Etienne Jacintho

Quando decidiram reinventar um dos maiores clássicos dos Irmãos Coen na tevê, não havia como esperar nada que não fosse genial como os roteiros das três temporadas de “Fargo”. Afinal, os Irmãos Coen vêm desenvolvendo com maestria esse tipo de comédia dos erros – com licença, sir William Shakespeare – desde 1994, quando lançaram “Na Roda da Fortuna”. Logo depois, em 1997, veio o longa-metragem “Fargo” e Ethan e Joel mostraram a todos os cinéfilos a marca registrada deles: o humor negro. Nos dois filmes, uma situação absurda coloca um “idiota” como pivô numa série de acontecimentos que deixam para trás uma trilha de sangue. E essa é a premissa das três temporadas da série “Fargo”, que, a exemplo do filme, conta com vilões sociopatas e/ou psicopatas e um mocinho ou mocinha da lei que beira a ingenuidade. 
Assim como no filme, as três temporadas de “Fargo” trazem a paisagem gelada de Minnesota, estado norte-americano que faz fronteira com o Canadá e tem invernos rigorosos. O cenário na série é sempre branco, repleto de neve. Na terceira temporada, a sensação do frio é transmitida ao telespectador por meio de um filtro que deixa tudo mais acinzentado e destaca apenas algumas cores. Tudo é pensado para deixar o público desolado com o clima e com a tediosa vida de alguns dos personagens. Os diálogos entre os mocinhos ou os “idiotas” são, por vezes, maçantes. Porém, as falas são sempre geniais em suas intenções. Nas obras dos Irmãos Coen, nenhuma linha é escrita em vão. Assim como os dizeres da abertura. Também a exemplo do longa-metragem, os episódios da série começam afirmando que tudo é baseado em fatos reais, mas trata-se de uma brincadeira, uma desconstrução.
[caption id="attachment_115637" align="aligncenter" width="1024"]<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2018/02/fargo1.jpg"><img class="wp-image-115637 size-large" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2018/02/fargo1-1024x576.jpg" alt="" width="1024" height="576" /></a> Divulgação[/caption]
A terceira temporada
Não há como falar das três temporadas de “Fargo” sem que seja uma por vez. Afinal, todas são imperdíveis. Então, vou começar pela última delas, a dos britânicos, que rendeu o Globo de Ouro a Ewan McGregor e tem o melhor vilão de todas as temporadas, interpretado por David Thewlis (“Assédio”, “Harry Potter”, “Liga da Justiça”) também indicado ao prêmio. McGregor (“Star Wars”, “Trainspotting”, “Moulin Rouge”) vive dois personagens, os irmãos Emmit e Ray Stussy. Na partilha de uma herança, Emmit se deu bem, fez fortuna com uma coleção de selos e é dono de uma imobiliária. Já Ray só gasta dinheiro com sua parte da herança: um carro velho. Agente de condicional, Ray passa seus dias cheirando a urina, já que recolhe testes antidrogas de condenados.
Emmit leva uma vida bem ordinária e estável. É casado há 25 anos, cuida bem de seu negócio e é um cidadão exemplar. Só que seu mundo começa a virar de cabeça para baixo quando pega dinheiro emprestado de uma empresa que parecia idônea, mas serve de fachada para negócios ilícitos de uma turma bem da pesada. Já Ray, apesar de ferrado na vida, também não chega a ser um cara mau. Porém, os problemas começam a surgir quando ele arruma uma namorada encrenqueira. Nikki Swango (Mary Elizabeth Winstead) é uma condenada que está sob os cuidados de Ray. Juntos, eles bolam um plano para roubar o selo da sorte de Emmit. No entanto, o plano dá bem errado e quem se dá mal é o padastro de uma policial que nada tem a ver com os irmãos. Claro que a tal policial, Glória, não iria deixar de investigar o caso e, aos poucos, vai juntando as peças do quebra-cabeça. 
Por outro lado, Emmit também se mete em uma enrascada ao pegar um empréstimo de uma empresa obscura. Na hora de pagar, ele descobre que foi enganado e está preso numa situação que oferece um risco danado para sua vida e de todos à sua volta. O vilão da vez, V.M. Varga (Thewlis), um psicopata bulímico que comete automutilação, simplesmente assume o controle financeiro da empresa de Emmit e passa a usá-la para lavar dinheiro. Aos poucos, as atitudes aparentemente inocentes dos dois irmãos acabam se convertendo em ações cheias de sangue, muito sangue. Essa é a temporada mais sangrenta de “Fargo”, mas também a mais espiritual – mesmo que tudo seja uma grande piada. Nesta temporada, os irmãos Coen trazem de volta um personagem lá da primeira temporada, para ajudar Nikki em uma missão de vingança. 
A segunda temporada
<a name="_GoBack"></a> Aqui, “Fargo” volta no tempo, lá nos anos 1960, para contar a tal matança de Sioux Falls, acontecimento sempre mencionado na primeira temporada da série. A série começa mostrando um casal jovem, normal e aparentemente feliz. Porém, é o fim dos anos 1960 e o feminismo está a todo vapor. Peggy Blumquist, interpretada por Kirsten Dunst (“As Virgens Suicidas”, “On the Road”, “Homem-Aranha”) é uma dona de casa que quer investir numa carreira profissional antes de ter filhos. Já seu marido, o açougueiro Ed Blumquist (“Other People”, “The Post”, “Breaking Bad”) quer uma vida pacata, com seu negócio próprio, sua mulher e um monte de filhos. Todos os planos vão por água abaixo quando Peggy atropela um homem por acidente e, sem querer envolve seu marido em um assassinato. Aqui, a referência ao longa-metragem “Fargo” é inevitável e quem viu o filme já pode imaginar como o açougueiro se livrou do corpo do homem que sua mulher atropelou. 
O problema é que o morto é membro de uma família criminosa, que está vendo seu império ruir por conta da invalidez de seu patriarca, afetado por um derrame. Os Gerhardts estão sendo atacados pela máfia de Kansas City, que mandou o matador Mike Milligan (Bokeem Woodbine) e seu “supervisor” Joe Bulo (Brad Garrett) para resolver a questão. A guerra entre gângsteres gera um assassinato atrás do outro seja entre as famílias rivais ou entre os próprios Gerhardts.
Para elucidar os crimes, o policial Lou Solverson (Patrick Wilson, de “Watchmen” e “Correndo com Tesouras”) é destacado. Ele trabalha com seu sogro, o xerife Hank Larsson (Ted Danson, de “Damages”, “CSI” e “The Good Place”). Juntos, eles começam a desvendar a trama e tentam proteger os Blumquist da ira da família Gerhardt. 
A primeira temporada
A temporada de estreia lembra outro filme dos Irmãos Coen, “Onde os fracos não têm vez”, por causa de seu vilão. Billy Bob Thorton vive Lorne Malvo, um matador frio, daqueles de causar arrepio só com um olhar. Em sua passagem por Bemidji, uma cidadezinha de Minnesota, Malvo causa um verdadeiro banho de sangue após um encontro casual num hospital. Ao sentar-se ao lado de Lester Nygaard (o “hobbit” Martin Freeman) no pronto-socorro, ele se considera contratado para um serviço. Mal sabia o pacatão Lester que sua vida mudaria radicalmente depois de um diálogo quase sem palavras. 
Bemidji é, então, sacudida com a morte de um colega de infância de Lester, dono de uma transportadora e metido com a máfia de Kansas City, e ainda é palco de outras duas mortes sangrentas: o assassinato da mulher de Lester e do chefe da polícia local. Aparentemente, as mortes não estão relacionadas, mas a detetive Molly Solverson (Allison Tolman) – filha de Lou Solverson, o protagonista lá na segunda temporada – desconfia de Lester. Com a ajuda de Gus Grimly (Colin Hanks) um policial de uma cidade vizinha, ela começa a seguir pistas sobre o matador Lorne Malvo e chega cada vez mais perto da verdade.

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JOTA

Inspirada no clássico dos Irmãos Coen, Fargo traz ótimos roteiros, atuações e vilões de matar e morrer de medo

Comédia dos erros

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