Willer Tomaz

Dividindo opiniões, a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lava-jato">Operação Lava Jato</a> expôs a colaboração premiada na vitrine da praça pública, o que, em certa medida, entregou aos investigados poderes indevidos de direcionamento e controle da investigação, causando distúrbios no sistema processual e violando garantias fundamentais do cidadão, por vezes acusado apenas com base em falsas declarações do colaborador.
Primeiro, vale distinguir a colaboração premiada da delação premiada: a primeira constitui negócio jurídico processual, onde as partes negociam condições e benefícios, e está prevista na <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm">Lei de Organizações Criminosas (12.850/13)</a>. Já a delação é ato unilateral do investigado e está prevista no Código Penal e em diversas leis esparsas, como Lei de Lavagem de Dinheiro, Lei dos Crimes Financeiros, Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e outras.
Embora ambos os instrumentos propiciem benefícios ao investigado, a subjetividade da motivação em contribuir é mais presente na colaboração premiada, inclusive por parte dos órgãos de investigação, havendo aí fragilidades decorrentes de eventuais discricionariedades e voluntarismos de ambos os lados, já que, mesmo sob o controle de legalidade pelo Judiciário, as partes negociam amplamente exigências e o prêmio, sendo que este pode ser até mesmo o perdão judicial.
A Lei 12.850/13 estabeleceu que a colaboração premiada não é meio de prova, mas, sim, meio de obtenção de prova (artigo 3º, inciso I), devendo o depoimento do colaborador obrigatoriamente encontrar respaldo em outros elementos externos.
Nessa ordem, a colaboração premiada está submetida a critérios de confiabilidade interna, de corroboração externa e de submissão ao princípio do contraditório. Exatamente por isso, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">Supremo Tribunal Federal</a> determinou que as declarações do colaborador sozinhas não autorizam a decretação de medidas cautelares, o recebimento de denúncia ou ainda uma sentença condenatória.
Isso porque o Código de Processo Penal (artigo 365) vincula o exercício da ação penal obrigatoriamente à existência de justa causa, representada pela necessidade de lastro probatório mínimo para a acusação, de modo que o recebimento da denúncia, da queixa-crime e a imposição de medidas cautelares são inviáveis quando baseadas apenas no depoimento de colaborador premiado.
Assim, a diferença entre meios de prova e meios de obtenção de prova não é meramente cosmética e, além de impactar a justa causa para a ação penal, surte também efeitos processuais específicos sobre o chamado “direito de punir do Estado” quando o colaborador admite posteriormente ter criado, inventado, forjado os fatos sob coação, por desejo pelos benefícios da colaboração, por vingança ou com outros fins espúrios.
Trata-se, nesse caso, de verdadeira inexistência do fato da vida: o fato imputado a outrem nunca existiu nem mesmo em hipótese, e, portanto, não há fato a investigar, mas tão somente uma mentira.
Aliás, vale lembrar que, nos termos do artigo 239 do Código de Processo Penal, é considerada indício apenas a “circunstância conhecida e provada”. Ou seja, nem mesmo a confissão, por muitos considerada a rainha das provas, tem serventia se não demonstrada a materialidade do fato com base em elementos objetivos.
Seria ilógico, incoerente e contraditório que, reconhecido o descrédito do colaborador e uma eventual mentira por ele criada, o acusado permanecesse indefinidamente vulnerável e suscetível ao surgimento de uma nova prova, configurando-se situação inalcançada pelo artigo 18 do Código de Processo Penal e pela Súmula 524/STF, que permitem a reabertura da investigação com o surgimento de novos elementos informativos.
Registre-se, todavia, que não é a simples retratação ou a confissão de suposta falsidade por parte do colaborador premiado que afasta a justa causa penal ou que comprova a inexistência do fato. Se assim fosse, seria o mesmo que entregar ao colaborador superpoderes de direcionar e determinar a investigação.
Haverá ausência de justa causa penal e inexistência do fato apenas quando a confissão de falsidade do colaborador for substancial, formal e se der de forma pormenorizada, dependendo ainda da plena e manifesta ausência de evidências externas que corroborem com a narrativa por ele apresentada inicialmente.
Afinal, se por um lado as declarações do colaborador não significam sequer o indício de um fato penal, por outro, não têm o poder de invalidar as provas autônomas já colhidas, as quais autorizam a admissibilidade da acusação e a eventual condenação.
O tema é novo e o ordenamento jurídico não é perfeitamente claro sobre os efeitos jurídicos das declarações do colaborador premiado, muito menos sobre a sua retratação, cabendo aos Tribunais uma análise particularizada em cada caso concreto.
Não obstante, como visto, em condições extraordinárias, a confissão pelo colaborador de que os fatos são falsos esvazia por completo a justa causa para a investigação e atrai a rejeição da acusação e a absolvição por inexistência do fato com efeitos de coisa julgada material, conforme previsão do artigo 395, inciso III, e artigo 386, inciso I, do Código de Processo Penal c/c artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.

estatua da justica entardecer

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JOTA

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