Renato de Mello Jorge Silveira

Os movimentos políticos verificados após o impedimento da ex-Presidente da República foram de variada ordem. Os mais curiosos, vivificaram teorias da conspiração de toda a ordem. Outros, mais contidos, passaram a criticar posicionamentos alegadamente de caráter oscilante por parte do novo Governo. Talvez, no entanto, maior destaque e cuidado deva ser dado a alguns movimentos no campo jurídico. Esse sim, motivo de preocupação.
É bem verdade que setores críticos deste quase novo regime, acusam o Poder Judiciário de parcial, para não se dizer quase associado à derrubada da anterior governante. Não é esse, contudo, o objeto a ser aqui tratado. Maiores preocupações são postas em uma certa perversão de conteúdos tão caros ao Direito, e, em especial, ao Direito Penal: as noções fundamentais de presunção de inocência.
Verifiquem-se, pois, três distintas frentes, que se confundem sob as lentes da Lava Jato. Desde logo, que aqui se lance o aviso que não se pretende – por ora – fazer qualquer comentário à mencionada Operação em si. O que se fará, em verdade, são considerações sobre uma nova perigosa óptica do Judiciário quanto determinados pontos penais.
A primeira análise deve ser feita na primeira instância. Logo, que se diga sobre a interceptação das chamadas conduções coercitivas. Já se tornou até lugar-comum objetar-se o entendimento da Vara de Curitiba, (em relação aos julgamentos derivados da Operação Lava Jato) sobre o que vem a ser uma condução coercitiva. Esta como se sabe, sob a luz do bom Direito, somente deveria ser justificada quando da ausência ou esquiva daquele chamado judicialmente a algo declarar. Entretanto, sob a alegação de otimização do processo, tem-se feito leitura de que seria justificável, desde logo, a condução coercitiva desse indivíduo. Semelhante raciocínio parece também legitimar a ideia ainda mais radical que certa falta de provas autorizaria, mesmo, a decretação de uma prisão temporária, em absoluta agressão aos ditames da Lei nº 7.960, de 21.12.1989, como se viu, recentemente, em relação a um ex-Ministro de Estado.
O mesmo se verifica, em termos, na segunda instância. Também em sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, esse entendimento parece ter feito eco. Em 22 de setembro p.p., aquele Corte decidiu, ao examinar também situações derivadas da Operação Lava Jato, que a Vara de Curitiba não precisaria seguir as regras dos processos comuns. A excepcionalidade do caso, enfim, aos olhos dos julgadores, parece que autorizaria leituras mais heterodoxas. O perigo, aqui, mostra-se ainda mais evidente, pois não se consegue afirmar, ou visualizar, adequadamente, quais os momentos de turbação que a isso autorizaria.
Já em termos do Supremo Tribunal Federal, a situação é ainda mais dramática. Recorde-se que, em fevereiro deste ano, o Pretório Excelso julgou o HC 126.292, modificando sua anterior orientação de absolta prevalência em relação à presunção da inocência. Com a nova posição assumida, passou-se a afirmar que uma pena criminal pode ser cumprida após a decisão de segunda instância. Muitas entidades, das mais diversas filiações, acabaram por sustentar principalmente – mas não só – através das Ações de Declaração de Constitucionalidade 43 e 44, a necessidade de se repensar semelhante problema, coisa que será retomada proximamente em julgamento no Pleno da Corte Maior.
Aqui, no entanto, o problema parece ser outro. Inegável que parece existir um oculto movimento do Supremo Tribunal no sentido de limitar sua atuação na seara criminal. Sob tal égide, tem-se buscado restringir alguma sorte de atuação e admissibilidade recursal, violando-se, mesmo, os preceitos esculpidos na Constituição Federal. Esse, justamente o destaque que os Ministros deveriam levar em conta. Observe-se, entretanto, que o problema é, ainda, outro. Alguns movimentos sociais em defesa da hoje quase sacrossanta Operação Lava Jato mencionam que o julgamento a ser levado a cabo no Supremo Tribunal sobre a questão da presunção de inocência poderia levar a impunidade alguns dos corruptos a serem punidos. Afirma-se, literalmente, que a decisão poderá mudar os rumos da busca da quebra da impunidade. Sem nenhum pudor, pede-se para que a população entre em contato com os Ministros, para exercer qualquer tipo de deletéria e reprovável influência.
Esses são três tristes passos que parecem visualizar que, de fato, os fins intentam justificar os meios, como se em nome de uma (moralista) luta contra a corrupção tudo justificasse. Uma leitura mais racional da ciência e do Direito Penal não pode pactuar com tal percepção. Deve ser feito o alerta. Deve ser feito o questionamento. Deve-se bradar pela correção de rumos. Não se trata de teses defensivas ou garantistas. Trata-se, sim, de uma busca de legitimidade e racionalidade do Direito. E nem se diga, tampouco, que essa afirmação seria baseada na busca de uma não aplicação da lei. Justamente pelo contrário. Radbruch, positivista como poucos, após todo o enfrentamento nazista, acabou por formular o que se passou a ter por dilema de Radbruch, segundo o qual haveria de se constatar uma limitação à segurança jurídica. Dizia ele que quando uma lei se mostrar contrária ao Direito, ela mostra-se, sim, ilegítima. Nesse caso, é de se buscar uma segurança da Justiça. A injustiça jamais pode vigorar, e é essa a recordação que o Judiciário deve sublinhar. É essa segurança que se mostra abalada com as três mencionadas leituras. Espera-se que o bom senso não tarde a se ver presente, e que se volte a perceber que os fins nunca justificam os meios.

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JOTA

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