Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“A tecnologia não é nada. O importante é que você tenha fé nas pessoas, que elas são basicamente boas e inteligentes, e que se você der a elas ferramentas, elas farão coisas maravilhosas com elas.”
<footer class="jota-article__citation">Steve Jobs</footer>
</blockquote>
A relação entre uma espécie o seu habitat, o seu meio, é uma relação de essência. Um ser não se separa de sua circunstância. “Yo soy yo y mi cirscunstancia, si no la salvo a ella no me salvo yo,” vaticinava Ortega y Gasset. Para nós, seres humanos, a nossa circunstância não se restringe apenas ao meio ambiente físico mais direto, mas inclui também o meio anímico, cultural, e, principalmente, o instrumento mediador entre o ser e a circunstância, que é a tecnologia, isto é, as ferramentas de possibilidades de interação simbiótica com o meio físico e mental, que permitem uma relação única, na qual um altera e influencia o outro mutuamente.
Nessa relação simbiótica entre o ser e a sua circunstância reside uma das principais particularidades dos seres humanos. Nossa relação com o meio permite, ao mesmo tempo, nossa elevação física e espiritual e nossa destruição total e completa. Trata-se de um equilíbrio delicado, em que qualquer alteração mínima nos termos dessa relação pode trazer consequências imprevisíveis.
A história humana registra momentos-chave, em que uma alteração aparentemente superficial do nível tecnológico terminou por provocar uma mudança tão profunda nos termos da relação ser e circunstância que chegou mesmo a concretizar uma alteração – ou evolução, no sentido darwiniano do termo – da espécie. O homo sapiens não é eterno. A manutenção da sua existência pressupõe a manutenção não apenas do seu habitat, mas também a manutenção de sua forma de relacionamento específico com ele.O exemplo mais eloquente de como uma alteração tecnológica pode causar a extinção de uma espécie – ou, novamente, a evolução dela em uma nova forma de hominídeo – talvez seja o da descoberta do fogo. Acredita-se mesmo que descoberta do fogo tenha representado uma alteração tão substancial das possibilidades de relacionamento entre o ser e o meio, que chegou a provocar uma alteração da própria espécie, que deixou de ser quadrúpede e passou a ser bípede. Em outras palavras, a descoberta do fogo pode ter representado o fim do homo habilis e o nascimento do homo erectus.
A inteligência artificial, como analisamos em nosso último livro, <a style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="https://www.amazon.com.br/Centelhas-Tempestade-Diplomacia-Mundo-Transformação-ebook/dp/B09W42TTL4/ref=sr_1_1?crid=2QAH0LELOQFN4&amp;keywords=centelhas+de+tempestade+a+diplomacia+em+um+mundo+em+transformação&amp;qid=1675612769&amp;sprefix=centelhas%2Caps%2C211&amp;sr=8-1">“Centelhas de Tempestade: a Diplomacia em um Mundo em Transformação” (Saraiva)</a>, tem o potencial de representar uma revolução na relação entre o homem e a realidade tão profunda quando a descoberta do fogo. Nas últimas semanas o mundo foi tomado de assalto pela chegada do ChatGPT, cuja tecnologia de base, a IA generativa, segundo revista inglesa The Economist, <a style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="https://www.economist.com/podcasts/2022/12/27/how-the-tech-behind-chatgpt-could-change-the-world-an-updated-episode-from-our-archive?utm_medium=cpc.adword.pd&amp;utm_source=google&amp;ppccampaignID=19495686130&amp;ppcadID=&amp;utm_campaign=a.22brand_pmax&amp;utm_content=conversion.direct-response.anonymous&amp;gclid=CjwKCAiAxP2eBhBiEiwA5puhNZWuCV623WV46kjhY7JvVoZCdjfh7-thk632wIhhPFHcmOKXKCUw3RoC5T0QAvD_BwE&amp;gclsrc=aw.ds">poderia ter um impacto econômico similar ao da descoberta da eletricidade.</a> Mudanças extremamente profundas já podem ser sentidas, ao ponto de que não é exagero dizer que nos próximos 24 meses o mundo poderá se tornar irreconhecível. Não se pode prever a magnitude do impacto da nova tecnologia nem mesmo no curto prazo.
E mais do que isso. A tecnologia do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/chatgpt">ChatGPT</a> pode, como a descoberta do fogo, ter o potencial de gerar um novo hominídeo, enterrando o homo sapiens para dar lugar a um novo tipo, talvez a ser batizado de homo ciberneticus. O próprio Elon Musk já declarou mais de uma vez que <a href="https://www.businessinsider.com/elon-musk-humans-must-become-cyborgs-to-compete-with-ai-2019-8">nós já somos ciborgues mesmo</a>, dado que nossos smartphones já são quase que uma extensão de nossos próprios corpos, tão integrados e dependentes estamos da tecnologia.O risco da revolução atual é o de que se trata da primeira evolução antropológica da história da humanidade em que o hominídeo subsequente incorpora uma parte essencial que não é humana – nada menos do que a sua inteligência - e que tem o potencial de superar e de açambarcar a parte que é humana. O risco é o de adentrarmos em um processo de desumanização da humanidade, que poderá terminar com a nossa própria extinção.
O único remédio para enfrentar esse risco de destruição da espécie humana, como dissemos em nosso <a href="https://www.amazon.com.br/Centelhas-Tempestade-Diplomacia-Mundo-Transformação-ebook/dp/B09W42TTL4/ref=sr_1_1?crid=2QAH0LELOQFN4&amp;keywords=centelhas+de+tempestade+a+diplomacia+em+um+mundo+em+transformação&amp;qid=1675612769&amp;sprefix=centelhas%2Caps%2C211&amp;sr=8-1">“Centelhas de Tempestade: a Diplomacia em um Mundo em Transformação” (Saraiva)</a>, é o de adentrarmos na era da IA com uma fé redobrada em nossos valores tradicionais e religiosos mais profundos, com a certeza da necessidade de protegermos e valorizarmos o elemento de divino que todos e cada um de nós carregamos conosco, independente de raça, credo, origem ou posição social. O problema, cara leitora, é que nos tempos atuais de extremismos políticos e polarização insana, a destruição mesma dos nossos valores é o primeiro e mais premente risco. Pode o ser o prenúncio de uma destruição da própria humanidade e o da sua circunstância, o seu habitat. Esperemos que não. Vivit post funera virtus.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
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<a style="font-weight: 300;" href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A virtude sobrevive à sepultura.
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ChatGPT, inteligência artificial

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JOTA

Inteligência artificial tem o potencial de forçar a transformação do ser humano em uma nova espécie

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