Mariana Lindenberg

Jéssica Acocella

Com a escalada recente das concessões públicas (em setores, por exemplo, como o aeroportuário, de ferrovias, rodovias e terminais portuários)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, uma importante preocupação gira em torno da financiabilidade dos projetos. Certo é que a outorga da exploração de serviços públicos ao privado, de forma geral, é acompanhada da obrigatoriedade de realização, ao longo do contrato, de vultosos investimentos em infraestrutura, que acabam por demandar capital intensivo e longos prazos de amortização.
O tema do financiamento, assim, revela-se um dos mais cruciais e desafiadores para o sucesso de tais projetos. Diferentemente do regime estabelecido pela <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm">Lei de Licitações</a> (com fulcro tanto na Lei 8.666/93, como na Lei 14.133/2021) – cuja responsabilidade pelo financiamento compete ao Poder Público<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> –, no regime de concessões, compete à concessionária, e não ao Poder Concedente, “captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à prestação do serviço” (art. 31, VIII, Lei 8.987/95). Ou seja, o risco do financiamento é todo do concessionário.
Ressalve-se que, a esse respeito, no modelo das parcerias público-privadas, regidas pela Lei 11.079/2004, o cenário é intermediário: o risco do financiamento compete primordialmente ao parceiro privado, mas não de forma exclusiva, sendo mitigado ou compartilhado em maior ou menor grau com o Poder Público.
Tendo em vista, assim, a relevância do tema financiamento no âmbito das concessões públicas e a necessária segurança jurídica a ser conferida aos financiadores, a legislação autoriza o parceiro privado a oferecer um rol de garantias diretamente vinculadas ao projeto: (i) os direitos emergentes da concessão (a exemplo das receitas advindas dos serviços a serem prestados ao público) até o limite que não comprometa a operacionalização e a continuidade da prestação do serviço (art. 28); (ii) a cessão fiduciária das receitas dos serviços concedidos (art. 28-A); e (iii) no extremo, o direito de os financiadores e garantidores assumirem o controle ou a administração temporária da concessionária para promover sua reestruturação financeira (art. 27-A), conhecido como cláusula de step-in rights. Nesse caso, a lei estabelece que a sua utilização não alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores para com terceiros, poder concedente e usuários dos serviços públicos.
Nesse contexto, a cláusula de step-in foi inserida na Lei de Concessões, por meio da Lei 13.097/2015, tendo em vista que, em projetos de longo prazo que requerem grandes aportes iniciais de capital – como o são os projetos de infraestrutura –, os quais são comumente financiados por meio de Project Finance<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, interessa mais ao credor a continuidade do empreendimento do que a execução imediata da garantia do financiamento. No âmbito de um Project Finance, forma-se uma sociedade de propósito específico (SPE) na qual são segregados todos os ativos, contratos e receitas do projeto. De forma geral, os ativos da SPE valem menos quando vendidos separadamente numa eventual execução isolada das garantias comparativamente à totalidade da dívida incorrida para os adquirir.
Ocorre que, a despeito da larga incorporação, em abstrato, desta cláusula nos contratos de concessão nacionais e o interesse dos financiadores, em especial nas operações de Project Finance, em manter o projeto em funcionamento, a possibilidade de o financiador efetivamente assumir o controle ou a administração da concessionária não parece ter qualquer atratividade em concreto.
De fato, com base em pesquisa realizada por estas autoras, tanto no direito brasileiro, como comparado, não foram identificados quaisquer exemplos práticos de utilização de tal direito por parte dos financiadores. Nos casos em que se revelou a impossibilidade de o concessionário cumprir, por si só, todas as obrigações contratuais e de investimento relacionadas ao projeto, outras alternativas jurídicas preponderaram, a exemplo da transferência do controle societário da SPE para terceiros; da transferência da própria concessão, conforme autoriza o art. 27 da Lei de Concessões<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>; ou ainda, em último caso, do vencimento antecipado da dívida contraída junto aos financiadores, em que pese o evidente prejuízo decorrente dessa solução não só para os financiadores como para a sociedade, a qual se vê alijada da prestação do serviço concedido.
À luz, assim, da inaplicabilidade prática da cláusula de step-in rights, algumas reflexões se colocam: (i) a sua previsão contratual, de fato, contribui para a financiabilidade dos projetos?; (ii) por quais razões a sua adoção ainda não se consolidou na prática?; e (iii) seria possível aprimorar o instituto enquanto ferramenta capaz de conferir a adequada segurança jurídica aos agentes financiadores de projetos de grande porte?
Quanto à primeira indagação (“a sua previsão contratual, de fato, contribui para a financiabilidade dos projetos?”), fato é que a previsão da cláusula em questão, nos termos previstos na lei, não parece tornar os projetos públicos mais atrativos sob o ponto de vista do financiador. Isso significa que a decisão quanto a financiar ou não uma concessão pública girará em torno de outros elementos mais relevantes, a exemplo da matriz de alocação de riscos contratuais ou da rentabilidade futura do projeto. Elementos, portanto, que sempre merecerão a especial atenção do estruturador do projeto.
Já no que diz respeito à segunda questão (“por quais razões a sua adoção ainda não se consolidou?”), uma possível resposta poderia considerar a provável ausência de expertise do financiador quanto ao objeto da concessão. De fato, em que pese a lei, por um lado, estabelecer a obrigatoriedade de que o financiador ou garantidor atenda às exigências de regularidade jurídica e fiscal estabelecidas no edital de licitação da concessão, por outro, permite-se que sejam dispensadas as exigências quanto à capacidade técnica, o que, em última análise, pode-se arguir que poderia comprometer a própria regularidade na prestação dos serviços públicos concedidos.
Além disso, é mister ressaltar que o § 5º do art. 27-A da Lei de Concessões isenta o financiador, durante a administração temporária, de responsabilidade “em relação à tributação, encargos, ônus, sanções, obrigações ou compromissos com terceiros, inclusive com o poder concedente ou empregados”, o que contribui para a desconfiança reinante em relação ao instituto. Ora, para os terceiros que tenham contratos celebrados com a Concessionária/SPE, não há interesse em manter relação jurídica com um financiador que assume temporariamente o projeto totalmente isento de responsabilidade.
Por fim, acerca da terceira reflexão (“seria possível aprimorar o instituto enquanto ferramenta capaz de conferir a adequada segurança jurídica aos agentes financiadores de projetos de grande porte?), e em face do cenário que tem se revelado desde sua inclusão pela Lei 13.097/2015, poder-se-ia defender, com inspiração no que dispõe o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/codigo-civil">Código Civil</a>, que veda o pacto comissório no art. 1.428<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, que a assunção do controle direto sobre a sociedade, via exercício dos direitos políticos próprios da ação, deveria ser obtida com o intuito limitado de preparar a sociedade para sua alienação a terceiros, via, por exemplo, venda amigável de suas ações, com a finalidade de se promover a sua reestruturação econômica.
Ou seja, a assunção do controle jamais poderia ser obtida com o intuito de perpetuar o financiador nessa condição. Outrossim, na hipótese de regularização da situação que deflagrou o inadimplemento após o exercício do step-in, caberia, ao financiador, devolver as ações da sociedade ao acionista original.
Diante, portanto, da omissão legal a esse respeito, caberia ao contrato de concessões regular adequadamente e lapidar o instrumento de forma a torná-lo uma ferramenta efetiva em favor da financiabilidade – e consequente atratividade – dos projetos públicos de infraestrutura.
Além disso, uma outra solução passível de garantir a segurança jurídica no uso do instituto seria a celebração de um contrato específico entre todas as partes envolvidas no projeto, de modo a regular o papel de cada um numa possível inadimplência da concessionária e a concessão de anuências que se fizerem necessárias para a continuidade do projeto e, ainda, garantir que as partes mantenham o cumprimento de seus contratos, com a previsão expressa de uma matriz de riscos aplicável a essa situação concreta, inexistindo isenção plena de responsabilidades apenas para o financiador, tal como previsto no § 5º do art. 27-A da Lei de Concessões.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Entre as ações nos últimos 100 dias do Ministério da Infraestrutura, destaca-se a Infra Week, que foi uma semana destinada à concessão de 28 ativos do Governo Federal à iniciativa privada e que garantiu R$ 10 bilhões em investimentos em 22 aeroportos, cinco terminais portuários e o trecho 1 da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> O privado executa a obra e faz jus ao recebimento do preço à medida do seu avanço, responsabilizando-se pela prestação de garantias em favor da Administração para garantir o fiel cumprimento de suas obrigações quando o Edital assim o exigir. Um possível adiantamento de recursos pelo privado se dá em caráter excepcional e a inadimplência da Administração contratante por mais de 90 dias dá ao privado o direito de extinguir o Contrato. Além disso, a contratação da obra pressupõe, antes de tudo, a existência de dotação orçamentária suficiente para o pagamento do seu custo pela Administração (art. 55, V, da Lei  nº 8.666/1993´e art. 92 VIII da Lei 14133/21).
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Por meio do Project Finance, a dívida contraída pelo Concessionário é paga aos credores com os recursos decorrentes do fluxo de caixa do próprio projeto financiado.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> A transferência da concessão de um determinado serviço, nos termos do art. 27 da Lei de Concessões, foi considerada constitucional no âmbito da ADI 2946 julgada pelo STF em 09/03/2022.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.

concessão

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JOTA

Cláusula de step-in rights em projetos públicos de concessão

A despeito da larga incorporação, em tese, da cláusula de step-in rights, não é atrativa a possibilidade de financiador assumir controle de fato

Cláusula de step-in rights em projetos públicos de concessão

Apenas para inglês ver?