Jalusa Silva de Arruda

Tayanne Galeno

Pedro Mendes

As narrativas sobre meninas no sistema socioeducativo geralmente se baseiam na ideia de que, por representarem um número inferior ao dos meninos, são invisibilizadas e pouco consideradas. Essa afirmação, contudo, não dá conta de englobar os problemas enfrentados por elas na privação de liberdade. A verdade é que o sistema socioeducativo e a justiça juvenil enxergam essas meninas — principalmente as negras, indígenas e periféricas — pelo viés da privação e de violações de direitos da punição, por terem rompido com um papel social de gênero destinado a elas. 
Tanto o sistema socioeducativo quanto a justiça juvenil tendem a não considerar suas especificidades, o que se agrava quando se tratam de gestantes ou mães.
Em 20 de fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>), em cumprimento a disposições constitucionais, do Marco Legal da Primeira Infância, do Código de Processo Penal e de diplomas internacionais de direitos humanos, concedeu a ordem no âmbito do Habeas Corpus (HC) Coletivo 143.641 para que todas as mulheres em prisão provisória, mães de crianças de até 12 anos ou de crianças com deficiência tivessem a pena substituída para prisão domiciliar. 
A pedido do Instituto Alana na condição de amicus curiae, a decisão foi estendida às adolescentes no sistema socioeducativo em situação análoga, isto é, meninas em internação provisória. Cinco anos após a decisão, dados coletados pelo Instituto Alana, por meio do Projeto Justiça Juvenil, apontam que a garantia de direitos de adolescentes mães e gestantes selecionadas pelas malhas do sistema de justiça juvenil ainda não é uma realidade.
A pesquisa recém-lançada e disponível no site do Alana, Adolescência, maternidade e privação de liberdade: dados sobre mães e gestantes no sistema socioeducativo entre 2018 e 2021, aponta que a ordem concedida pelo STF não é efetiva, com a aplicação sendo restritiva para essas meninas. Os dados revelam que, entre 2019 e 2021, 508 meninas gestantes ou mães passaram pelo sistema socioeducativo, e apenas 115 (cerca de 22%) foram beneficiadas pelo HC 143.641. Os estados do Ceará, São Paulo e o Distrito Federal concentram 60 (52%) das beneficiadas pelo HC nesse período.
Os dados obtidos junto aos gestores responsáveis pelo sistema socioeducativo em todo o país mostram que meninas gestantes e mães continuam encarceradas, inclusive, em estabelecimentos concentrados nas regiões metropolitanas ou nas capitais, dificultando a manutenção da proximidade com seu contexto familiar e comunitário. Os resultados indicam que a justificativa principal dos juízes para que a ordem do HC não seja aplicada é a gravidade do ato infracional.
Ainda que o STF tenha entendido que o HC é aplicado de forma análoga para adolescentes e jovens, a doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse cobram que a interpretação de quaisquer demandas relacionadas à infância e juventude não sejam restritivas. Isto é, considerando que o Estatuto da Criança e do Adolescente (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ECA">ECA</a>) não estabelece correlação direta entre a gravidade do ato infracional e determinada medida socioeducativa, não é possível restringir a liberdade de meninas, mães e gestantes somente   em razão da gravidade do ato infracional. 
Persistir nas condicionantes que restringem a liberdade de meninas, principalmente mães e gestantes, significa, sobretudo, insistir na manutenção de modos de punição de adolescentes — principalmente negras e pobres. O ciclo, que se inicia pela privação de direitos, seguido pela violência policial e pela privação de liberdade, não pode ser rompido enquanto a doutrina da proteção integral não for encarada de forma crítica, enfrentando questões de gênero, raça e classe social.
Ao não aplicar o melhor interesse como princípio norteador, a justiça da infância e da juventude contribui com a manutenção da punição de jovens e da violação de seus direitos, ao invés de garantir direitos pautados pela doutrina da proteção integral. 
O principal objetivo da pesquisa Adolescência, maternidade e privação de liberdade é  ajudar na construção de um novo imaginário sobre essas meninas, buscando orientar o sistema de justiça e seus atores para a superação de paradigmas punitivistas. 
Se, por um lado, encontramos entraves à proteção integral e à garantia de direitos, movimentos sociais, atores específicos do sistema de justiça e parte da academia se movimentam no sentido contrário. Em bom exemplo, a incidência política promovida pela Coalizão pela Socioeducação, junto de outras organizações da sociedade civil e movimentos sociais, trouxe à pauta a Resolução nº 233/2022 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que prevê uma concepção de sistema socioeducativo que dê visibilidade e enfrente questões de gênero, e que, finalmente, foi publicada em integralidade. 
Assim, a pesquisa busca somar com esses movimentos com um objetivo em comum: garantir a liberdade de meninas, principalmente de mães e gestantes. Romper com as grades impostas pelo sistema socioeducativo não é uma tarefa fácil: a invisibilização, os poucos ou a  inexistência de dados e, sobretudo, os lastros do menorismo, fundamentalmente racista e sexista, ainda tão marcantes no sistema de justiça juvenil, precisam dar lugar a uma outra concepção sobre a própria justiça da infância e juventude. A vida e a liberdade deles e delas importam!

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JOTA

Dados do Projeto Justiça Juvenil apontam que a garantia de direitos de adolescentes mães e gestantes ainda não é uma realidade

Como garantir direitos de adolescentes mães e gestantes no sistema socioeducativo?

Dados do Projeto Justiça Juvenil apontam que a garantia de direitos de adolescentes mães e gestantes ainda não é uma realidade.