Claudio Ribeiro de Lucinda

O rápido avanço dos negócios digitais desafia órgãos reguladores e de defesa da concorrência. Nos dois últimos anos, estimulados pelas restrições de mobilidade impostas pela pandemia do coronavírus, os <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/marketplace">marketplaces</a> consolidaram suas operações. Hoje ocupam lugar de destaque na mídia, na economia e, principalmente, no dia a dia das pessoas. É inegável que as inovações trazidas por essas plataformas facilitam a vida dos consumidores, que encontram lojas e restaurantes de sua preferência listados em um aplicativo. Na tela do celular compram produtos e serviços e usufruem vantagens comerciais e financeiras, sem sair de casa.
Mas nos bastidores, cláusulas de exclusividades presentes nos contratos comerciais podem ser riscos competitivos. Para entender tais riscos, é preciso ter em mente que as plataformas funcionam como um ponto de conexão entre os consumidores finais (usuários), estabelecimentos, serviços financeiros e de entrega. Elas atuam em uma camada de intermediação, com operações amplas e complexas, nas quais as barreiras competitivas não são fáceis de perceber ou de tratar. Além disso, todas as pontas conectadas precisam ser incentivadas a usar a plataforma.
No segmento de alimentação, por exemplo, a posição do iFood chama atenção. De acordo com dados públicos, a participação do iFood na entrega de refeições oscilou de 86% em janeiro de 2020 para 83% em junho de 2021. No mesmo período, concorrentes como o Uber Eats até conseguiram avançar para algo perto de 20% de participação de mercado, voltando rapidamente a patamares entre 10% e 15%. A Rappi nesse período oscilou entre 3 e 6%.
Os números indicam dificuldade dos competidores para ganhar massa crítica – conceito definido pelos economistas como a demanda necessária para gerar engajamento e retenção dos estabelecimentos e dos usuários. Outra evidência nesse sentido é o número de competidores que deixaram o mercado brasileiro nos últimos anos, inclusive a própria Uber Eats, que deixou o segmento de intermediação de pedidos de alimentos em março de 2022.
Nas plataformas digitais, geração de valor depende da combinação entre a percepção de ganho do consumidor final e dos estabelecimentos. O equilíbrio acontece quando a plataforma atinge tamanho suficiente para atrair usuários e criar um mix interessante de lojas, retendo a todos e estimulando-os a utilizar, de forma constante, os serviços oferecidos. Em um mercado relativamente novo, a concentração não exigiria preocupação dos órgãos de defesa da concorrência, se a preferência dos consumidores estivesse relacionada, exclusivamente, à competência e aos recursos da plataforma.
O caso do iFood, no entanto, traz elementos diferentes, apontando que a dificuldade dos concorrentes em atingir massa crítica possa estar relacionada a práticas anticompetitivas. Entre elas, a exigência, por meio de cláusulas contratuais, de exclusividade para os estabelecimentos comerciais. Neste caso, a empresa oferece “vantagens comerciais” às lojas que utilizarem, de forma exclusiva, seus serviços, desestimulando a presença em outras plataformas. A não adesão à cláusula implica em condições comerciais e publicitárias piores que as ofertadas às exclusivas.
No ano passado, a Rappi Brasil e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) protocolaram, no <a href="https://www.gov.br/pt-br/orgaos/conselho-administrativo-de-defesa-economica">Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)</a>, denúncia de infração e pedido de concessão de medida preventiva contra o iFood. Entre os motivos alegados estão práticas que aumentam as barreiras de entrada para novos competidores. Entre elas, as cláusulas de exclusividade.
A celebração de cláusulas de exclusividade não é uma inovação do mercado digital. Mas, no caso das plataformas, exigirá nova abordagem dos órgãos de controle. No comércio físico, acordos restritivos podem dar mais poder às empresas aliadas, para enfrentar os competidores – criando efeitos positivos na concorrência.
Já no mundo das plataformas, pelo rápido ganho de escala promovido pela digitalização, os efeitos destas cláusulas podem se mostrar danosos para o mercado. Não é à toa que o Cade, em fevereiro deste ano, proibiu o uso de cláusulas de exclusividade pela Gympass, em contratos com academias de ginástica. O processo foi interposto pela Totalpass. Neste caso, o órgão entendeu a prática da Gympass como anticompetitiva.
As análises são complexas e desafiadoras para o Cade, que se baseia nos conhecimentos jurídicos e econômicos para avaliar os casos. Vale lembrar que a estrutura das plataformas e seus mecanismos são novos, rompem estruturas econômicas e propõem modelos de negócios inovadores, com processos e táticas que não estão previstos nas regulamentações.
Quando pensamos em práticas anticompetitivas, alguns pontos são marcantes para entender a pressão que as plataformas exercem sobre as estruturas de controle. A velocidade com que a configuração de mercado se altera é o principal deles. Com alta capacidade de escala, essas plataformas podem, em questão de meses, alcançar participações de mercado elevadas – causando distorções competitivas.
Por enquanto, as cláusulas de exclusividade têm afetado a concorrência entre os negócios – envolvendo plataformas concorrentes e estabelecimentos comerciais associados. Dessa forma, as denúncias e reclamações ficam restritas ao universo corporativo. Mas, como demonstram a literatura econômica e a prática antitruste, no final do dia o consumidor também é afetado. É vasta a documentação de casos nos quais a empresa dominante se envolve em atividades que prejudicam os consumidores. Nesse sentido, as primeiras denúncias envolvendo plataformas acenderam o alerta dos órgãos de controle.
A jurisprudência ainda é incipiente, e a dinâmica dos casos é tal que é cedo para decisões definitivas e precedentes amplos. No entanto, uma coisa é certa: em mercados de plataformas, detalhes sobre a forma pela qual a competição se dá podem ser cruciais sobre o ambiente competitivo.

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Exigências de exclusividade dificultam avanço de concorrentes, podendo prejudicar estabelecimentos e consumidores

Cláusulas contratuais afetam competição do mercado digital

Cláusulas de exclusividade dificultam o avanço de plataformas concorrentes, podendo prejudicar os estabelecimentos e os consumidores