Graziella Ferreira Alves

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”, dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor de Direito do Trabalho e coordenador trabalhista da Editora Mizuno, dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pergunte-ao-professor">#pergunte ao professor</a>.
Neste episódio de nº 101 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► Como fica a identificação do estabelecimento de lotação para fins de incidência das normas coletivas no teletrabalho?
Resposta ► Com a palavra, a professora Graziella Ferreira Alves.
A<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14442.htm"> Lei 14.442/22</a> introduziu uma nova expressão jurídica aplicável ao teletrabalho ao prever, no novel §7º do artigo 75-B da Consolidação das Leis do Trabalho (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/clt">CLT</a>), que a incidência de normas de negociação coletiva será da base territorial do estabelecimento de lotação do empregado. Não trouxe, contudo, definição jurídica sobre qual seria tal localidade.
Neste cenário, teria o legislador deixado brechas para que o empregador pudesse alocar os empregados em base territorial de negociação coletiva mais vantajosa à empresa? E se a empresa contar com vários estabelecimentos espalhados país afora, poderá escolher livremente qual deles será destinado à contratação de teletrabalhadores?
Com efeito, nos termos do artigo 75-B da CLT, o teletrabalho foi equiparado ao trabalho remoto, quando os serviços são prestados fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, sendo viabilizado através do uso de instrumentos de telecomunicação.
Sendo o teletrabalho desenvolvido no território nacional, a legislação não se preocupou em regulamentar minuciosamente sobre o local da contratação, não havendo norma impositiva ao empregador nesse sentido, podendo a empresa decidir o local de estabelecimento para lotação do empregado, o que não ocorre quando o trabalho é presencial.
Se a empresa determina lugar específico para a execução da atividade laborativa fora do domicílio do empregado, não haverá incidência do §7º do artigo 75-B da CLT, pois a incidência de instrumentos coletivos será aquela do local da prestação dos serviços em razão do Princípio da Territorialidade.
Já quando se trata de regime de trabalho presencial, a CLT apenas se preocupou em definir a competência territorial para fins de ajuizamento da reclamatória trabalhista, tendo optado pela regra da competência fixada no local da execução do contrato, salvo exceções apontadas no artigo 651 da CLT. Por isso, o empregado pode ser contratado em qualquer local, independentemente do regime (presencial ou remoto).
Portanto, para fins de fixação do local do enquadramento sindical e aplicabilidade de instrumentos de negociação coletiva, prevalecem os Princípios da Territorialidade e da Unicidade Sindical (art. 611 da CLT e art. 8º, II, da CR/88), observada a atividade preponderante do empregador.
Nessa esteira, os empregados em regime presencial (ou telepresencial com eventual serviço presencial, tal como ocorre no modelo híbrido), terão a incidência das normas coletivas vigentes na localidade da prestação dos serviços, independentemente de outras variáveis, como o local da contratação ou local da sede da empresa.
Dessarte, a despeito de o § 1º do artigo 75-B ter a expressa previsão de que o comparecimento, ainda que habitual, do empregado nas dependências do empregador ou em local por ele direcionado (comparecimento no estabelecimento do cliente, por exemplo) não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto, defende-se, neste estudo, que o §7º do artigo 75-B não se aplica a esses casos.
Vale dizer: se há comparecimento habitual do empregado em local direcionado pelo empregador, deve prevalecer o Princípio da Territorialidade para fins de enquadramento sindical e incidência de normas coletivas do local de execução das atividades presenciais, independentemente do local do contrato ou da sede da empresa.
Já para os empregados em regime de teletrabalho exclusivo, essa definição se torna mais complexa, pois a Lei 14.442/22 inovou ao mencionar a locução lotação do empregado, sem, contudo, conceituá-la. Historicamente, o conceito de lotação do empregado sempre se traduziu ao local da prestação dos serviços em regime presencial, conforme reiterada jurisprudência trabalhista:
<blockquote class="jota-article__citation">ENQUADRAMENTO SINDICAL. PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE. Para o enquadramento sindical, deve ser considerado o local da prestação de serviços, com base nos princípios da territorialidade e da unicidade sindical (art. 8º, II, da CR). (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011050-98.2021.5.03.0027 (ROT); Disponibilização: 14/12/2022; Órgão Julgador: Segunda Turma; Relator: Convocada Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim).</blockquote>
Entrementes, com o fenômeno do teletrabalho, há necessidade de se aprofundar acerca da definição do local da prestação dos serviços entregues remotamente, quando não há trabalho presencial nesse regime de contratação.
Não seria crível defender que o local de lotação no teletrabalho deveria ser a localidade da residência do empregado ou do cliente/consumidor, o que inviabilizaria o instituto do teletrabalho por conta das regras de enquadramento sindical que, pelo Princípio da Territorialidade, fariam com que o empregador contasse com inúmeros enquadramentos sindicais em sua base corporativa. Tal corrente não contou com acolhida legislativa e foi expressamente afastada pelo §7º do artigo 75-B da CLT.
Certo é que a Lei 14.442/22 buscou evitar múltiplos enquadramentos sindicais para o mesmo tomador, todavia não esclareceu se “estabelecimento de lotação do empregado” refere-se: (i) ao local onde fora firmado contrato; (ii) ao local da sede da empresa para a qual o teletrabalhador esteja subordinado; (iii) ao local onde os serviços são aproveitados pelo cliente/consumidor; ou, ainda, (v) ao local onde se desenvolve a atividade produtiva da empregadora.
É fato que, por ser extremamente recente a previsão legislativa, não há construção doutrinária e jurisprudencial firme sobre o tema, sendo defensável quaisquer locais indicados nos itens (i) a (iv) acima.
Por outro lado, quando se aplicam os princípios do Direito do Trabalho, em especial o da Primazia da Realidade Sobre a Forma, emergem situações que se sobressaem em detrimento de outras. Sob a ótica de tal princípio, seria mais frágil a defesa da tese de que a lotação do empregado seria o local do contrato ou da sede da empresa, se em tais localidades não houver desenvolvimento de atividade produtiva da empregadora.
Pelo princípio da primazia, a lotação do empregado em teletrabalho deve ser entendida como o local onde se aproveita a mão-de-obra do trabalhador, ou seja, onde se desenvolve, majoritariamente, a atividade produtiva para a qual contribui o empregado, sendo conveniente que, nesse local, se identifique:
<ol>
<li>o complexo de bens organizado para o exercício da atividade produtiva<a href="#_ftn1" name="_ftnref2">[1]</a>, constituindo universalidade de fato, nos termos do artigo 90 do Código Civil (contemplando a existência de toda a infraestrutura física necessária ao negócio);</li>
<li>a efetiva produção de bens ou prestação de serviços em favor da empregadora com a existência de outros empregados/prestadores que fariam parte da mesma estrutura produtiva (mesmo que a atividade seja direcionada a terceiros em outras localidades, como clientes ou consumidores);</li>
<li>a realizações de reuniões e atividades presenciais, ainda que o empregado esteja remotamente e participe das reuniões virtualmente;</li>
<li>a viabilidade de desmembramento dessa unidade produtiva, em caso de recuperação judicial, nos termos dos artigos 60 e 60-A da Lei 11.101/05.<a href="#_ftn2" name="_ftnref3">[2]</a></li>
</ol>
Logo, é desejável que o local de lotação do empregado seja a unidade produtiva da empresa que ele se reporte, sendo conveniente que tenha estrutura física e lotação de outros empregados que lá componham um time de trabalho.
Neste estudo, será adotado como conceito de unidade produtiva o local onde se exerce atividade operacional da empresa, ou seja, local onde se reúnam as circunstâncias descritas nos itens “a” a “d” acima, para a produção ou venda de bens e/ou serviços destinados a terceiros.
Imagine-se o seguinte cenário: uma empresa tem sede no município “A”; tem estabelecimentos em cidades de outros estados da federação; tem atividade produtiva nas localidades “B” e “C”; e decide que o estabelecimento de lotação dos teletrabalhadores será na cidade “D” (onde só possui domicílio fiscal para fins tributários), pois nessa região a CCT vigente lhe é mais benéfica.
Defende-se, neste estudo, que direcionar o estabelecimento da cidade “D” para local de lotação do empregado ofende o Princípio da Primazia da Realidade sobre a Forma, atraindo incidência do artigo 9º da CLT e gerando passivo trabalhista a essa empregadora, que poderá ser condenada a ter reenquadramento sindical pela base territorial para as localidades “B” ou “C”.
Por isso que o conceito de local de registro/contrato não se equivale, obrigatoriamente, ao local de lotação do empregado, já que o primeiro se refere à localidade em que formalmente se vinculou o contrato de trabalho, ao passo que o segundo se refere ao local onde se desenvolve a atividade produtiva da empresa que toma os serviços, conforme ilustração exemplificativa acima.
Por todo o exposto, já que a legislação não estabelece o local de registro obrigatório de um empregado, recomenda-se às empresas que: (i) o registre no local da prestação dos serviços, se em regime presencial ou híbrido; ou (ii) se em regime de teletrabalho exclusivo, que o registre no local de estabelecimento da empresa que possua o complexo de bens e estrutura material e imaterial para o desenvolvimento da atividade produtiva e para o qual se subordina o empregado (aplicação analógica dos artigos 651 da CLT c/c 90 do CC c/c 1.142 do CC c/c 60 e 60-A da Lei 11.101/05).
Nos casos em que a empregadora tenha unidade produtiva ou CNPJ no domicílio do empregado, mas o trabalhador se subordine à outra unidade produtiva de localidade diversa, recomenda-se que o contrato de trabalho seja firmado com a unidade produtiva para a qual se subordina (que será o local de lotação do empregado), mesmo que distinto do local de domicílio, sendo importante que a empresa tenha provas documentais e testemunhais da unidade para a qual se subordina o empregado.
Para o caso em que a empregadora não possua nenhuma das características apontadas anteriormente, ou seja, não possua complexo de bens destinados a atividade econômica (universalidade de fato), e, outrossim, não possua uma unidade presencial em que se efetivem operações e desenvolva sua atividade produtiva de modo exclusivamente virtual, o local de lotação do empregado deverá ser aquele de domicílio da empresa, podendo ser utilizados os critérios tributários definidos no art. 3º da Lei Complementar 116/2003<a href="#_ftn3" name="_ftnref4">[3]</a>.
De resto, importa registrar que, ante a novidade do tema, ainda sem firme construção doutrinária e jurisprudencial, é possível a defesa de que o estabelecimento de lotação do empregado seja simplesmente o local designado no contrato de trabalho. Entretanto, o presente estudo entende que essa conclusão é simplista e divorciada do princípio da primazia da realidade, que direciona o local de lotação do empregado para o município onde se encontra a unidade efetivamente produtiva da empresa que recebe os serviços do teletrabalhador.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn2">[1]</a> Mesmo que o art. 1.142 do Código Civil, com as alterações promovidas pelas Leis 14.195/21 e 14.382/22, estabeleça que o conceito de estabelecimento não se confunde com o local onde se exerce a atividade empresarial, que poderá ser físico ou virtual, reputa-se conveniente que, para fins trabalhistas, haja identidade nesses eventos, ou seja, que o local onde se exerce a atividade empresarial seja o mesmo onde está alocado o complexo de bens utilizados para o exercício da atividade.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn3">[2]</a> Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.
Art. 60-A. A unidade produtiva isolada de que trata o art. 60 desta Lei poderá abranger bens, direitos ou ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluídas participações dos sócios.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn4">[3]</a> Art. 3º. O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local: [omissis].

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JOTA

Defesa de que este seja o local designado no contrato é possível, mas conclusão é simplista

Como fica o estabelecimento de lotação nas normas coletivas do teletrabalho?

Defesa de que o estabelecimento de lotação seja o local designado no contrato de trabalho é possível, mas conclusão é simplista