Pandemia

Competências coordenadas no combate ao novo coronavírus

Municípios não podem flexibilizar o que União e estados restringiram

Crédito: Pixabay

Os brasileiros têm assistido nos últimos dias um debate iniciado com a recente decisão proferida pelo STF (ADI 6.341) ao referendar liminar proferida pelo Min. Marco Aurélio que, em linhas gerais, explicita a competência e, portanto, a responsabilidade dos estados e municípios na implementação de medidas de enfrentamento à pandemia do coronavírus.

Já se sabe, pois isso está claro no texto da Constituição Federal, que União, Estados e Municípios têm competência comum para “cuidar da saúde” (art. 23) e de forma concorrente podem legislar sobre a “defesa da saúde” (art. 24).

Também se extrai da Constituição Federal (art. 30) que compete aos Municípios “suplementar a legislação federal e estadual no que couber”.

Após essa decisão, as autoridades (governadores e prefeitos municipais) passaram a interpretá-la sob diversos ângulos, inclusive para enxergar a concorrência de competência entre os entes federativos, como se cada um deles, nos limites de seu território e autonomia, pudesse fazer o que bem entendesse no que se refere às medidas de flexibilização do isolamento e de reabertura da atividade econômica, desde que respeitadas algumas balizas de orientação própria.

Como todos nós sabemos, a União editou a Lei 13.979/2020 (enfrentamento ao novo coronavírus), o Decreto n.º 10.277/2020 e a Medida Provisória n.º 926/2020. O Estado de Goiás expediu vários decretos, o mais recente, o Decreto n.º 9.653/20.

Mesmo diante do esforço até o momento empreendido pelo Estado de Goiás, exemplar, reconheça-se, ainda é precária a estrutura para o atendimento pleno da população que pode ser afetada pela Covid-19. A despeito disso, há notícia de municípios que, entendendo serem detentores de plena competência regulamentar, flexibilizaram ao máximo a atividade econômica e o isolamento, sem qualquer estrutura para atendimento da população eventualmente contaminada.

Não me parece ser esse o melhor caminho!

A regra da autonomia dos entes federativos, tendo por base a predominância dos interesses locais, como disse o Ministro Alexandre de Moraes “não significa que todos podem fazer tudo” advertindo: “isso gera bagunça.”

No trato da saúde pública e da pandemia que agora todos enfrentamos não há espaço para disputa. É preciso que haja uma articulação, uma harmonização, uma atuação coordenada, leal ao texto constitucional e reciprocamente cooperativa entre os órgãos constitucionais, como registrou o Ministro Gilmar Mendes na ADI 6.341.

A conclusão a que se chega, após analisar todo esse contexto, com o auxílio da jurisprudência do STF e do texto da própria Constituição Federal, é que a decisão do STF assegura aos Estados e Municípios a competência legislativa e administrativa para estabelecer limitações a direitos com o objetivo de enfrentar a Covid-19 em razão do interesse local, ainda que a União flexibilize as restrições para a retomada da atividade econômica.

Se o que se busca é um verdadeiro e eficaz enfrentamento da pandemia, sem permitir retrocessos nesse duro embate que estamos travando, o que seria prejudicial em todos os aspectos (sanitários, sociais e econômicos), é imprescindível que se reconheça o necessário exercício coordenado das competências constitucionais exercidas pelos entes federativos.

E isso se torna possível com o uso do próprio modelo de distribuição de competências traçado pela Lei Maior, aqui trazido para o âmbito do combate ao coronavírus.

Cabe à União a emissão de normas gerais e, em seguida, em razão da situação sanitária e estrutural, a cada Estado, tendo como limite o balizamento da União, disciplinar os protocolos e procedimentos para enfrentar a pandemia.

Aos Municípios, cuja competência é suplementar (art. 30, Constituição Federal), ou seja, exercida apenas para suprir a falta de regras gerais, fica a importante responsabilidade de, avaliadas as particularidades locais (estrutura hospitalar, condições sanitárias, número de infectados etc.) e sem extrapolar os limites das normas emitidas pela União e Estado, mas valendo-se delas, complementá-las para ampliar, intensificar, se preciso, o nível de proteção à saúde da população.

Desse modo, partindo-se das normas da União, não podem os Estados flexibilizar o que a União restringiu e os Municípios, destoando dos regramentos anteriores, não podem flexibilizar o que a União ou os Estados restringiram.

Assim, estabelece-se um mecanismo harmônico e coordenado de exercício dessas competências, de modo a dar segurança à população, avançar para vencer essa pandemia que nos assola, e, acima de tudo, preservar vidas, para que, o mais breve possível possam ser plenamente retomadas as tão afetadas atividades econômicas.