Tatiana Araújo

Recentemente, temos acompanhado na mídia notícias de que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cade">Cade</a>) tem publicado decisões restringindo alguns aspectos de contratos de exclusividade firmados especificamente por plataformas digitais. O último caso analisado pelo órgão antitruste envolveu o iFood e o mercado online de delivery de comida.
Em denúncia formulada pela Rappi, o iFood foi acusado de praticar conduta ofensiva à ordem econômica brasileira ao se valer de sua posição dominante no mercado de pedidos online de comida para celebrar, massivamente, <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/mercado/cade-impoe-limite-a-contratos-de-exclusividade-do-ifood-com-restaurantes-08022023">contratos de exclusividade com restaurantes parceiros</a>. As alegações se fundamentaram no sentido de que tal prática seria verticalmente restritiva e contribuiria para o fechamento de mercado.
Além do iFood, o Cade já havia analisado denúncia semelhante envolvendo a Gympass e o mercado de academias de ginástica. À época, as reclamações em face da referida plataforma também giravam em torno da celebração massiva de contratos contendo cláusula de exclusividade com diversas academias, impedindo que essas se cadastrassem ou firmassem parcerias com empresas rivais. A Gympass também foi investigada pelo uso excessivo de cláusulas MFN (“Most Favoured Nation”), o que facilitaria que a empresa balizasse o preço mínimo praticado no segmento.
Ambos os casos culminaram na celebração de Termos de Compromisso de Cessação (TCC) entre as empresas e a autoridade concorrencial, visando interromper as condutas anticompetitivas e estimular a abertura de mercado. Diante deste cenário, surge a oportunidade de avaliar como o Cade tem se posicionado nestes casos e demonstrar que, se aplicadas dentro dos parâmetros de controle que vêm sendo estabelecidos pelo órgão, as cláusulas de exclusividade podem ser benéficas.
Como a própria nomenclatura já sugere, as cláusulas de exclusividade são firmadas para que compradores de um determinado bem ou serviço se comprometam a adquiri-lo exclusivamente de determinado vendedor, ficando impedidos de comercializarem para outros concorrentes. O inverso também ocorre: quando vendedores firmam compromisso de somente venderem determinado bem ou serviço para um comprador específico.
Essa cláusula foi pensada para evitar a ocorrência do denominado “efeito carona” (free riding), isto é, quando um agente econômico acaba usufruindo de certo benefício, mas sem que tenha contribuído para sua obtenção. Neste sentido, a cláusula de exclusividade serve para garantir que quando determinado player injete investimentos em outro agente, ele obtenha um retorno econômico favorável.
Além de permitir a aplicação de incentivos no mercado, tornando-o mais competitivo, a exclusividade possibilita uma redução nos custos de transação. Entretanto, se utilizada sem restrições, ela é capaz de (i) provocar o fechamento de mercado, (ii) aumentar as barreiras de entrada, (iii) elevar os custos de atuação de rivais e (iv) facilitar a coordenação de cartéis.
Apesar de em uma primeira análise os efeitos do uso da exclusividade parecerem apenas negativos, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/fronteiras-concorrencia-regulacao/cade-principais-tendencias-e-perspectivas-para-2023-29012023">o Cade vem conseguindo estabelecer alguns parâmetros</a> para que a cláusula seja utilizada de maneira equilibrada e em benéfico do mercado.
Alguns dos principais parâmetros são:
<ul>
<li>Agentes com posição econômica dominante no mercado devem evitar celebrar contratos de exclusividade de maneira ampla e irrestrita, sem uma racionalidade econômica evidente e justificável.</li>
<li>A exclusividade deve ser firmada por prazo determinado e razoável, de modo que quando cessarem seus efeitos e não for a vontade das partes renová-la, as empresas fiquem livres para firmar parcerias com agentes rivais.</li>
<li>A não imposição de multa rescisória caso a parte pretenda romper com o contrato de exclusividade.</li>
<li>Evitar a celebração de cláusulas MFN atreladas à exclusividade.</li>
<li>A não imposição das denominadas cláusulas de “quarentena” nos contratos de exclusividade.</li>
</ul>
Resumidamente, o órgão de defesa econômica pretende evitar um comportamento que vem se tornando comum nos casos das marketplaces: a “captura” de agentes econômicos através de contratos de exclusividade independentemente de contrapartida. Como já dito anteriormente, a exclusividade só tem o condão de estimular a economia quando ela é capaz de trazer incentivos ao mercado. Logo, a não aplicação de investimentos faz com que ela perca a sua finalidade precípua, além de prejudicar a concorrência e, por conseguinte, o consumidor.
É interessante destacar que no caso do IFood, o Cade também tomou o cuidado de limitar a celebração de contratos de exclusividade entre a marketplace de pedidos online de comida e players estratégicos que representam parcela considerável do mercado de restaurantes. A finalidade dessa medida é, sobretudo, permitir que haja espaço de mercado para empresas rivais competirem.
Já a limitação temporal à cláusula é importante para que concorrentes possam competir por uma parcela de mercado, até então “indisponível”, em intervalos razoáveis de tempo. Além disso, possibilita que os fornecedores ou prestadores de serviço, que se encontrarem na outra ponta da relação, possam obter contratos com condições mais vantajosas, uma vez que a competitividade pode gerar um incremento de benefícios.
No que concerne à prática de impor multas rescisórias aos contratos de exclusividade, a preocupação do Cade parece estar relacionada aos switching costs, isto é, aos gastos que determinada empresa teria de despender caso eventualmente queira romper com o contrato de exclusividade, a fim de firmar uma parceria com uma rival de mercado da marketplace. Como observado pela autoridade durante a análise da representação contra a Gympass, é provável que a plataforma concorrente tenha que fazer uma proposta bastante atrativa para compensar as perdas provenientes do rompimento contratual.
Por outro lado, as cláusulas MFN geralmente são benignas, tendo em vista que também gozam do poder de reduzirem custos de transação e evitam que as empresas celebrem negócios com preços instáveis. Por meio dessas cláusulas, os compradores são beneficiados com condições comerciais tão favoráveis quanto às oferecidas a outros compradores no mercado (às vezes até melhores). Todavia, elas devem ser utilizadas com cautela, sobretudo quando se tratar de empresas que detêm grande poder de mercado. No caso do iFood e da Gympass, nota-se que ambas possuem a “vantagem do pioneiro” (foram as primeiras empresas no Brasil a explorarem suas atividades), logo é inevitável concluir que gozam de certa dominância, o que pode levar a um efeito negativo da cláusula MFN, que é o controle dos preços de mercado por agentes econômicos específicos.
Por fim, a autoridade concorrencial buscou afastar as comumente chamadas de cláusulas de “quarentena”, que têm por objetivo impedir as empresas de contratarem outras plataformas após o encerramento do compromisso de exclusividade. Essa é uma regra importante, pois, diferentemente do que ocorre em contratos de franquia, por exemplo, onde a cláusula de quarentena se justifica para proteger o know-how de determinada companhia, quando aplicadas sob a ótica da exclusividade, podem operar como um elemento de restrição e facilitar a criação de barreiras no mercado.
Depois dessa longa exposição, chega-se à conclusão de que o Cade tem desempenhado um papel crucial na criação de mecanismos que impedem que a exclusividade se torne maléfica à economia. Destaca-se que o referido Conselho tem sido cauteloso em suas decisões, corrigindo comportamentos excessivos e evitando a abolição completa desses contratos. É um assunto complexo que demanda a análise das particularidades de cada caso, sem perder de vista aquilo que realmente pode vir a ser benéfico para o consumidor final.
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BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. NOTA TÉCNICA Nº 14/2021/GAB-SG/SG/CADE. Representantes: Total Pass Participações Ltda (“Total Pass”) e Ynegócios Soluções Tecnológicas Ltda. (“Yoooup”). Representados: GPBR Participações Ltda (“Gympass”). Procedimento Preparatório nº 08700.004136/2020-65. 17 de dezembro de 2021. Disponível em:&lt;https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcSAlNG3BEuxBuDxuaTl21JtluCsnT1rW6o6w8bRweD-x&gt;.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. NOTA TÉCNICA Nº 4/2021/CGAA1/SGA1/SG/CADE. Representantes: Rappi Brasil Intermediação de Negócios Ltda. e Associação Brasileira de Bares e Restaurantes – ABRASEL. Representada: Ifood.com Agência de Restaurantes Online S. A. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO Nº 08700.004588/2020-47. 10 de março de 2021. Disponível em: &lt; https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcaPonKpemYl591TZDVz41cKkeMG3znSccU-isTZDv-qj&gt;.
Cade celebra acordo com iFood em investigação de exclusividade no mercado de marketplaces de delivery on-line de comida. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Publicado em 08 de fevereiro de 2023. Disponível em:&lt; https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/cade-celebra-acordo-com-ifood-em-investigacao-de-exclusividade-no-mercado-de-marketplaces-de-delivery-on-line-de-comida&gt;.
Gympass celebra acordo com o Cade no mercado de academias de ginásticas no Brasil. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Publicado em 21 de setembro de 2022. Disponível em:&lt; https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/gympass-celebra-acordo-com-o-cade-no-mercado-de-academias-de-ginasticas-no-brasil&gt;.

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Uma análise de decisões recentes do órgão em casos envolvendo 'marketplaces'

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