Danyelle Galvão

Uma pesquisa de jurisprudência perante o Supremo Tribunal Federal encontrou 35 decisões colegiadas sobre o tema do “caixa 2 eleitoral”, com menção ao art. 350 do Código Eleitoral em sua indexação, até 31 de julho de 2017.
Do total, 60% (21 decisões) foram proferidas em inquéritos ou ações penais, todos em relação a acusados detentores de prerrogativa de foro, uma vez que o Supremo Tribunal Federal é responsável para processar e julgar Presidente e Vice-Presidente da República, Senadores e Deputados Federais.
Das 17 decisões encontradas em inquéritos, 2 (INQ 2280 e INQ 3997) devem ser descartadas para evitar distorções nos dados estatísticos, porque a acusação não se referia ao crime de caixa 2 eleitoral objeto deste estudo.
O gráfico a seguir, no qual estão englobadas todas as demais 15 decisões proferidas nos inquéritos daquela Corte, demonstra quais fatos/condutas foram imputados aos acusados que, segundo a Procuradoria Geral da República, enquadravam-se no crime previsto do art. 350 do Código Eleitoral:
<a href="/wp-content/uploads/2017/10/caixa21.jpg"><img class="aligncenter wp-image-95633 size-full" src="/wp-content/uploads/2017/10/caixa21.jpg" alt="" width="642" height="300" /></a>
Nota-se que 53,33% (8 decisões) dos casos trata de prestação de contas inexata/falsa porque houve omissão de receitas e/ou despesas, declaração de doação inexistente e doação inexata sobre origem de doação em dinheiro.
Tais considerações viabilizam responder alguns questionamentos. A conduta de “caixa 2 eleitoral” é prevista como crime pela legislação brasileira?
A análise destes julgados demonstra, sem sombra de dúvidas, que a conduta de omitir receitas ou despesas em prestação de contas (contabilidade paralela/“caixa 2 eleitoral”) está previsto como crime no Brasil, no art. 350 do Código Eleitoral, caso contrário, o Supremo Tribunal Federal arquivaria os inquéritos ou rejeitaria as acusações formuladas pela Procuradoria Geral da República.
Chega-se a mesma conclusão após a análise das 4 decisões proferidas nas ações penais em que há menção ao dispositivo legal. Em 3 dos casos há referência específica ao “crime de caixa 2 eleitoral”, sendo 50% dos casos (2 decisões) relativos à acusação de omissão de receita (doação) na prestação de contas do candidato.
A ação penal restante é a autuada como Ação Penal 470, mais conhecida como “Ação Penal do Mensalão”. Em verdade, a acusação feita na denúncia era de corrupção, mas havia pedido da defesa para que a conduta fosse enquadrada como “caixa 2 eleitoral” porque o acusado teria recebido valores destinados ao pagamento de fornecedores de campanhas e de débitos que ficaram em aberto após o pleito.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o caso, afastou a tese da defesa de que houve “caixa 2 eleitoral” e puniu os acusados pela prática de corrupção porque considerou que houve compra de votos e não mera doação eleitoral “por fora”/não contabilizada. Apesar deste panorama, o voto do Ministro Luiz Fux afasta qualquer dúvida sobre a existência de previsão legal para o crime de “caixa 2 eleitoral”. 
Nas fls. 1528 do acórdão (fls. 53143 dos autos), o Ministro afirma que a ausência de escrituração contábil de doação eleitoral é crime, já que “os candidatos são obrigados por lei a declarar à Justiça Eleitoral todas as importâncias recebidas para custear a campanha”.
Nas fls. 4504 do acórdão (fls. 56119 dos autos), o Ministro Ayres Britto afirmou que não existe caixa 2 eleitoral com dinheiro público, sendo certo que “o art. 350 do Código Eleitoral somente trabalhou com a hipótese de natureza privada de recursos financeiros, ou conversíveis em pecúnia, repassados informalmente para candidatos a cargo político-eletivo”. Delimitou-se, portanto, a origem dos recursos para fins de tipificação da conduta como caixa 2 eleitoral.
O gráfico a seguir demonstra a proporção de número de vezes, nos 19 casos analisados (15 inquéritos + 4 ações penais), em que houve imputação de “caixa 2 eleitoral” (contabilização inexata ou inexistente) ou outras condutas englobadas também no art. 350 do Código Eleitoral:
<a href="/wp-content/uploads/2017/10/caixa22.jpg"><img class="aligncenter wp-image-95634 size-full" src="/wp-content/uploads/2017/10/caixa22.jpg" alt="" width="421" height="161" /></a>
Concorda-se com o posicionamento que o artigo legal é aberto e abarca outras condutas que não apenas o "caixa dois eleitoral", mas não se pode concordar - inclusive pela análise numérica acima indicada - que isto inviabiliza a apuração do crime por inexistência de previsão legal.
Como a matéria está sendo tratada pelo Supremo Tribunal Federal? 
Os dados a seguir demonstram que o crime vem sendo apurado e denúncias foram oferecidas pela Procuradoria Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal.
Como anteriormente dito, das 15 decisões proferidas em inquérito, 53,33% (8 decisões) trata de prestação de contas inexata/falsa porque houve omissão de receitas e/ou despesas, declaração de doação inexistente e doação inexata sobre origem de doação em dinheiro e em 75% dos casos e “caixa 2 eleitoral” a denúncia foi recebida pelo Supremo Tribunal Federal.
O gráfico a seguir demonstra a solução dada às ações penais iniciadas em decorrência destes recebimentos da denúncia: em sua maioria houve declínio de competência para a Justiça Eleitoral em razão de perda, encerramento ou renúncia ao mandato:
<a href="/wp-content/uploads/2017/10/caixa23.jpg"><img class="aligncenter wp-image-95635 size-full" src="/wp-content/uploads/2017/10/caixa23.jpg" alt="" width="494" height="297" /></a>
A única absolvição encontrada foi a da Ação Penal 960, decorrente do Inquérito 3767, caso em que a denúncia de “caixa 2 eleitoral” foi recebida pelo art. 350 do Código Eleitoral, mas houve uma alteração da acusação para o crime previsto no art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica).
O mesmo gráfico demonstra que não há condenações ou ações penais em tramitação relativa ao mencionado crime. No entanto, considerando que a pesquisa englobou todas as decisões com indexação ao art. 350 do Código Eleitoral, eventual existência de ação penal com denúncia oferecida por outro crime, mas com alteração posterior de acusação, não pode ser encontrada nas buscas.
A inexistência de ações penais em tramitação tampouco afasta a necessidade de análise posterior da questão sob a ótica da Justiça Eleitoral, uma vez que o crime é previsto em legislação específica e compete ao Supremo Tribunal Federal o julgamento das infrações cometidas por pessoas com prerrogativa de foro. Ou seja, eventuais irregularidades dos candidatos não eleitos aos cargos de Senador da República e Deputado Federal são apuradas e julgadas perante a Justiça Eleitoral nas suas respectivas instâncias.
Ademais, a pesquisa pessoal perante o setor de atendimento/protocolo e distribuição do STF foi infrutífera, uma vez que não há registro – ou não nos foi fornecido – destes dados estatísticos.
Mas tais dados não significam que inexistem investigações/inquéritos em tramitação para a apuração do mencionado crime. Muito pelo contrário. <a style="color: #ff0000;" href="https://jota.info/justica/pgr-discute-alternativas-para-caixa-2-puro-na-lava-jato-25042017" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Segundo matéria jornalística publicada por este site JOTA</a>, apenas em decorrência da delação a empresa Odebrecht foram instaurados 76 inquéritos, dentre os quais “31 congressistas são suspeitos de terem praticado o caixa dois puro, ou seja, irregularidade eleitoral sem indícios de conexão com outros crimes, como a corrupção ou lavagem de dinheiro”.
Em pesquisa detalhada, encontramos 8 inquéritos instaurados contra detentores de prerrogativa de foro no STF com menção a recursos de campanha não contabilizados e  inúmeros expedientes (PET) contra não detentores de prerrogativa. No entanto, apesar destes expedientes tratarem de campanha eleitoral e sua prestação de contas, matérias atinentes à Justiça Eleitoral, apenas um único caso foi encaminhado para o Tribunal Regional Eleitoral (PET 6684), sendo todos os demais encaminhados para Justiça Federal dos respectivos estados. Tal providência diverge daquela adotada nos casos mais antigos quando da perda, renúncia ou encerramento do mandato, uma vez que sempre houve declínio para a Justiça Eleitoral do Estado em que houve a campanha/prestação de contas.
E, por fim, o acordo mencionado pela imprensa como alternativa do Ministério Público aos processos de “caixa 2 eleitoral puro”, sem relação com o crime de corrupção, encontra amparo legal, é inovador e eficaz?
O acordo mencionado pela imprensa, consistente em suspender a tramitação do processo mediante a antecipação de pena alternativa à prisão corresponde, em termos gerais, à suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei n. 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais). De acordo com a legislação, o acordo é possível para crimes com pena mínima igual ou inferior a um ano, exatamente a situação do crime de “caixa 2 eleitoral”, desde que cumpridos outros requisitos legais, tal como a inexistência de outra investigação ou condenação criminal. Conclui-se, portanto, que já existe previsão legal para o mencionado acordo.
No tocante à inovação, a resposta é necessariamente negativa, já que em pelo menos 4 casos, muito anteriores à Operação Lava Jato e à delação da empresa Odebrecht, houve oferta e aceitação da suspensão condicional do processo perante o Supremo Tribunal Federal. O acordo também foi celebrado em outro juízo em um 1 dos casos que tramitava anteriormente no STF e que houve declínio de competência por encerramento do mandato. Ou seja: 57,89% das decisões analisadas tratam do crime de “caixa 2 eleitoral” e em 45,45% destes casos houve proposta e aceitação de acordo de suspensão condicional do processo.  Trata-se de medida prevista em lei que vem sendo utilizada, há bastante tempo, pela Procuradoria Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal.
Por fim, deve-se responder positivamente quanto à eficácia do acordo de suspensão condicional do processo. Primeiro porque a lei estabelece expressamente que o acordo não é aplicável a acusado que esteja sendo processado ou tenha sido condenado por outro crime. Exige-se, portanto, a primariedade e a inexistência de outra investigação.
Ademais, de todos os casos pesquisados, todas as condições impostas foram integralmente cumpridas pelo acusado, com o consequente arquivamento dos autos. Isto significa que, durante o prazo da suspensão, o acusado não foi investigado ou processado. Trata-se, assim, de acusados com processo único. Considerando que as irregularidades nas prestações de contas e a não contabilização de receitas ou despesas também serão objeto de averiguação perante a Justiça Eleitoral, não restam dúvidas, portanto, que a suspensão condicional do processo é uma solução eficaz para a prática do crime “caixa 2 eleitoral”.

Supremo

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JOTA

Conduta é prevista como crime pela legislação brasileira?

Como o crime de caixa 2 eleitoral é tratado pelo Supremo?

Conduta é prevista como crime pela legislação brasileira?