Fernanda Christina de Souza Rosa

Em 03 de outubro de 2014 a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo realizou, por iniciativa do então Corregedor Geral, Desembargador Hamilton Elliot Akel, consulta pública que teve como tema o polêmico condomínio de lotes. Diversos órgãos de classe, desembargadores e juízes foram convidados a apresentarem seus entendimentos acerca do assunto.
Essa iniciativa pretendeu analisar as alterações promovidas pelo Provimento CG 37/2013 que, entre outros temas, introduziu os subitens 222.2, 229 e 293, todos no Capítulo XX das referidas normas, que regravam o condomínio de lotes.
Na referida consulta pública, os juízes auxiliares da Corregedoria elaboraram parecer[1] em que opinaram pela supressão do regramento administrativo do condomínio de lotes.
Em 14 de outubro de 2015, o Corregedor, Des. Elliot Akel, deixou de aprovar ou desaprovar o parecer, uma vez que, entendeu, seriam convenientes novos estudos sobre o assunto, e deferiu a decisão acerca da consulta pública a seu sucessor. Em 11 de novembro, o Corregedor, Des. Carlos Gonçalves Xavier de Aquino, determinou o arquivamento da consulta, sob o fundamento de que a solução deveria se dar caso a caso em processo de dúvida registrária.
Novidades surgiram após a posse do novo Corregedor, Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, que, em 13 de janeiro de 2016, pelo Provimento CG 02/2016, publicado em 18, 20 e 22 de janeiro de 2016, acolheu o parecer dos juízes assessores da Corregedoria e determinou a exclusão dos itens 222.2 e 229 e deu nova redação ao item 293, todos do Capítulo XX das Normas de Serviço.
O fundamento, conforme constou do parecer, é de que a exclusão está em conformidade com a legislação, que não contempla a figura do condomínio de lotes. Também vai ao encontro da finalidade das Normas de Serviço, que visam disciplinar os serviços cartorários e explicitar o teor da legislação, e não de positivar direito novo.
O tema não é, de maneira alguma, novo, e já suscitou diversas discussões, decisões judiciais e administrativas e artigos doutrinários. A matéria é controvertida. O registro de condomínios de lotes é costumeiramente realizado por determinadas serventias imobiliárias, enquanto que, em outras localidades, não é admitido e, por vezes, é tratado como burla à lei de parcelamento de solo. O chamado condomínio de lotes é, muitas vezes, de maneira híbrida, confundido com os conceitos de loteamentos fechados e condomínios deitados.
Em breve síntese, loteamentos fechados são aqueles implementados com fundamento na lei de loteamentos (Lei Federal 6.766/1979), nos quais há o parcelamento da gleba em lotes destinados à edificação, com abertura, prolongamento, modificação ou ampliação de vias de circulação. Há incorporação das vias de circulação ao patrimônio público, segregação de áreas com destinação especial e aprovação por diversos órgãos além do município (entre os quais o GRAPROHAB, quando o caso). A figura dos loteamentos fechados decorre da lei de loteamentos: apesar de não haver previsão expressa na lei federal, e de existir alguma controvérsia quanto à constitucionalidade de seu fechamento (vias de circulação e praças, com o registro do loteamento, tornam-se bem de uso comum do povo), o fechamento tem sido admitido com apoio em legislação municipal, com a utilização das áreas de domínio público pela associação dos proprietários dos lotes por meio do instituto administrativo da concessão ou da permissão de uso, de modo a possibilitar o controle de acesso ao interior do empreendimento.
Por sua vez, condomínios deitados são regrados pelo art. 8º da lei de incorporações (Lei Federal 4.591/1964). Ao lado do condomínio vertical, o condomínio deitado prevê a construção de casas térreas ou assobradadas, sempre com a vinculação da fração ideal do terreno à construção, e mediante a especificação das áreas privativas e comuns. As vias de acesso que se encontram no interior do empreendimento integram as áreas comuns e são de utilização de todos os condôminos, e apenas deles.
A figura do condomínio de lotes desvincula o terreno da efetiva construção, ao mesmo tempo em que mantém como privadas as áreas de circulação. A pretensão, nesses empreendimentos, é manter a sujeição à lei de incorporações, e não à lei de loteamentos, o que acaba por ser conveniente do ponto de vista do empreendedor à luz dos requisitos e procedimentos que decorrem da lei de loteamentos, uma vez que o aproveitamento da área nas incorporações é melhor. Acaba por criar um terceiro gênero, a meio termo da lei de loteamentos e da lei de incorporações, que, a rigor, não encontra guarida na legislação em vigor.
Não há, na legislação federal em vigor, previsão expressa acerca do condomínio de lotes. A viabilização de empreendimentos com as características mistas que se costuma aplicar ao condomínio de lotesprecisa levar em consideração, além do embasamento legal necessário para o respectivo registro, critérios urbanísticos com vistas ao adequado planejamento presente e futuros das cidades, a necessidade e utilidade das áreas verdes à população e a viabilidade financeira dos empreendedores, que, não se pode negar, contribuem para o desenvolvimento e para a construção de moradias.
Aqueles que defendem a legalidade do condomínio de lotes fundamentam-se no art. 8º da lei de incorporações e na suposta vigência e interpretação do art. 3º do Decreto-lei 271/1967[2]. Nesse sentido, manifestaram-se na consulta pública o Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, o Instituto do Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, a Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo-Anoreg/SP, a Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – ARISP e o Secovi-SP, entre outros.
Em suas manifestações, argumentam ser possível a desvinculação da edificação das unidades autônomas do regime condominial, uma vez que, nesse caso, as obras de infraestrutura seriam equiparadas à construção da edificação. Nessa hipótese, a unidade autônoma seria o “lote”, e a construção dispensaria alteração nos respectivos quadros de áreas, uma vez que estes seriam feitos com base na área de terreno. O regramento das construções constaria da convenção condominial.
Por sua vez, o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU e os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, Vicente de Abreu Amadei e Francisco Eduardo Loureiro, além do juiz Claudio Luiz Bueno de Godoy apresentaram suas manifestações para, resumidamente, concluir pela impossibilidade jurídica de registro de condomínios de lotes e pela inadequação do tratamento dado ao tema pelas Normas de Serviço, diante da inexistência de legislação federal.
Os fundamentos que embasaram as referidas manifestações passam pela revogação do art. 3º do Decreto-lei 271/1967, que não teria sido recepcionado pela lei de loteamentos, e pela argumentação de que, ainda que assim não fosse, o referido artigo nunca foi regulamentado, como previsto em seu parágrafo único. Ao argumento de que o condomínio de lotes foi referendado pela Medida Provisória nº 656/2014[3], respondem com o fato de que a Lei Federal 13.097/2015[4], que converteu a medida provisória, exclui a referência ao condomínio de lotes então feito pela medida provisória.
Parecer de referência foi proferido no processo CG 001536/96 de Campos do Jordão, pelo Des. Loureiro, em que discorreu didaticamente sobre a diferenciação do loteamento fechado e do condomínio deitado, e sobre a impossibilidade de dissociação entre a construção e sua vinculação ao terreno e a lei de incorporações e condomínios. Dentre outros fatores, chamou a atenção para os problemas urbanísticos, para a necessidade de controle dos requisitos urbanísticos dos loteamentos (consideravelmente mais rigorosos que aqueles verificados na implantação de incorporação imobiliária) e para a necessidade de anuência da totalidade dos condôminos para que se altere a edificação, sob pena de desvirtuar a especificação de condomínio.
Ouvidos os interessados no assunto, o parecer dos juízes assessores, aprovado pelo Des. Corregedor, reconheceu a falta de regramento do condomínio de lotes pela legislação em vigor, o que, aliado ao fato de que as Normas de Serviço têm a função de tão somente explicitar o teor da legislação, jamais indo além do que ela prevê[5], acarretou a exclusão dos itens das referidas normas regravam os chamados condomínio de lotes.
&nbsp;
Para maiores esclarecimentos a respeito do assunto, estamos à disposição.
-------------------------------- 
[1] Parecer CGJ 104/2015-E, datado de 07 de abril de 2015.
[2] Art 3º Aplica-se aos loteamentos a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4591.htm">Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964</a>, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da edificação.
<ul>
<li>1º O Poder Executivo, dentro de 180 dias regulamentará êste decreto-lei, especialmente quanto à aplicação da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4591.htm">Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964</a>, aos loteamentos, fazendo inclusive as necessárias adaptações.</li>
<li>2º O loteamento poderá ser dividido em etapas discriminadas, a critério do loteador, cada uma das quais constituirá um condomínio que poderá ser dissolvido quando da aceitação do loteamento pela Prefeitura.</li>
</ul>
[3] Art. 11.  A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio de lotes de terreno urbano, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
[4] Art. 55.  A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da <a href="http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/L8078.htm">Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990</a>.
[5] Folhas 311 dos autos do Processo 2014/00141294 – TJSP.

condomin

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Não há, na legislação federal em vigor, previsão expressa acerca do condomínio de lotes.

Condomínio de lotes e o novo entendimento do TJSP

Não há, na legislação federal em vigor, previsão expressa acerca do condomínio de lotes.