Ricardo Capucio

Reduza os gastos, renegocie dívidas, substitua produtos, compre apenas o necessário. Talvez esses sejam os conselhos que mais escutamos nos últimos tempos (assim mesmo, no imperativo). Em época de crise, qualquer ação que possa trazer algum alívio para o bolso é, de fato, bem-vinda e mudanças de comportamento são importantes. Porém, como é de conhecimento geral, as ações individuais não são suficientes - pelo menos no curto prazo - para eliminar o atual endividamento das famílias ou diminuir as altíssimas taxas de inadimplência, grandes transtornos do momento econômico.  
Na tentativa de amenizar esses problemas e gerar mais fôlego financeiro, o Governo Federal vem anunciando medidas que iniciam uma espécie de reestruturação no modelo de crédito praticado no Brasil. Várias alterações foram ventiladas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), entre elas a extinção do parcelamento sem juros de compras realizadas no cartão de crédito e a diminuição significativa no prazo de pagamento a lojistas pelas empresas de cartões. Essas mudanças geraram certo alvoroço na imprensa, tendo em vista o forte impacto que causariam no mercado (sobretudo em algumas fintechs). Mas como elas ainda estão no plano das ideias, vamos àquelas que vingaram, caso da Resolução 4.549, que dispõe sobre o crédito rotativo, e entra em vigor no próximo 3 de abril. 
De acordo com as novas regras, os bancos estarão proibidos de deixarem o consumidor por mais de 30 dias no crédito rotativo. Além disso não podem mais cobrar as antigas taxas dessa linha, que chegavam a inacreditáveis 500% ao ano. A partir de abril, se o consumidor não pagar a dívida do cartão de crédito no prazo de 30 dias, ou pagar apenas o mínimo exigido (15% do valor da fatura), o banco terá que oferecer melhores condições ao cliente, incluindo mais prazo e juros menores.
Cumprindo a norma, os principais bancos do país já começaram a explicar aos seus clientes como farão para parcelar a dívida do rotativo. Cada um deles criou uma maneira de parcelamento. O Banco do Brasil reduziu as taxas para 9,38% ao mês. Caso o cliente não pague a dívida, o parcelamento será feito automaticamente em 24 meses. O Bradesco extinguiu a taxa do rotativo. Quando o cliente pagar o mínimo da fatura, automaticamente a dívida será parcelada em 12 vezes com juros que variam de 3,60% a 9% ao mês. O Itaú reduziu os juros do rotativo para 9,9% mensais e também oferecerá parcelamento automático em 12 meses para quem não quitar a fatura com juros que variam de 0,99% a 8,9% ao mês. Já o Santander oferecerá aos clientes parcelamento do débito entre 4 e 18 vezes com juros máximos de 9,9% mensais. A Caixa Econômica ainda não anunciou suas regras para o crédito rotativo.
[formulario_fulllist]
Em relação às pessoas endividadas, a medida pode representar uma economia de quase 12%, segundo levantamento realizado pelo jornal O Globo. A comparação refere-se à diferença entre os juros pagos ao rolar um débito por três meses (a média mensal dos juros no crédito rotativo é de 15,33%) e um financiamento no crédito parcelado (média de 8% ao mês), modalidade adotada por quem atrasar a fatura por mais de um mês. 
De modo geral, a diminuição dos juros ou a limitação de sua cobrança é uma medida positiva e que poderá gerar benefícios aos usuários e a todo o sistema. No entanto, é importante frisar que as novas regras não foram promulgadas como uma benesse das grandes instituições financeiras em favor dos consumidores, muito menos como uma espécie de “pacote de bondades”.
Na prática, boa parte dos consumidores que entravam no ciclo vicioso do crédito rotativo acabavam por desistir de quitar a dívida, uma vez que os valores tornavam-se impagáveis. Essa situação costumava levar a dois cenários: de um lado temos os que acabavam pagando a dívida diretamente ou por meio de empréstimos; e do outro os que trilhavam o caminho da inadimplência. Nesse grupo, parte dos usuários acabavam judicializando a questão e dilatando em alguns anos a possibilidade de pagamento (gerando efeitos colaterais indesejados como a sobrecarga do judiciário). Aqueles que não têm condições ou bens para quitar o débito, recebiam a orientação de que os efeitos da dívida passariam após decurso temporal. E boa parte, após algumas tentativas de acerto parcial das faturas, mesmo sem orientação legal, ficavam inadimplentes alimentando indústria da cobrança.
A Resolução 4.549 apenas tornou mais coerente algumas das opções que o mercado acabava tendo que enfrentar, mas sem uma regulação direta. Tornou a regra mais clara, em especial para as classes com menor acesso à informação, determinando um fim rápido e objetivo ao crédito tomado e que, de certa forma, beneficia a todos os envolvidos: consumidores - que passam a ter opções claras e oferecidas logo após o início do problema;  instituições financeiras - que diminuem a especulação sobre o ciclo da dívida e permite um controle próximo das operações;  e governo - que acredita imprimir maior proteção ao mercado, implementar diminuição das taxas e assim impulsionar um crescimento do bolo ao longo prazo. Todavia, apenas o tempo dirá qual grupo logrará mais benefícios.
Um problema que me salta aos olhos é que o novo financiamento ainda custará caro para o consumidor. Por outro lado, essa situação poderá forçar os usuários a buscarem outras alternativas de crédito, o que favoreceria novos players desse segmento. Seguindo essa linha de raciocínio, as empresas de tecnologia financeira (fintechs) poderão, por exemplo, atender determinados nichos com taxas mais atrativas e até mesmo usando formas criativas que permitam a quitação desses passivos. Não será incomum vermos novas modalidades como o peer to peer ou o credit biding aproveitando as mudanças no crédito rotativo para tentarem inovar e trazer mais possibilidades aos usuários, o que é extremamente bem-vindo. Vamos acompanhar de perto estas iniciativas e tentar trazer aqui alguns cases relacionados a essas mudanças.
Depósitos compulsórios
Outra medida que também está concretizada é a simplificação das regras dos depósitos compulsórios dos bancos  (parcela do dinheiro depositado por clientes que os bancos são obrigados a recolher junto ao Banco Central, retirando assim esses recursos de circulação). Mas o que isso tem a ver com o nosso bolso? Segundo o BC, as mudanças visam diminuir a burocracia e os custos para as instituições financeiras, o que vai permitir a redução dos juros cobrados aos clientes.
As principais mudanças envolvem a unificação de períodos de cálculo de movimentação dos recolhimentos sobre os recursos a prazo, de poupança e exigibilidade adicional; a substituição de deduções dos compulsórios sobre recursos à prazo e à vista por valor de referência; e a migração da alíquota da exigibilidade adicional sobre recursos a prazo.
Acredito que as novas regras dos depósitos compulsórios são apenas a ponta do iceberg de uma profunda reestruturação que o mercado deverá passar nos próximos anos. Isso porque, com a velocidade atual das inovações tecnológicas no mercado financeiro, as instituições que conseguirem se mexer mais rápido terão possibilidades de sair ganhando nesse novo cenário global e digital.
Portanto, mudar as regras do compulsório é um bom começo. Permite uma maior flexibilidade às instituições financeiras e, consequentemente, melhores condições de monetização dos recursos depositados: mais dinheiro disponível para aplicar como quiser vai gerar mais rentabilidade e, em tese, as instituições teriam mais margem para diminuir o risco e as taxas cobradas. 
Reforço que qualquer medida estrutural no sistema de crédito brasileiro deve ser vista e estudada com bastante cautela. A princípio essas mudanças são importantes para modernizar os mecanismos de crédito e garantir a solidez do sistema. Resta saber se os ganhos serão repassados ao consumidor final gerando vantagens a toda cadeia e à sociedade e não apenas aumentando o spread das instituições financeiras. Para fazer um contraponto podemos usar o exemplo das refinarias que, por determinada medida, conseguem uma margem maior em sua operação e repassam tais diminuições às distribuidoras que, na grande maioria das vezes, não transfere para o consumidor final. É por essas e outras que as medidas no crédito devem ser analisadas e acompanhadas com bastante atenção. Elas precisam chegar à ponta para gerar ganhos à sociedade. Afinal, não precisamos continuar alimentando os ganhos recordes de indústrias trilionárias que não se abalam nem com a mais forte das crises.

credit-card-1583534_1280

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

 A princípio mudanças são importantes para modernizar mecanismos de crédito

Como as novas medidas do CMN vão impactar o seu bolso

A princípio mudanças são importantes para modernizar mecanismos de crédito