Cauê Myanaki

Maurício Guidi

Rennan Gil Alves Nascimento

O órgão regulador do mercado norte-americano adotou novas regras exigindo a devolução de remuneração variável de executivos de companhias listadas nos EUA (o chamado clawback). Algumas companhias abertas brasileiras começam a adotar regras semelhantes em seus planos de remuneração. Com o tempo, essa prática deve se tornar mais frequente. 
Em resposta à crise financeira de 2007-2008, o Congresso dos Estados Unidos aprovou em 2010 o Dodd-Frank Act, uma lei que exigiu, dentre outras coisas, a criação de políticas e regulamentos atrelando remuneração a desempenho, a divulgação das práticas e valores de remuneração e o estabelecimento de políticas ou contratos prevendo o clawback. 
Por aqui, o Conselho Monetário Nacional promulgou a Resolução 3.921/10, exigindo que ao menos 50% da remuneração variável dos executivos de instituições financeiras fosse paga em ações (ou instrumentos baseados em ações), e que ao menos 40% da remuneração variável fosse paga em parcelas ao longo de um prazo mínimo de três anos (o chamado diferimento). Essa mesma resolução exige a redução da remuneração parcelada proporcionalmente à redução do resultado da instituição financeira. Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cvm">CVM</a>) tem adotado resoluções a respeito da divulgação, pelas companhias brasileiras, de valores de remuneração e indicadores de desempenho adotados. 
Mais recentemente, a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão americano homólogo à CVM, adotou novas regras de clawback. Segundo essas regras, ele seria aplicável em casos de republicação ou reapresentação de demonstrações financeiras que tenham sido usadas como base para cálculo de remuneração variável. Isso se daria independentemente de os executivos já terem deixado a companhia e independentemente de dolo ou culpa por parte desses profissionais.  
Essas regras podem impactar companhias brasileiras que tenham capital aberto nos Estados Unidos ou subsidiárias brasileiras de companhias americanas com capital aberto nos Estados Unidos. Não é incomum, nesse último cenário, que executivos-chave dessas empresas recebam, em seu pacote de remuneração variável, ações da matriz. 
É bastante provável que as companhias precisem adotar essas novas regras de clawback ao longo do segundo semestre deste ano, quando as regras devem entrar em vigor. 
Podemos antecipar alguns desafios a serem enfrentados pelas companhias brasileiras que forem impactadas, como a necessidade de conciliar as novas regras de clawback com as políticas de remuneração que já estiverem em vigor. No Brasil, em geral políticas que impactem empregados não podem ser modificadas de forma que lhes seja prejudicial. 
Além disso, as regras norte-americanas preveem a possibilidade de clawback de valores relacionados a até três anos após o evento. Contudo, no Brasil, discussões com ex-empregados prescrevem em dois anos do desligamento. 
Por outro lado, existem fundamentos legais no Brasil que suportariam a adoção do clawback. De acordo com a doutrina do enriquecimento sem causa, prevista em nosso Código Civil, caso uma pessoa enriqueça à custa de outrem sem justa causa, ou caso a justa causa deixe de existir, tal pessoa deve restituir o valor indevidamente auferido.  
Em outras palavras, se um executivo receber remuneração variável atrelada a um resultado financeiro que não se confirmou (ou que se revelou equivocado), haveria margem jurídica para defender a validade do clawback. E tal discussão ocorreria sem prejuízo de eventual responsabilidade dos administradores pelo evento que resultou no clawback. O tema deve gerar muitas discussões e requerer apoio de assessores especializados. 
Em resumo: as companhias brasileiras listadas nos EUA devem estar atentas a estas novas regras e avaliar como adaptar suas políticas. E, se a moda pegar, é possível que outras companhias brasileiras passem a adotar regras de clawback.

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JOTA

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