Bruno Teixeira Peixoto

Após mais de 17 anos de tramitação no Congresso, parece estar próxima a conturbada aprovação do PL 3.729/2004, referente à “Lei Geral” do Licenciamento Ambiental, que regulamenta o inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, retomando ao debate público questões controversas em matéria de regulação e meio ambiente.
Para além dos já conhecidos e necessários debates sobre “autolicenciamento” ou afrouxamentos vs. endurecimento de regras licenciatórias – o que justificaria outro artigo -, há uma perspectiva que literalmente está “caindo de madura”, pois oportuna e contemporânea, de extrema pertinência em sede de processos administrativos de licenciamento ambiental no Brasil: Programas de Compliance e padrões ESG (Environmental, Social and Governance).
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E há razões claras para que os Programas de Compliance e a onda ESG sejam relacionados à estrutura regulatória de licenciamento ambiental.
Como já exposto neste espaço<a href="applewebdata://054C903C-69DB-485E-9525-8B232B293EC0#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, a gestão e a governança das organizações públicas e privadas estão sob efeito da onda ESG para mensuração dos impactos ambiental, social e de governança nas empresas e nos investimentos, exigindo distinção entre o absurdo e o consenso sobre sua efetividade no framework regulatório, gerando dúvidas sobre de que forma e por qual instrumento da regulação deve ser exigido o Compliance ESG.
Essa onda se soma ao avanço da aplicação legal dos Programas de Integridade ou Compliance, especialmente no âmbito da regulação anticorrupção e, mais recentemente, com o advento da nova Lei Geral de Licitações Públicas (Lei n. 14.133/2021), em que há previsão expressa de sua implementação.
Inclusive, a nova Lei Geral de Licitações, no art. 144, indica que na contratação de obras, fornecimentos e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, com base em “metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental” e prazos de entrega definidos no edital de licitação e no contrato.
Por essas razões é que surge uma questão importante: É possível exigir a implementação de Programas de Compliance e padrões ESG no âmbito de licenciamentos ambientais? Se sim, de que maneira tal medida se impõe? Haveria algo desta natureza no aludido PL 3.729/2004?
À primeira vista, tudo parece indicar que o órgão licenciador, pelo poder discricionário da Administração Pública ambiental, poderia exigir do licenciado a implementação de um legítimo e efetivo Programa de Compliance Ambiental, pautado por padrões ESG de gestão e governança, necessariamente vinculado aos impactos socioambientais do eventual empreendimento, obra ou atividade econômica objeto do licenciamento ambiental.
No entanto, em nível federal, em princípio, inexiste norma legal ou regulamentadora tratando especificamente dessa exigência.
A propósito, o PL 3.729/2004, em sua versão mais atual<a href="applewebdata://054C903C-69DB-485E-9525-8B232B293EC0#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, somente traz previsões genéricas ligadas a “Plano Básico Ambiental (PBA)” e “Plano de Controle Ambiental (PCA)”, ambos com alusões pro forma “a planos, programas, projetos e ações de prevenção, mitigação, controle, monitoramento e compensação para os impactos ambientais da atividade ou empreendimento”.
Na legislação ainda vigente sobre licenciamento ambiental no país, a Resolução n. 237/1997 do CONAMA, no § 3º do art. 12, já previa que deveriam ser “estabelecidos critérios para agilizar e simplificar os procedimentos de licenciamento ambiental das atividades e empreendimentos que implementem planos e programas voluntários de gestão ambiental, visando a melhoria contínua e o aprimoramento do desempenho ambiental”.
Nada obstante, considerando a necessidade de maturidade regulatória acerca do tema e tendo em conta o que já foi positivado no âmbito das licitações, o ideal seria se a exigência do Compliance e padrões ESG constasse de norma legal, especialmente disposta e estruturada na tão aguardada “Lei Geral” do Licenciamento Ambiental brasileiro.
Isso porque, no âmbito das atividades econômicas efetivas ou potencialmente poluidoras ou capazes, sob qualquer forma, de causarem degradação do meio ambiente, especialmente quando presentes EIA/RIMA, a exigência da implementação de um efetivo Programa de Compliance pautado por padrões ESG torna-se fundamental não só para a prevenção a danos, como também para o próprio monitoramento e controle da obra, atividade ou empreendimento licenciado.
Com efeito, a exigência de Compliance ESG no processo administrativo de licenciamento ambiental também poderia constar das condicionantes das licenças ambientais expedidas, sobretudo nas licenças de operação, cuja importante fase aprova as ações de controle e monitoramento ambiental e estabelece condicionantes ambientais para operação da atividade licenciada.
Nesse sentido, a Lei Federal n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, no art. 9º, XIII, indica rol não taxativo de “instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros”, abarcando interpretação favorável à concepção e ao aprimoramento de novos instrumentos para regulação ambiental.
A própria Constituição Federal, pelo seu art. 225, § 1º, V, ordena como incumbência do Poder Público “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”, dever fundamental de controle que exige, por óbvio, constante evolução dos instrumentos regulatórios e de comando e controle ambiental.
<blockquote class="jota-article__eye">Os Programas de Compliance e padrões ESG nos licenciamentos ambientais, delimitados por requisitos efetivos e normatização clara acerca de sua avaliação, reforçariam a proeminência da tutela administrativa do meio ambiente em face da judicial<a href="applewebdata://054C903C-69DB-485E-9525-8B232B293EC0#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.</blockquote>
Os processos administrativos ambientais – como o licenciamento ambiental – por excelência detêm função eminentemente preventiva e antecipadora de infrações e danos ambientais, são capazes de manifestarem o dever fundamental de proteção ambiental exigido não só do Estado, mas também da coletividade (art. 225, caput, CF).
A introdução do Compliance e padrões ESG nos licenciamentos ambientais de atividades com relevantes impactos socioambientais confirmaria o que a ONU<a href="applewebdata://054C903C-69DB-485E-9525-8B232B293EC0#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> e OCDE<a href="applewebdata://054C903C-69DB-485E-9525-8B232B293EC0#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> vêm recomendando sobre a implementação da regulação ambiental, representando avanços tanto aos regulados como para os reguladores, a fim de um ambiente regulatório cooperativo, dissuasivo e preventivo.
Importante reiterar o PL 5.442/2019, em trâmite na Câmara dos Deputados, objetivando regulamentar os Programas de Conformidade ou Compliance Ambiental, embora, como visto, a alocação regulatória ideal de tais instrumentos mostre-se oportuna no âmbito dos licenciamentos ambientais.
Em suma, passados mais de 17 anos de discussão sobre o PL 3.729/2004, os Programas de Compliance e os padrões ESG eclodem em momento oportuno para sua inclusão na pauta do marco legal do Licenciamento Ambiental brasileiro, possibilitando sistêmico e necessário aprimoramento na regulação ambiental no Brasil.
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<a href="applewebdata://054C903C-69DB-485E-9525-8B232B293EC0#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> PEIXOTO, Bruno Teixeira; MEDEIROS, José Augusto. Sense e nonsense sobre compliance ESG. Jota. Disponível em: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sense-e-nonsense-sobre-compliance-esg-15032021">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sense-e-nonsense-sobre-compliance-esg-15032021</a>
<a href="applewebdata://054C903C-69DB-485E-9525-8B232B293EC0#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/257161">https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/257161</a>
<a href="applewebdata://054C903C-69DB-485E-9525-8B232B293EC0#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Neste sentido: NIEBUHR, Pedro. Processo Administrativo Ambiental. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2021.
<a href="applewebdata://054C903C-69DB-485E-9525-8B232B293EC0#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> UNEP - United Nations Environment Programme. Environmental Rule of Law: First Global Report. Nairobi, 2019. Disponível em: https://www.unep.org/resources/assessment/environmental-rule-law-first-global-report Acesso em 10 de mai. 2021.
<a href="applewebdata://054C903C-69DB-485E-9525-8B232B293EC0#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> OCDE, Ensuring Environmental Compliance – Trends and Good Practices. Paris: OECD publications, 2009. Disponível em: <a href="https://www.oecd.org/env/tools-evaluation/ensuringenvironmentalcompliancetrendsandgoodpractices.htm">https://www.oecd.org/env/tools-evaluation/ensuringenvironmentalcompliancetrendsandgoodpractices.htm</a> Acesso em 10 de maio de 2021.

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Marco legal do licenciamento ambiental deveria abarcar exigência de compliance e padrões ESG

Compliance ESG no licenciamento ambiental

Marco legal do licenciamento ambiental deveria abarcar exigência de compliance e padrões ESG