José Marcelo Martins Proença

Guilherme Teno Castilho Misale

Nesta breve reflexão, buscamos destacar um aspecto importante do compliance que, eventualmente, pode passar despercebido aos olhos do mercado. Para tanto, lançamos luz a um modelo de governança empresarial pautado pelo medo. Um Compliance Amedrontador, como o chamaremos, pode se refletir no comportamento dos empregados, que passam a conviver com uma situação de permanente tensão e temor à vista de uma gestão corporativa que se apresenta na contramão do real espírito de compliance, focalizando apenas no aspecto punitivo ao disseminar o medo, e apenas o medo - camuflado nas supostas políticas de compliance - a fim de que a organização aja “nos trilhos da conformidade”. 
De fato, não é difícil imaginar situações em que, almejando implementar um sistema de compliance robusto, organizações finquem uma cultura do medo na modelação de suas estruturas de governança, controle e fiscalização. Como pano de fundo, sublinhamos o relevante papel exercido pela alta administração para genuinamente inspirar, incutir e promover o compliance na empresa, instruindo e empoderando os empregados a fim de assegurar que a cultura do compliance esteja incrustada e seja parte viva do cotidiano empresarial. 
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Pois bem, visando estabelecer um sistema de compliance rígido, notadamente na esteira de clamores sociais e normativos, é possível que empresas, ainda que dentro do espírito da legalidade, criem uma miríade de regras, ferramentas, comunicações, controles e procedimentos massivos, formalísticos e intrusivos, transmitindo e reiterando, direta e/ou indiretamente, uma diuturna mensagem de medo e apreensão na organização, capitaneada não só por ações não motivacionais, como também por exemplos ameaçadores da alta administração. Trata-se de um cenário de persuasão do Compliance Amedrontador que se pavimenta no receio punitivo.
Se for assim, é bem capaz que o cumprimento normativo se dê não em razão dos múltiplos e duradouros benefícios que uma autêntica cultura da conformidade acarreta sob um prisma holístico, mas sim que o motivo para a organização “agir nos trilhos” se justifique por força da cultura do temor, isto é, o empregado cumpre porque receia ser punido caso se desvie do “padrão de conformidade” imposto na organização. 
Ao mesmo tempo, porém, não se vislumbra na cultura organizacional qualquer esforço de sensibilização com vistas a realmente educar e conscientizar sobre o espírito do compliance e da integridade. Na essência, o racional corporativo do Compliance Amedrontador reduz-se à lógica de que o remédio mais efetivo se amolda na punição a qualquer custo e em qualquer circunstância, desprezando a prevenção e seus métodos em primeiro lugar. 
Colocamos em xeque a sustentabilidade, a efetividade e a perenidade de qualquer cultura de compliance baseada em tal paradigma. Não se ignora a importância de medidas disciplinares na estrutura do compliance, mas essas, para serem frutíferas e funcionais, devem vir atreladas a um contexto mais amplo de internalização e de incentivo à cultura da conformidade. Em nossa visão, a fina combinação entre medidas disciplinares e incentivos à cultura do compliance agrega sinergia para o funcionamento da governança empresarial.
Na hipótese de um compliance regido pela “psicologia do medo”, intui-se um horizonte propício para a existência de uma atmosfera empresarial em que a alta administração lidera pelo clima negativo e opressivo da punição, exercendo poder e pautando ações por meio de iniciativas que não estimulam, verdadeira e construtivamente, a mudança de mentalidade da organização no sentido do compliance genuíno. 
A razão de ser do compliance baseia-se, nessa ótica, na ameaça e no excessivo rigor punitivo das políticas corporativas, sinalizando, colateralmente, uma insegurança generalizada. Fragiliza-se o comprometimento com a integridade e a responsabilidade empresarial: não se busca criar um ambiente fértil para fazer compreender junto aos empregados a importância da cultura do compliance, mas antes se inocula na organização um viés distorcido que mira apenas nos efeitos deletérios da não conformidade, usando fundamentalmente desse fato como ameaça para fazer valer o suposto compliance. 
Supondo esse padrão no âmbito interna corporis, também é oportuno, em paralelo, pincelar uma faceta externa do compliance, leia-se, a maneira pela qual os reguladores incentivam e promovem o compliance junto às empresas e, consequentemente, como a cultura da conformidade se repercute no bojo corporativo. Em similitude à hipótese do compliance pautado pelo medo, não se pode desconsiderar que os incentivos fornecidos pelos reguladores também impactam na maneira pela qual as empresas implementam e estimulam o compliance em seu dia a dia. 
Logo, se os reguladores disciplinam e compreendem o compliance à luz de uma abordagem lastreada exclusiva e unidirecionalmente no rigor punitivo, sem fornecer recompensas para empresas realmente engajadas com o espírito da conformidade, não é improvável que esse tipo de abordagem comprometa o potencial do compliance corporativo. Sem dúvida, existe uma rica interface de possibilidades entre incentivos legais e compliance corporativo que deve ser ponderada atentamente pelos reguladores e policy makers. Nessa ponderação, a participação dos agentes econômicos é valiosa para bem equacionar os incentivos. 
Em síntese, não se olvidando, evidentemente, para a existência e pertinência de poder punitivo do sistema de compliance, a mensagem que deixamos para reflexão é de que um compliance genuíno não deve ser construído sob os auspícios de um Compliance Amedrontador, eis que, se assim for, muitos dos riscos que o compliance visa prevenir podem ser, ao contrário, exponenciados. E mais: pode-se dar azo a um sentimento de perseguição sob o mote do “quem tem medo do compliance” ao equivocadamente associar o compliance a um “mal-estar corporativo”. 
Sendo assim, é imperativo focalizar, com profundidade, na dimensão da cultura corporativo-organizacional que o compliance busca sensibilizar desde um ponto de vista sistêmico, instilando um ecossistema empresarial saudável e comprometido com o bem maior que, em nossa leitura, deve ser a conformidade/integridade, compreendida como parte indissociável do interesse corporativo e da estrutura do negócio, um valor pró-competitivo minimizador dos riscos empresariais. 
Com base nesse ponto de vista, a conformidade não decorre do medo/ameaça, mas se manifesta e vem impulsionada, organicamente, como parte integrante de uma cultura responsável e comprometida com os valores da responsabilidade social corporativa, sintetizando também um importante instrumento-meio indispensável para perfectibilizar o objetivo social da organização.

compliance

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JOTA

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