Allan George de Abreu Fallet

Maria Cláudia Barbutti Gatti

Criado na década de 80, o Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias, ou simplesmente Sistema Harmonizado (SH), é um método internacional de classificação de mercadorias baseado em uma estrutura de códigos e respectivas descrições, cuja finalidade é a promoção e o desenvolvimento do comércio internacional<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o qual se tornou a base jurídica brasileira para a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), Tarifa Externa Comum (TEC) e a Tabela do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI).
A partir de tal sistemática de identificação de mercadorias em nível global, tornou-se possível a facilitação do comércio por meio de análises e comprovações estatísticas, fundamentais para a formulação de políticas públicas, além dos direitos de defesa comercial e de tratamentos aduaneiros especiais, culminando no gerenciamento de risco por meio dos órgãos de controle e fiscalização.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Com efeito, a tarefa de classificação fiscal é extremamente desafiadora, tanto em face da aplicação correta das Regras Gerais de Interpretação do SH, como pela necessidade de detalhamento técnico, a qual pode demandar inclusive perícia, irradiando efeitos no tratamento administrativo e tributação a incidir sobre a mercadoria.
Apesar do esforço da Organização Mundial das Alfândegas (OMA) para atualizar o SH de forma constante, a fim de acompanhar as rápidas mudanças tecnológicas e manter a segurança jurídica da sistemática, é evidente a existência de certo descompasso em relação ao desenvolvimento de novas tecnologias, o que impacta diretamente no ambiente de negócios.
Isto porque em situações nas quais não existem posições específicas para classificação de determinados itens, o importador passa a utilizar-se das regras do SH, bem como das Notas Explicativas do Sistema Harmonizado (NESH).
Ocorre que, no caso do cenário brasileiro, tal tarefa é cercada de grande insegurança jurídica, dada a possibilidade de autuação pela Receita Federal do Brasil (RFB) caso discorde da classificação adotada, sendo que a discussão pode durar décadas perante o contencioso administrativo federal e judicial<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Além disso, poderão surgir eventuais penalizações (multas e cobrança de juros moratórios) ao importador em caso de erro na classificação fiscal, bem como da falta de licença de importação e da eventual diferença dos tributos recolhidos, aumentando significativamente o valor da operação. Tudo isso em um cenário atual de alta carga tributária sobre o produto importado a partir do registro da operação de importação.
Como resultado, cria-se uma desvantagem concorrencial do país em relação às demais potências mundiais, dados todos estes entraves fiscais e burocráticos, impactando diretamente na produção interna de novas tecnologias e, indiretamente, no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
A título exemplificativo, pode-se citar o ocorrido com as impressoras multifuncionais, cuja discussão perdurou ao longo da década passada. É possível encontrar na jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) discussão acerca de sua função essencial, isto é, se aparelho de fotocópia, fax ou impressão<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Interessante destacar que a discussão perdurava entre a aferição acerca de qual regra seria aplicável para a correta classificação fiscal das multifuncionais, isto é, acaso insuficientes a sua posição mais específica ou a que acolha a característica essencial, poderia considerá-la como um único produto, aplicando-se a regra geral residual de que a mercadoria deveria ser classificada na posição situada em último lugar na ordem numérica, dentre aquelas suscetíveis de validamente se tomarem em consideração.
Em outras palavras, a discussão se deu em torno da aferição acerca da existência de uma função essencial das impressoras multifuncionais. Nesta questão, verifica-se a importância do Carf, o qual, indo de encontro ao posicionamento interno da própria RFB, que entendia pela aplicação da regra residual, consolidou sua jurisprudência no sentido de que a função essencial das impressoras seria a impressão.
De igual forma, pode-se citar os casos dos painéis de cristal líquido (LCD), dispositivos multiesportivos e digitalizadores de imagem (Scanner), cujas classificações são objeto de consultas à RFB até os dias atuais.
Também não podemos esquecer dos questionamentos quanto aos projetores com dispositivo digital de Micro espelhos de Tecnologia DLP (Digital Light Processor) / (DMD – Digital Micromirror Device), bem como as dificuldades na correta classificação, além da forma de apuração da base de cálculo dos tributos na importação de jogos eletrônicos para computador e consoles.
Atualmente, há discussão semelhante em tramitação perante a RFB com relação aos drones o qual já fora objeto de diversas Soluções de Consulta e classificado, ao menos, em quatro posições diferentes, isto é, desde câmera digital e brinquedo até helicóptero de quatro rotores.
No Brasil, o tema segue sem definição pelo órgão. Como mencionado em matéria do Jota<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, a situação pode se agravar em relação à tributação de novas tecnologias, como é o caso dos softwares, dada a variação tecnológica dentro de um mesmo produto ou entre produtos do mesmo segmento.
Não obstante, recentemente, a OMA aprovou nova versão do SH, o qual contêm 351 conjuntos de alterações e, dentre elas, uma subposição específica, no Capítulo 88, para “aeronaves remotamente pilotadas”. Esta versão entrará em vigor a partir de janeiro/2022 e pretende pôr fim a este imbróglio.
Como visto, todas as barreiras alfandegárias, burocráticas e comerciais fazem com que o Brasil se distancie, cada vez mais, das maiores economias mundiais. Segundo relatório adotado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, com as exportações e as importações em menos de um quarto do PIB, a economia brasileira estaria significativamente menos integrada à economia mundial do que outras economias de mercado emergentes de tamanho similar, o que seria resultado de diversas décadas de políticas voltadas para o mercado interno, inclusive a estratégia de industrialização por meio da substituição de importações.
<blockquote class="jota-article__eye">Verifica-se que o Brasil é o país com menor exposição ao comércio internacional, tendo, ainda, baixa participação em redes de valor globais, atrás dos países da América Latina.</blockquote>
O órgão aponta que as altas barreiras comerciais impediriam que o Brasil aproveitasse os diversos benefícios de uma economia global cada vez mais integrada, na medida em que tanto os consumidores quanto as empresas que compram bens intermediários ou bens de capital estariam pagando preços bem mais altos do que em outros países, justamente em razão das barreiras comerciais brasileiras, apontando como consequência imediata de sua diminuição a queda no preço dos importados aos consumidores e o aumento do poder de compra dos consumidores brasileiros.
Além disso, a OCDE aponta que o estímulo à concorrência fomenta o crescimento e a criação de empregos, indicando que a abertura seria provavelmente o jeito mais eficaz de fortalecer as pressões da concorrência em muitas indústrias, o que igualmente beneficiaria o desempenho das exportações brasileiras, que caiu quase 25% nos últimos 15 anos, enquanto o desempenho das exportações no México aumentou 25%, país citado no referido Relatório como exemplo de como o comércio e a integração às redes de valor globais podem contribuir com o crescimento econômico e a resiliência.
Sem sombra de dúvidas, para que seja possível retomar o crescimento econômico, o aumento da integração com o comércio internacional é um compromisso inadiável.
Considerando que nosso país está inserido em uma economia global, é evidente que para a produção de novas tecnologias se faz necessária não só a utilização de produtos igualmente tecnológicos, mas a existência de um ecossistema nacional compatível com a inovação, não sendo razoável atribuir tamanhas barreiras alfandegárias, jurídicas e comerciais, as quais nada trazem de inovador, conforme verificado pelos exemplos acima.
Conferindo-se menos barreiras e maior segurança jurídica aos importadores, acarreta-se diretamente na diminuição do valor final da operação e, como demonstrado, em menor custo direto para o consumidor, além do aumento de emprego e renda para a população.
<hr />
O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “Manual de utilização dos dados estatísticos do comércio exterior brasileiro”. Disponível em: &lt;http://www.mdic.gov.br/balanca/manual/Manual.pdf&gt;. Acesso em 21 de dezembro de 2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Em estudo realizado pela Consultoria EY (Ernst &amp; Young), contratado pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), concluiu-se que “um processo de contencioso tributário no Brasil leva em média 18 anos e 11 meses, na soma das etapas administrativas e judiciais”. Segundo o relatório, a EY teria calculado esse tempo a partir de “dados do Relatório Anual de Atividades de 2017 da RFB; de relatório sobre julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), disponibilizado pelo órgão em 2015 por ocasião da Operação Zelotes; e do Relatório Justiça em Números de 2017 e 2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).”.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Carf, Acórdão nº 3402­004.966, 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da Terceira Seção de Julgamento, DJ 20.03.2018.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> “Tributação de drones segue sem pacificação na Receita Federal”. Disponível em: &lt;https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/tributacao-drones-receita-federal-01012020&gt;. Acesso em 21 de dezembro de 2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> “Relatórios Econômicos OCDE – Brasil – Fevereiro 2018”. Disponível em: &lt;https://www.oecd.org/economy/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview-Portuguese.pdf&gt;. Acesso em 21 de dezembro de 2020.

real-money-3624230_1280

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Dificuldade em classificar novas tecnologias pode ser barreira ao crescimento econômico

Classificação fiscal e novas tecnologias

Dificuldade em classificar novas tecnologias pode ser barreira ao crescimento econômico