Marcus Vinicius Dias

As instituições estatais antitruste, e as legislações sobre as quais elas se apoiam, visam à preservação do ambiente econômico em um mercado saudável. Assim como a Igreja se ressente com o pecado, mas ama ao pecador, o Direito Concorrencial se preocupa com a concorrência, mas não se ocupa dos concorrentes.
Consolidada no mundo ocidental há mais de um século, as medidas antitruste, em que pesem terem surgido no papel há quase 100 anos no Brasil, só se materializaram e deixaram o etéreo a partir da estabilidade monetária conquistada por meio do Plano Real. Antes disso, era para inglês ver. Após isso, evoluiu de modo expressivo e hoje se traduz, de modo legal, na nova Lei Antitruste de 2011, que completa sua primeira década.
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Casos controversos não foram poucos nestes anos e o aparato estatal de preservação do ambiente concorrencial sano amadureceu. Pela natureza de seu objeto, bem como pela enorme influência da experiência norte-americana no tema, as decisões do Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) se assemelham muito mais ao Common Law, anglo-saxão, em que decisões de casos concretos anteriores são utilizados como elementos para sentenças no presente, do que ao Direito Romano, em que a letra codificada da lei é o balizador maior da decisão.
Dentro da tradição americana, duas grandes escolas de pensamento antitruste se destacaram e formaram a cabeça dos decisores e legisladores em matéria concorrencial: a de Harvard, dita estruturalista; e a de Chicago, nomeada como da eficiência.
Os pensadores de Boston defendem um mercado pulverizado, com poucas barreiras para novos entrantes, como forma de gerar menores preços ao consumidor final em virtude de uma maior concorrência. Para isso, advogam que a atuação na estrutura do mercado, a fim de se evitar uma maior concentração de poder em poucos grupos econômicos, é não só válida, mas necessária.
Já para o time de Chicago, uma intervenção estatal neste mercado pode inibir a eficiência e punir quem por meio da meritocracia conquistou uma posição dominante aos olhos da sociedade. Para estes pensadores, esta eficiência, em última instância, proporcionou aos consumidores uma melhor experiência no serviço contratado ou no produto adquirido, com melhor custo-benefício, aos olhos de quem paga.
Mas na área da saúde? Haveria alguma vantagem social de uma escola em detrimento da outra? A pulverização dos serviços, sem ganho de escala e com acesso livre aos novos entrantes, seria o suficiente para garantir o melhor serviço ao usuário? Estaria o pensamento estrutural concorrencial acima, inclusive, da maior eficiência assistencial possível? Por outro lado, seria o mercado capaz de se autorregular no setor da saúde de modo que os grandes conglomerados, formados por meio de aquisições e fusões ao longo do tempo, proporcionando ganho de escala, sejam de fato a melhor alternativa ao consumidor?
Talvez, no ponto central da parábola aristotélica, tenhamos, como de costume, a melhor alternativa para o Direito Concorrencial neste setor. Uma demasiada pulverização pode não prover o desejável ganho de escala que é benéfico para o aperfeiçoamento de certos serviços de alta complexidade. Por outro lado, um gigante da saúde pode limitar de modo indefectível novos entrantes, restringindo, de modo deletério, a necessária carga de inovação que tão bem faz a este setor em particular.
Neste sentido, para além das amarras teóricas que uma ou outra escola possa gerar, em se tratando de Direito Concorrencial na área da saúde, o raciocínio clínico de um médico pode ser uma interessante alternativa, tratando cada caso de modo particular, com uma terapêutica personalizada, desprovida de conceitos prévios limitantes, de modo a ir ao encontro da dose adequada e ótima para que se obtenha o melhor efeito positivo, aliado a um menor risco de efeito adverso possível.
E que a virtude alcançada pelo meio termo das doses destes dois remédios consagrados pela literatura antitruste seja capaz de evitar que se puna os eficientes, protegendo os incompetentes, mas também não permita que o direito sagrado da livre iniciativa seja ilicitamente usado por quem usou de mecanismos anticoncorrenciais para ocupar o maior destaque do mercado.

saúde

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JOTA

Raciocínio clínico pode ser interessante alternativa ao Direito Concorrencial, tratando cada caso de modo particular

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Raciocínio clínico pode ser interessante alternativa ao Direito Concorrencial, tratando cada caso de modo particular com a Lei Antitruste