Mariana Kruchin

As parcerias sociais, aquelas firmadas entre organizações sem fins lucrativos e o Poder Público, são uma realidade consolidada no Brasil, especialmente em São Paulo, para a execução de projetos e gestão de serviços públicos, como os equipamentos de saúde, os de cultura, educação infantil entre muitos outros. As organizações da sociedade civil não se confundem com o Estado e tampouco com empresas que são contratadas ou que são concessionárias de serviços públicos.
O regime jurídico regente das parcerias é próprio das relações do Estado com as entidades sem fins lucrativos, tendo sido elaborado justamente para dar segurança e concretude a elas. A Lei nº 13.019/14, também chamada de Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que trata das parcerias, completará agora 5 anos de vigência. É preciso celebrar os avanços da legislação mas também, aprofundar a implementação de aspectos centrais do modelo.
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É imperioso avaliar a qualidade dessa implementação e levantar os desafios para uma efetiva mudança de cultura na execução e no controle das parcerias. Ouso dizer que nesses anos de vigência da lei ganhamos elementos para partimos, enquanto governo e enquanto organizações, para novas etapas de aprofundamento do cumprimento do quanto proposto pela legislação, sob pena de retrocessos importantes na modelagem estabelecida. Trato aqui do tipo de controle sobre os projetos que deve ser exercido, aperfeiçoado.
Sabemos que mudanças nas práticas organizacionais e institucionais são difíceis, especialmente quando se busca colocar em marcha uma verdadeira mudança de paradigma. No caso da Lei 13.019/14, o controle, pelo Poder Público, dos projetos executados pelas OSC, que sempre se deu quase que exclusivamente por meio da sua execução físico-financeira, passou a dever ser também e principalmente sobre o alcance dos resultados pactuados, realizado com um efetivo monitoramento e avaliação dos projetos. Essa inovação é central, recuperando-se o verdadeiro sentido da parceria: permitir que a sociedade civil entre com o know-how, a eficiência e a eficácia que detém em alguns campos das políticas públicas e que o Poder Público não consegue alcançar em determinadas áreas sem parceiros diversos.
O controle de resultados não é propriamente novidade, tendo sido extensamente debatido pelo menos desde 1998, com o advento da legislação de Organizações Sociais (Lei n. 9.637/98), que institui o modelo de parcerias calcado nos contratos de gestão, realizados com organizações experientes da sociedade civil para absorção de atividades de ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, entre outros. A partir daí, o tema foi também amplamente discutido por ocasião do MROSC, em fóruns diversos. Teoricamente, há um consenso de que o modelo é baseado numa operação ganha-ganha: as organizações ganham em autonomia para gerir e executar os projetos parceirizados; os projetos ganham eficiência; a efetividade é medida de forma cuidadosa, havendo processo de monitoramento que possibilita eventual correção de rumos durante a execução da atividade, buscando-se o alcance das metas; o Estado se organiza para cumprir bem seu papel de fomento e supervisão.
Do contrário, mesmo tendo-se gastado todo o recurso de forma correta e nos exatos termos previstos no plano de trabalho, não fica garantido o atingimento dos objetivos, ou no mínimo, não é feita a avaliação dos resultados e impactos esperados, etapa essencial de pesquisas, projetos sociais e políticas públicas. Isto é, não se gera conhecimento, evidências, que informam a sociedade e as políticas públicas; não há como completar a cadeia causal prevista na teoria da mudança que acompanha o projeto ou política implementada.
Por fim, sem o enforcement da legislação que regula essas parcerias, perpetua-se o cenário de insegurança jurídica que ensejou o advento da norma geral de parcerias e não se consolida a relação entre organizações da sociedade civil e o Estado com o respeito as suas peculiaridades, esvaziando-se o modelo proposto.
Na prática, muitos entraves foram colocados, ou não foram retirados, para que essa mudança de cultura ocorresse. É preciso enfrentá-los se a ideia for tirar o melhor das parcerias com a sociedade civil.
<h3>O que diz a lei</h3>
A Lei 13.019/14, que traz em seu texto aspectos que incidem como norma geral, aplicáveis a todos entes federativos e todas as parcerias entre o Poder Público e as Organizações da Sociedade Civil, deixa clara a subsidiariedade da análise da execução financeira frente à análise de resultados, e dá parâmetros de análise da eficácia e da efetividade das ações que devem ser o foco dos pareceres técnicos dos órgãos de controle: resultados, impactos econômicos e sociais (resultados são mais imediatos, decorrem diretamente dos produtos ou serviços desenvolvidos, os impactos estão mais relacionados aos objetivos gerais), satisfação do público-alvo e a sustentabilidade das ações.
Parto, contudo, do pressuposto de que, mesmo após cinco anos da implementação do MROSC, não houve uma efetiva mudança de paradigma no campo do controle das parcerias, seja no controle interno (realizado pelo órgão gestor parceiro) ou externo (realizado principalmente pelos Tribunais de Contas).
<h3>Entraves</h3>
Não se pode negar que os Termos de Colaboração e os Termos de Fomento firmados nos moldes da Lei 13.019/14 têm no seu Plano de Trabalho – parte constitutiva da parceria – previsão de objetivos e metas a serem alcançados. Os Contratos de Gestão e os Termos de Parceria, firmados com OSCIPS, também são calcados em metas, das quais dependem os repasses de verbas pactuados.
Contudo, tais metas, de onde poderiam ser medidos os resultados almejados quando da elaboração do projeto, (i) em geral não têm qualidade ou alcance suficiente para efetivamente demonstrar a consecução dos objetivos planejados, (ii) sua análise não torna o controle financeiro algo subsidiário ou complementar. Ou seja, o fato de existirem metas e elas serem medidas, e isso até ser relevante para os órgãos de controle das parcerias, não fez com que um novo paradigma em controle se impusesse até o presente momento.
São inúmeras as dificuldades para a implementação do controle por resultados. Mas aqui aponto dois grandes grupos de desafios a partir dos quais eventuais soluções podem ser pensadas. O primeiro grupo é o dos entraves institucionais, principalmente no lado do Poder Público, inerentes a uma mudança de paradigma. O segundo grupo refere-se a dificuldades na lida com as ferramentas próprias para a medição dos resultados – plano de trabalho, indicadores etc. que efetivamente meçam algo e informem os gestores. Essas dificuldades incidem sobre a administração pública mas principalmente sobre as organizações.
Em relação aos entraves institucionais, podemos trazer dois principais: primeiro, as ferramentas disponíveis ao servidor público. No processo de implementação e regulamentação da nova lei de parcerias, a Lei n. 13.019/14, os municípios e os estados foram pouco ouvidos, participaram pouco dos debates – que incluíram, positivamente, a sociedade civil organizada, a União, acadêmicos e juristas da área. Nesse contexto, não foram dadas ferramentas, sejam de governança, sejam tecnológicas, ou mesmo técnicas e de pessoal, para a realização do controle de resultados. E a capacidade instalada na administração pública é aquela para o controle de meios.
Sem ferramentas, o controle por resultados fica a reboque do tratamento de sempre, da exigência da execução físico-financeira nos termos postos no plano de trabalho sem qualquer análise qualitativa do uso dos recursos. Além disso, há que se ter um aparato administrativo imenso para, da parte das organizações, produzir detalhadas prestações de contas sobre o aspecto financeiro, sem conseguir focar no monitoramento e avaliação dos resultados e dos impactos dos projetos executados. Por parte do parceiro público, há também o enorme esforço por analisar em um nível de detalhe muito grande as contas dos projetos, o que ocorre sempre em um momento posterior à execução da atividade e do gasto, e uma estrutura relevante de técnicos (o que não há na maioria dos casos) na área de contabilidade. A estrutura necessária inexiste em muitos casos, o que faz com que nenhum controle seja efetivamente realizado na dimensão necessária.
Outra questão importante em relação ao que chamamos de entraves institucionais é a resistência dos agentes públicos envolvidos, resistência essa que tem facetas diversas. Uma é o temor de servidores de se responsabilizarem pelos vultosos recursos que são anualmente repassados pelo Estado para organizações privadas no contexto das parcerias. Tal temor se relaciona em alguma medida ao controle externo das parcerias, executado pelos Tribunais de Contas, Procuradorias e o Poder Legislativo.
Outro aspecto da resistência é a visão de setores da administração pública de que as parcerias são um meio indevido de prestação de serviços. Em áreas onde predominam os contratos de gestão, como a saúde em alguns entes federativos, há disputas ideológicas e em relação à empregos, recursos etc. Vale mencionar também resistências institucionais relacionadas à estrutura da governança e da gestão das parcerias. Isso pode reduzir ou acirrar certas questões que envolvem a dimensão política da contratualização. A depender do modelo de governança, uma secretaria pode ser vista por outra como mais um ente controlador, por exemplo.
<blockquote class="jota-article__eye">Do lado das organizações sociais e outras entidades da sociedade civil, há resistências que passam pela discussão sobre quais dados devem ser abertos e públicos, e quais não. A ausência de transparência e acesso a dados caros aos órgãos de controle geram atritos e desconfiança entre os entes parceiros.</blockquote>
Encontramos ainda desafios mais circunstanciais, mas que acabam por gerar ruídos que afetam todo o sistema de parcerias. Um exemplo é a desconfiança em torno dos interesses que têm as organizações da sociedade civil que firmam as parcerias com a administração pública. A desconfiança em relação às intenções, à idoneidade principalmente, das organizações acontece no contexto de que há muita ênfase na prestação de contas, no uso dos recursos e talvez, ênfase de menos na “porta de entrada” do sistema, na seleção de quais organizações estão aptas para serem parceiras do Estado.
Outros desafios poderiam ser elencados, mas a variedade de questões é compatível com a quantidade de arranjos locais institucionais e regulatórios diversos que encontramos no Brasil.
Sobre os entraves relacionados ao ferramental para um efetivo monitoramento e avaliação de resultados, há que se fortalecer a compreensão não somente do “como” e do “o que” avaliar, mas do “porque” avaliar projetos. As competências necessárias para realizar o monitoramento e a avaliação não parecem estar claras na maioria dos casos para organizações e para o parceiro público, e devem ser pensadas desde o início de um projeto, uma vez que os indicadores e agentes avaliadores estão previstos desde o edital e o plano de trabalho.
<h3>Caminhos possíveis</h3>
Havendo a compreensão sobre a relevância do controle de resultados para a qualidade dos serviços ofertados pelo Poder Público e vontade dos gestores em promover efetivamente uma mudança de paradigma na administração das parcerias, será preciso investir na capacidade institucional de realizar a avaliação dos resultados.
Inicialmente, realizar um diagnóstico local, na administração pública, sobre a forma como as parcerias são geridas, com foco na sua governança e nas ferramentas técnicas e até tecnológicas disponíveis. Automatizar o controle, especialmente o financeiro, de forma que ele não deixe de ser feito e que ocorra concomitantemente ao uso dos recursos; criando filtros mais fortes na entrada do sistema, que interdite organizações despreparadas e até mau intencionadas, são ações fundamentais após o diagnóstico.
Disponibilizar, sempre que necessário e possível, as ferramentas avaliativas já previstas na legislação, em especial a satisfação do público-alvo. Essa é uma medida relativamente simples, tendo em vista as ferramentas que já dispomos, como os celulares, e ainda pouco implementada.
Ademais, faz-se necessário o fortalecimento do diálogo interinstitucional, com ênfase nas trocas entre os órgãos executores e de controle, para que a governança seja fluida e que haja confiança nas ferramentas de monitoramento e avaliação implementadas, o que se relaciona com o tema do aperfeiçoamento da governança local das parcerias.
Por fim, relevante o investimento em capacitação das organizações e dos gestores públicos na elaboração de planos de trabalho de qualidade, que contenham os elementos necessários para o monitoramento e a mensuração dos resultados alcançados em relação aos objetivos propostos. Vale mencionar a possibilidade da previsão de orçamento nos projetos para a realização de avaliação de qualidade, até por meio de contratação de terceiros independentes, com o intuito de demonstrar efetivamente o alcance dos objetivos dos projetos.
Mudanças de paradigma não são fáceis, mas aperfeiçoar a cultura do controle finalístico é fundamental para o aprofundamento das relações entre a sociedade civil e o Poder Público, evitando-se retrocessos nos modelos de parcerias sociais.
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JOTA

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