especialmente no estabelecimento de princípios e diretrizes, o programa reitera, dentre outros valores e objetivos voltados ao combate a desvios éticos, a ilícitos administrativos, a fraude e corrupção, a importância do apoio e comprometimento da alta administração com a integridade; da gestão de riscos; da capacitação de agentes públicos bem como da comunicação contínua; e do fomento a um ambiente íntegro e confiável.
No entanto, apesar de repleto de boas intenções, o programa ainda carece de concretude e remete a sua formalização, bem como a definição mais precisa da identidade estratégica, objetivos, metas e ações para o que denomina de plano estratégico de integridade.
E, apesar de já concluída sua elaboração em agosto deste ano, por grupo de trabalho instituído por deliberação do Comitê Integrado de Governança da Presidência da República, o plano ainda não foi aprovado pelo colegiado competente<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.    
Diante, assim, das iniciativas que aqui destacamos, em que pese ainda serem muitos os desafios para aprimoramento e disseminação da fundamental cultura do compliance no âmbito das organizações públicas, nota-se o avanço e a importância que o tema vem conquistando também no espaço público por meio da criação de mecanismos e procedimentos internos de conformidade e boa governança.
Com isso, o resultado tende a ser uma gestão pública mais responsável, eficiente e transparente, assegurando, de forma institucionalizada, que as finalidades públicas e os interesses dos cidadãos sejam preservados.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A respeito do pioneirismo dos citados entes da federação na regulação do tema, cf. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende; ACOCELLA, Jéssica. A exigência de programas de compliance e integridade nas contratações públicas: os Estados-membros na vanguarda. In: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende; ACOCELLA, Jéssica (Coord.). Governança corporativa e compliance. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Aqui, é importante destacar que a exigência de programa de integridade para reabilitação do licitante nos casos indicados pelo legislador representa importante incentivo para o autossaneamento (self-cleaning) das empresas punidas que deverão adotar medidas corretivas e preventivas, que reduzam o risco de prática de ilícitos, para recuperarem a sua condição de potencial contratante do Poder Público.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Não se pode deixar de mencionar, porém, a existência, há algum tempo, de um amplo arcabouço normativo que já caminhava na direção do compliance, a saber: Lei 8.429/92 – lei de improbidade administrativa; (ii) Decreto federal 1.171/94, que estabelece o código de ética profissional do servidor público civil do Poder Executivo federal; (iii) Decreto 5.480/05, que dispõe sobre o sistema de correição do Poder Executivo federal; (iv) Lei 12.537/11 – LAI; (v) Lei 12.813/13, que dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/noticias/2021/agosto/plano-estrategico-de-integridade-da-presidencia-da-republica-e-concluido">https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/noticias/2021/agosto/plano-estrategico-de-integridade-da-presidencia-da-republica-e-concluido</a>&gt;.

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JOTA

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