Renato Silveira

O título do presente ensaio bem poderia ser outro, como sugerido por alguns. Poderia se pensar, nesse caso, em algo como: “há outros Moros e Deltans pelo Brasil?” No entanto, isso teria a capacidade de induzir a erros de preconcepção – favorável ou contrária – não desejados. O que se pretende aqui, de fato, e por outro lado, nada mais é do que uma pequena divagação sobre os efeitos sentidos em decorrência da conhecida Operação Lava Jato. Existe, enfim, uma reverberação da Operação Lava Jato em outras latitudes e longitudes do Poder Judiciário?
Primeiramente, que se reafirme que tornou-se lugar comum afirmar que ninguém contraria a Operação em si, ao menos declaradamente. Coloca-se, à miúde, que nenhuma “pessoa de bem” (ainda que possa ser criticável semelhante expressão) afronta os seus ditames. Nos meios políticos, de forma ainda mais emblemática, justifica-se que não existe uma só personagem que, no presente momento, possa pretender controlar ou imobilizar a engrenagem da Lava Jato. Seria isso, no entanto, correto, em sua inteira dimensão?
Sob muitas premissas, impõe-se recordar que muitos paradigmas têm sido alterados sob os presentes auspícios desse novo momento penal. A olhos leigos, com a Operação Lava Jato alcançou-se uma aparente – e simbólica – superação do mito da impunidade, tão arraigado no pensamento brasileiro. O preço pago para se alcançar esse novo cenário, entretanto, desde um primado garantista, parece ter sido alto demais.
Ainda que não se questione as implicações políticas dela decorrentes, é de se ver que as instituições têm, multifacetadamente, respondido de forma diversa aos fatos que se dão em Curitiba. Por lá, verificam-se novas leituras de preceitos tradicionais, como a delação ou colaboração premiada; o próprio binômio dolo e cegueira deliberada; as considerações sobre condução coercitiva ou, ainda, sobre a necessidade de prisão processual. A dúvida seria como, Brasil afora, ecoam essas novas leituras.
Recentes Operações da Polícia Federal, como a Custo Brasil; Boca Livre; ou Saqueador, parecem, cada qual a seu modo, caminhar na trilha da Lava Jato. Nelas, fazem-se interpretações bastante peculiares, e, não raro, contra os interesses do réu. O mais preocupante, no entanto, é quando isso se dá em inovação contrária ao consagrado pela doutrina e jurisprudência. Assim, assusta, ao rigor garantista, a verificação de que a aparente superação do paradigma da impunidade está a justificar uma leitura extremamente mais endurecida do Direito Penal. Nesse sentido, inegável – e, ao seu modo, bastante temerária – a Escola que a Lava Jato está a fazer.
Algumas diferenças conceituais, contudo, são presentes nos mais diversos casos recentemente verificados. Os Tribunais aparentemente também vivem conflitos significativos. Enquanto o Supremo Tribunal Federal altera sua percepção sobre a presunção de inocência, passando – espera-se que temporariamente – a permitir a prisão após o julgamento de segundo grau, outras Cortes nacionais voltam a atestar a necessidade de controle da violência estatal. Em última análise, o tema parece ser a escolha entre tolerar uma maior ou menor atuação do Estado face ao cidadão. Enquanto se aceita que essa potencial violência deva ser contida – ainda que com a eventual pecha de travas de eficácia, configura-se um sistema mais garantista. Na medida em que se sustenta que a eficácia – e um sentimento de operacionalização da Justiça – deve ser presente, acima de tudo, tem-se tendência antigarantista evidente.
Essa máxima, tão bem colocada por Silva Sánchez, acaba, em parte, por justificar a crise do Direito Penal atual. Mais do que isso, no caso brasileiro, destaca uma significativa perda de direcionamento da Justiça nacional. Em um passado próximo, disse-se que o caso do Mensalão se mostrava como o maior caso criminal da história. A não ser por algumas peculiaridades bastante próprias, não o foi. Também se disse, há não muito tempo, que seria ele – o Mensalão – um ponto fora da curva. Aparentemente não o foi. A Lava Jato provou que a AP 470 fez história, por mais reprovável que seja tal história.
Ao se pretender falar da influência da Lava Jato nas instituições brasileiras, deve-se ter em conta a dificuldade de uma análise muito contemporânea e próxima dos fatos. Inegavelmente, contudo, alguns reflexos seus já se fazem presentes. Esses reflexos tendem a comprometer uma leitura mais aberta do Direito Penal, o que talvez faça o pêndulo da história, em momentos próximos, tender, novamente, a uma contenção penal. Talvez, no entanto, o mais recomendável fosse, simplesmente, procurar uma visão penal racional, e filtrar os radicalismos, hoje, tão frequentes. A segurança jurídica, e do Direito, agradeceriam.

handcuffs

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Operação alcançou-se uma aparente superação do mito da impunidade, tão arraigado no pensamento brasileiro

O efeito Lava Jato nas instituições judiciais brasileiras

Operação alcançou-se uma aparente superação do mito da impunidade, tão arraigado no pensamento brasileiro