Alexandre Vidigal de Oliveira

Isabella Paschoal

A recente tese adotada pelo Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) nos temas 881 e 885, sobre a relativização da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/coisa-julgada">coisa julgada</a> tributária em face da prevalência de precedente que a contraria, e também da definição do marco temporal pretérito dos efeitos do entendimento firmado, é assunto a merecer especial e atenta reflexão.
Como registro inicial, é relevante se admitir que a submissão integral e inflexível à coisa julgada não se trata, para aquele que dela se beneficia, de algum comportamento inventivo, imprudente ou desarrazoado. Diversamente, assim como o cumprimento à lei, trata-se de entregar-se àquilo que é certo, definido e exigível.
Tal a certeza do acerto dessa submissão que para sua desconsideração o próprio STF precisou decidir a respeito. E no que coube à definição do momento temporal dos efeitos pretéritos dessa desconsideração, o colegiado até se dividiu.
Portanto, na escolha entre cumprir um novo precedente ou cumprir a coisa julgada que dele diverge não se trata de uma mera dúvida que desafie decisão fácil, desprezível, óbvia. Muito pelo contrário, projeta a necessidade de uma escolha complexa e inquietante, até porque é da ciência jurídica a compreensão irrefutável de que aquilo que se tem realizado sob o manto e por força da coisa julgada se insere no ambiente da licitude, validade e oponibilidade. 
Em decorrência dos contornos da robustez da coisa julgada uma relação fático-jurídica que deve ser observada de tal e qual modo, não encontra segurança se cumprida de modo diverso.
Neste contexto, na relação específica da qual se supõe uma obrigação tributária, e que não se tem realizável em razão da barreira imposta pela coisa julgada afirmadora de ser o tributo indevido, a compreensão que se impõe é, essencialmente, a de se ter um tributo inexistente. 
Não é demasiado registrar que poderosos institutos de afastamento da exigência tributária, como a imunidade, a isenção e a moratória, quando deixam de existir nem por isso restabelecem a obrigação tributária quanto aos fatos contemporâneos ao momento de quando aquelas ocorrências incidiam. 
Assim, e na medida em que a inexigibilidade do tributo em certa e determinada situação concreta encontra-se respaldada pela couraça da coisa julgada, resulta disso uma relação jurídica inexistente. Daí não há razão para que a superveniente insubsistência da coisa julgada, para sua submissão e adequação a novo precedente, retroceda no tempo e crie uma relação fática-jurídica – a relação tributária – que, na verdade, não existia.
Neste cenário da inexistência do tributo, decorrente da coisa julgada que a afirma e assegura, não cabe, portanto, cogitar-se na incidência tributária pretérita. A hipótese em contrário revela autêntico intento de tributação do impossível!
Não se desconhece que acima da autoridade da coisa julgada está a autoridade do STF em dizer daquela própria autoridade da coisa julgada. A definição de tese nos temas 881 e 885, bem elucida este ponto. Tal sobrevalência, entretanto, não pode dar-se sem a necessária consideração aos valores intrínsecos do nosso sistema jurídico, alicerçado nas garantias, segurança e estabilidade das relações jurídicas.
E é neste fortalecido campo das grandezas da segurança e estabilidade jurídicas, assim como da previsibilidade das relações, que a observância à coisa julgada –como o não recolhimento de tributo inexigível, por inexistente – encontra também vitalidade, robustez, consistência e valor no campo do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.
Nesta ótica do aspecto intertemporal, a hermenêutica ensina que o direito aplicado – tal qual a coisa julgada sob enfoque – se funde às situações já ocorridas convalidando-se em fatos que não admitem seu revolvimento. Dar efeitos pretéritos à ruptura da coisa julgada, alcançando a realidade por ela já definida e constituída é, mais do que rever a coisa julgada, é desfazer o passado.
Do ponto de vista da lógica das coisas é difícil aceitar a retroação impositiva naquilo que as circunstâncias e componentes do passado não dispunham ou previam. Salvo na excepcionalidade do entorno das nulidades, o que não é o caso, as relações jurídicas já consolidadas não se modificam.
Na defesa da retroação, o fisco acena com o argumento de o contribuinte também se beneficiar do direito ao passado. Tal esforço argumentativo, porém, nada mais exprime do que o intento em assemelhar situações distintas. Afinal, basta lembrar da limitada capacidade contributiva do contribuinte e da expansiva capacidade de geração de riqueza nova pelo Estado. 
Sobre a justificativa de retroação dos efeitos da ruptura da coisa julgada tributária para se resgatar o equilíbrio concorrencial, cabe advertir que esse equilíbrio só tem relevância no presente e para o futuro; o desequilíbrio do passado é fato com suas consequências já operadas e que não se restaura mais. 
Se somente agora, em 2023, o STF está definindo e estancando as dúvidas quanto à prevalência de seu atual precedente tributário sobre a coisa julgada que o contraria, é também neste mesmo e presente momento que o contribuinte está tendo a sinalização certa, segura e incontornável de como proceder. Por isso, por imperativo do bom senso e boa-fé – valores ínsitos do Direito –, é apenas a partir de agora que deveria submeter-se à exigibilidade do tributo.

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JOTA

Dar efeitos pretéritos à ruptura da coisa julgada é mais do que rever a coisa julgada, é desfazer o passado

Coisa julgada e a tributação do impossível

Dar efeitos pretéritos à ruptura da coisa julgada tributária é mais do que rever a coisa julgada, é desfazer o passado