Melissa Pulice da Costa Mendes

Empresas privadas podem doar quantias monetárias diretamente ao município? Sim, podem. A prática não é ilícita. Não se olvida que o processo da doação, tanto para a empresa privada como para o setor público, deva respeitar os princípios básicos de transparência e integridade, pois vivemos a era da Lei de Acesso à Informação (Lei Federal nº 12.527/2011), da Lei Anticorrupção (Lei Federal nº 12.846/2013), da operação Lava Jato (2014-2020) e da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Federal nº 13.709/2018).
Por esta razão, inúmeros municípios optam por permitir genericamente a doação privada em suas Leis Orgânicas; ou por publicar carta de intenção de recebimento de doação ou, simplesmente, por disciplinar o passo-a-passo em decreto, regulamentando lei que prevê isenção de impostos ao doador.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Mas a provocação deste artigo é pensar no duplo benefício ao município e à empresa privada doadora com a seguinte hipótese: o município não teria redução de arrecadação porque não concederia isenção de tributos para recepcionar a doação e a empresa teria a quantia doada deduzida de seu Imposto de Renda Pessoa Jurídica.
<blockquote class="jota-article__eye">De que forma? Desde que a doação fosse feita, por exemplo, à uma Organização da Sociedade Civil longa manus do Poder Público Municipal via chamamento público.</blockquote>
Explica-se.
A condição primeira de lisura consiste em lançamento de edital de chamamento público para busca de interessados a doar qualquer quantia para determinada atividade pública de custeio (aqui, trabalharemos com o exemplo de ampliação do hospital municipal para construção de ala Covid-19).
A empresa privada interessada deve aderir ao chamamento, cumprir as etapas classificatórias e efetuar a doação regularmente, de preferência, mediante depósito da quantia em conta identificada da OSC que é responsável por administrar o Hospital Municipal via contrato de gestão.
Realizado o depósito, cabe à empresa transpor alguns percalços jurídicos envolvendo os arts. 377, II, “c” e o 379, ambos do Regulamento do Imposto de Renda – RIR (Decreto Federal nº 9.580/18), que preconizam:
Subseção XXVII
Das contribuições e das doações
Art. 377. São vedadas as deduções decorrentes de doações e contribuições, exceto as relacionadas a seguir (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, caput, inciso VI, e § 2º, incisos II e III):
(...)
II - as doações, até o limite de dois por cento do lucro operacional da pessoa jurídica, antes de computada a sua dedução, efetuadas a entidades civis, legalmente constituídas no país, sem fins lucrativos, que prestem serviços gratuitos em benefício de empregados da pessoa jurídica doadora e de seus dependentes, ou em benefício da comunidade onde atuem, observadas as seguintes regras:
(...)
c) a entidade beneficiária deverá ser organização da sociedade civil, conforme disposto na Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, desde que cumpridos os requisitos previstos nos art. 3º e art. 16 da Lei nº 9.790, de 1999, independentemente de certificação (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, § 2º, inciso III, alínea “c”).
Art. 379. A dedutibilidade das doações a que se referem o inciso II do caput do art. 377 e o art. 378 fica condicionada a que a entidade beneficiária tenha a sua condição de utilidade pública ou de Oscip renovada anualmente pelo órgão competente da União, por meio de ato formal (Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, art. 60, caput). 
Pela leitura literal dos normativos é possível compreender que a doação feita por empresa privada a OSC somente poderá ser deduzida do IRPJ subsequente se dita OSC for reconhecida anualmente pela União Federal como de utilidade pública.
Ocorre que o Ministério da Justiça lavrou Comunicado em 15 de abril de 2016 declarando a extinção do título de Utilidade Pública Federal (UPF) para Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e o RIR não foi alterado para excluir a UPF como condição de dedução.
Assim surge o primeiro obstáculo jurídico, qual seja, interpretar harmoniosamente os dispositivos à luz do Comunicado e da própria Lei Federal nº 13.019/2014 (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil) que sequer exige certificação para a atividade e funcionamento das OSCs.
Logo, forçoso concluir que o art. 379 do RIR afronta diretamente aos atos emanados pela própria União (Comunicado e MROSC) ao exigir que as OSCs tenham sua condição de utilidade pública reconhecida como requisito essencial para a dedutibilidade de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica doadora.
Ato contínuo, impera reconhecer que a legitimidade do depósito à OSC decorre exclusivamente do contrato de gestão que tenha celebrado com o município para, enquanto prestadora de serviços públicos, estar apta a receber doações em seu nome.
Recomenda a boa prática, inclusive, que essa permissão esteja prevista em seu estatuto ou contrato social. Mais, que em razão do contrato de gestão possa a OSC ser entendida como longa manus do Poder Público Direto e, via de regra, o cofre municipal arrecadatório seja único, isto é, haja encontro de contas no contrato de gestão para que abater dos pagamentos mensais e trimestrais as doações recebidas e identificadas.
Se de fato a empresa almejará a dedução do Imposto de Renda caberá à Receita Federal analisar no tempo a contento. Todavia, a possibilidade e a viabilidade jurídicas em tese ressaltam que, em tempos de crise prolongada e generalizada como os que vivemos atualmente, a sociedade civil organizada pode contribuir em prol de uma melhora comum, cabendo à advocacia pública municipal, dentro dos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, encontrar soluções jurídico-legais como a presente no intuito de viabilizar doações privadas incentivadas.
Seguindo as palavras de Ruy Barbosa “(...) não corro da responsabilidade senão quando a minha consciência a repele<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>” é preciso que o Poder Público e a iniciativa privada exerçam seu melhor papel, superando conflitos entre cidadãos e Estado, respeitando e garantindo o cumprimento dos princípios constitucionais basilares (art. 37, “caput”, CF/1988) para, consequentemente, contribuírem para a evolução da sociedade, mas se, e somente se houver proatividade, ousadia e ética em suas atuações.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Obras completas. v. 40, p. 4. Ministério da Educação e Saúde: 1942, p. 21-22.

Fotos produzidas pelo Senado

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JOTA

Município não teria redução de arrecadação porque não concederia isenção de tributos para recepcionar doação

Como doação de empresa privada ao setor público permite dedução de IRPJ?

Município não teria redução de arrecadação porque não concederia isenção de tributos para recepcionar doação