Giuliana Bonanno Schunck

Mariana Fernandes Conrado

A Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG, na sigla em inglês) <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8327.htm">está em vigor no Brasil</a> há praticamente um ano<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, mas pouco tem se falado sobre sua efetiva aplicação pelos Tribunais. Com a adesão do Brasil à Convenção, esta passa a ser lei aplicável para contratos de venda internacional de mercadorias entre as partes comerciais que estejam estabelecidas em diferentes países. Como consequência dessa adesão, as partes contratantes não terão mais que disputar sobre a lei aplicável para solucionar eventuais controvérsias, aumentando a segurança jurídica das negociações e contratações assumidas. Apenas na hipótese de as partes expressamente excluírem a aplicação da Convenção é que ela não regerá a relação entre as partes.
Assumindo seu caráter internacionalista, vemos que um dos grandes desafios da aplicação da CISG é a manutenção de sua uniformidade e, ao mesmo tempo, a preservação de seu caráter internacional. Mas como garantir a uniformidade da CISG e sua correta aplicação pelos Tribunais pátrios?
Para tanto, é necessário que nossos juízes, ao se depararem com causas que devam ser regidas pela CISG, não se acanhem diante da nova legislação e pesquisem sobre sua aplicação e interpretação, tendo em vista que a CISG já é aplicada no direito internacional há muito tempo.
Apesar de seu caráter unificador do comércio internacional, importante mencionar que a CISG não traz nenhuma disposição sobre capacidade e validade do contrato. Ou seja, essas questões continuarão a ser regidas de acordo com o direito interno da nacionalidade de cada uma das partes contratantes.
Ainda, embora a Convenção trate sobre a compra e venda internacional de mercadorias, referida transação deverá ocorrer necessariamente entre duas partes que estejam localizadas em diferentes países signatários da convenção. O texto da Convenção prioriza o local de negócios das partes, sem se preocupar com a formalidade de onde a empresa está sediada formalmente.
Além disso, fica expressamente afastada a aplicação da Convenção às relações que envolvam o direito do consumidor.
O intérprete, no caso o juiz brasileiro (e também tribunais arbitrais), deve levar em conta que os termos adotados pela CISG são considerados termos abertos (ou conceitos indeterminados); exatamente visando permitir a interpretação desses conceitos e a criação da chamada “jurisprudência internacional”.
Assim, para que se atinja o objetivo criado pela Convenção – qual seja, a uniformidade no comércio internacional – será necessário observar como todos os outros países signatários têm entendido e interpretado os termos da Convenção.
Na comunidade internacional, as compilações de textos e julgados envolvendo a CISG podem ser encontrados no website da <a href="http://www.uncitral.org">UNCITRAL</a> e, no Brasil, as compilações vêm sendo encabeçadas pelo website <a href="http://www.cisg-brasil.net/">CISG-BRASIL</a>.
Apesar de a Convenção ter sido formalmente recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro, o Brasil ainda caminha timidamente para o reconhecimento de institutos supranacionais. Entretanto, já há o que ser comemorado com a ratificação da Convenção que possibilitará que juízes locais apliquem a regulamentação que terá força de lei nacional.
Reside aí um aspecto complicado, ao menos no início da aplicação da CISG internamente. Afinal, bem se sabe que o Judiciário brasileiro tende a interpretar instrumentos criados no âmbito internacional tendo como base conceitos e interpretações dadas aos institutos nacionais.
Portanto, para que o Brasil não "faça feio" na aplicação e interpretação da CISG, é dever de todos os operadores do direito – e, talvez, em especial, do Judiciário, já que os tribunais arbitrais estão mais acostumados com a aplicação de leis estrangeiras seguindo os conceitos supranacionais – interpretar e aplicar a CISG considerando a jurisprudência internacional sobre o assunto, dado o compromisso assumido pelo país internacionalmente.
O Judiciário brasileiro não deve "tropicalizar" as disposições da CISG, interpretando-as como se fossem conceitos locais ou de acordo com o nosso Direito. É essencial que se tenha essa consciência para que se alcance o real objetivo da recepção da nova legislação, qual seja, fazer com que uma lei internacional seja aplicada aqui no Brasil, nos mesmos moldes que nos tribunais estrangeiros.
O Brasil deverá, com isso, colaborar ativamente nos esforços globais de uniformização das regras do Comércio Internacional da Compra e Venda de Mercadorias. E esperamos ter muito êxito nessa empreitada.
____________________
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Promulgada pelo Decreto nº 8.327, de 16 de outubro de 2014.

carga1

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Tribunais ainda resistem para aplicar a CISG

A venda internacional de mercadorias e o Brasil

Tribunais ainda resistem para aplicar a CISG