Gustavo Justino de Oliveira

Ana Carolina Hohmann

O déficit na ampliação da infraestrutura nacional tem se revelado um dos maiores gargalos do desenvolvimento do Brasil, o que decorre, em certa medida, do baixo grau de investimento estrangeiro direto (isto é, investimento duradouro que não se limita ao investimento de capital especulativo).  Nesse contexto, o enfrentamento da questão referente a “por que não temos investimento estrangeiro em infraestrutura pública no Brasil?” mostra-se essencial para a mudança de rumo do País em direção ao desenvolvimento e à retomada do crescimento econômico.
Recentemente, o País sofreu o terceiro rebaixamento em seu grau de investimento. A queda de sua nota segundo a avaliação da agência de risco Moody’s no final de fevereiro, após já o terem feito as agências Standard &amp; Poor’s e Fitch, acende um sinal de alerta para os investidores estrangeiros no Brasil.
Segundo informe divulgado pela Moody’s, a constatação e as expectativas negativas quanto à posição de “bom pagador” do país no cenário global se justificam pela “intensidade do choque para a economia brasileira, a falta de progresso do governo em alcançar seus objetivos de reformas fiscais e econômicas e a expectativa de que a atual dinâmica política seja mantida até 2018".
Apesar de, hodiernamente, se pensar que o impacto da nota negativa se limita ao valor dos papéis negociados nas bolsas de valores, esta  também induz efeitos deletérios no denominado “investimento estrangeiro direto” – o investimento que é alocado em projetos de longa duração no país, tendo como uma de suas características a perenidade –, ao somar à insegurança decorrente da baixa densidade normativa em matéria de investimento estrangeiro a fraqueza da economia.
As estatísticas divulgadas pelo Banco Central (BC) em 25.08.2015 já mostravam uma significativa retração de 33% na entrada do Investimento Estrangeiro Direto no País de janeiro a julho daquele ano, em comparação com o mesmo período do ano de 2014. Em números exatos, o montante de recurso aplicado por investidores não residentes no País recuou de US$ 55,424 bilhões para US$ 36,926 na comparação entre um ano e outro.
Isso é sobretudo preocupante dada a importância e a necessidade  dos investimentos estrangeiros diretos para o país (isto é, investimento duradouro que não se limita ao investimento de capital especulativo)  – em especial de investimentos voltados à implementação e ampliação de infraestruturas. Isso porque o investimento estrangeiro direto tende a criar externalidades positivas diversas, como a criação de postos de trabalhos, majoração da arrecadação tributária e desenvolvimento do entorno da região onde se encontra alocado.
O investimento em infraestrutura realizado nos últimos trinta anos se deu na contramão do crescimento do país e do de sua população, de modo que hoje o que se observa é a falta de estruturas e, quando existentes, muitas vezes, já se encontram obsoletas ou danificadas devido à falta de manutenção adequada, mostrando-se incapazes de sustentarem o crescimento do país.
Não se pretende trazer à baila o debate quanto ao motivo do baixo investimento em infraestrutura pelo Estado nos últimos anos. É fato que o investimento em infraestrutura consome recursos vultuosos e seu retorno não é aparente no curto prazo, o que pode motivar a negligência de governos em relação a estes, preferindo alocar verbas orçamentárias em programas cuja visibilidade perante os administrados é imediata.
Entretanto, essa espécie de investimento impacta diretamente na qualidade de vida da população. Exemplificando, a disponibilidade de uma rede de saneamento básico e de água tratada está diretamente associada às melhores condições de saúde de uma comunidade. Bons serviços de energia elétrica, mobilidade urbana e redes de telecomunicações, por sua vez, permitem aos cidadãos melhor usufruírem de suas liberdades.
Em paralelo, o crescimento econômico se encontra fortemente vinculado à existência de uma rede de infraestrutura adequada. Ao diminuir os custos de transação advindos de dificuldades logísticas e de falhas no fornecimento de energia elétrica, por exemplo, dentre outros fatores, as empresas privadas se tornam mais competitivas no mercado interno e externo. Elas passam a poder fornecer produtos por valores mais baixos – o que é benéfico ao consumidor. Ainda, a disponibilidade de mobilidade urbana adequada facilita o acesso da mão de obra às empresas – nesse esteio, é possível que estas empresas tenham disponíveis maior contingente de mão de obra melhor qualificada, o que é benéfico à atividade produtiva. Ademais, a disponibilidade de infraestruturas torna uma dada localidade mais atrativa ao empresariado. A atividade empresária, por sua vez, cria empregos e movimenta a economia local.
Em que pese os investimentos em infraestrutura estarem fortemente vinculados à atuação estatal, sua execução costuma ser realizada pela iniciativa privada, por meio de contratos de concessão e de parcerias público-privadas, uma vez que não raro o Estado carece dos recursos necessários para tal – sejam eles de ordem financeira ou relacionados à expertise técnica necessária para a condução de um projeto. Ao atribui-lo a um ente privado, o ente estatal tem a possibilidade de escolher o sujeito mais apto a realizar a atividade em questão – seja ele nacional ou estrangeiro.
Sob a perspectiva do parceiro privado, em se tratando de investimentos cujo período de maturação e o hiato até a efetiva lucratividade do projeto são longos, é necessário que seja provida segurança ao investidor, que, em geral, advém da regulamentação vigente, compreendida em sentido amplo – consista esta na legislação formal ou em dispositivos presentes num contrato, tratado, acordo ou diretrizes de ordem global, que deverão incidir na hipótese de conflito.
Observando e analisando a normatividade incidente sobre o investimento estrangeiro no cenário mundial, extrai-se a existência de uma disciplina específica – o direito do investimento estrangeiro –, a regulamentar as relações jurídicas existentes entre Estados-hospedeiros e investidores, na vigência ou não de um tratado bilateral de investimento. Sua base é essencialmente principiológica e informa tanto futuros acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos - APPRIs, pautando a atuação de seus diversos agentes, como também serve de referência aos tribunais arbitrais na solução dos casos que lhe são apresentados, e devem pautar a atuação de investidores e Estados receptores de investimentos. O reconhecimento e a compreensão dessa normatividade conferem segurança jurídica aos investidores, criando um ambiente mais receptivo ao ingresso de investimentos.
O tratamento (ou não tratamento) dado pelo estado brasileiro à disciplina do investimento estrangeiro, entretanto, se mostra ainda muito distante dessa regulamentação de caráter global. Não só a legislação brasileira é quase silente em matéria de investimento estrangeiro direto (a Lei federal nº 4.131/62 trata do tema, porém de modo bastante superficial) –, como também o país se esquiva, em geral, da participação em acordos de promoção e proteção de investimentos (são exceção meia dúzia de acordos recentemente firmados com países africanos e latino-americanos, porém cujo conteúdo é questionável) e se recusa a aderir aos mecanismos alternativos ao poder judiciário para a resolução das possíveis controvérsias advindas do investimento, como a Convenção de Washington de 1965 (Convenção para Resolução de Disputas sobre Investimentos entre Estados e nacionais de outros Estados), que instituiu o Centro Internacional para a Solução de Disputas sobre Investimentos.
A ausência de uma normatividade consistente em matéria de investimento estrangeiro, associada à atual instabilidade econômica e política, é fator repelente do investimento e deletéria aos interesses nacionais.
No que toca ao investimento em infraestrutura, a atração de atores estrangeiros tem grande importância, pois, à medida que amplia a competitividade no processo licitatório, permite à Administração Pública escolher melhores projetos e/ou dispender uma menor quantia de recursos públicos em seu financiamento e, muitas vezes, resulta em acesso a novas tecnologias não conhecidas pelas empresas nacionais. Ademais, no cenário atual, em que as maiores empreiteiras nacionais estão envolvidas em escândalos de corrupção e sendo objeto de investigações (e dentre as penalidades possíveis está a proibição de contratar com o poder público), a criação de um ambiente convidativo à participação de empresas estrangeiras em projetos de infraestrutura se mostra ainda mais relevante.
Pensando em ampliar as possibilidades de realização de investimentos em infraestrutura no Brasil, tornando o cenário nacional mais convidativo ao investidor estrangeiro, ao conformar um ambiente dotado de maior segurança jurídica, propõe-se aqui o reconhecimento e a adoção do direito do investimento estrangeiro pelo país, compreendido como espécie de direito global.
Note-se que não se pretende o afastamento da legislação pátria ou a concessão de tratamento privilegiado ao investidor estrangeiro em relação ao investidor nacional ou em detrimento do Estado, mas sim fazer incidir o direito especial adequado ao caso concreto, especialmente na ausência de legislação doméstica versando sobre o assunto.
Paralelamente, a ideia de se conceder maior segurança ao investimento estrangeiro, com vistas a estimular o seu ingresso, não pretende tornar o país um terreno cujos portões estão abertos a todo e qualquer investimento, independente de suas pretensões. É importante o país associar o ingresso destes à promoção do desenvolvimento nacional, ao respeito aos direitos humanos, à responsabilidade social corporativa e à preservação do meio ambiente, buscando recepcionar investimento estrangeiro de qualidade.
Possivelmente, a adesão brasileira à Convenção de Washington de 1965, anuindo à submissão de conflitos em matéria de investimento estrangeiro ao Centro Internacional para a Solução de Disputas sobre Investimentos (ICSID), representaria também uma maior segurança aos investimentos estrangeiros situados em território nacional – em especial, por se tratar de um foro altamente especializado na matéria, além de possibilitar o apaziguamento de conflitos pela via arbitral, a qual, muitas vezes se mostra mais célere do que a judicial. Além disso, a decisão é proferida por um tribunal não vinculado a nenhuma das partes envolvidas e mediante procedimentos cuja operacionalização já é, previamente, conhecida pelas partes. Entretanto, observando-se a atitude nacional em relação ao tema que tem prevalecido nos últimos anos, esse parece ser um caminho bastante improvável, apesar de inexistirem óbices na legislação nacional à eventual adesão.
Em verdade, é premente uma postura mais ativa do estado brasileiro no espaço internacional, participando dos debates em torno da criação de regulamentações globais e se engajando na formatação de acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos, esforçando-se para moldá-los de modo a se mostrarem consoantes aos interesses nacionais.
Por fim, é válido ressaltar que o alinhamento do país à normatividade global em matéria de investimento é positiva também para os investidores brasileiros em território estrangeiro, uma vez que o Brasil vem ocupando com destaque crescente a posição de exportador de investimentos. Note-se que grande parte dos investimentos realizados por companhias brasileiras no exterior se dá em países africanos e latino-americanos, muitas vezes menos estáveis politicamente ou democráticos, o que pode representar um maior risco ao investimento, especialmente no que se refere a expropriações.
É, portanto, de interesse nacional a proteção recíproca de investimentos.
E, no presente momento de crise, a criação de um ambiente favorável ao investimento estrangeiro, a partir de uma regulamentação mais sólida, pode ter grande importância para a retomada do crescimento, em especial a partir da realização de investimentos em infraestrutura.
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JOTA

Tratamento dado pelo estado brasileiro à disciplina do investimento estrangeiro se mostra ainda muito distante da regulamentação de caráter global

Como estimular investimentos em infraestrutura no Brasil neste cenário de incertezas?

Tratamento dado pelo estado brasileiro à disciplina do investimento estrangeiro se mostra ainda muito distante da regulamentação de caráter global