Mudanças

Certidões de regularidade fiscal só poderão ser emitidas se matriz e filiais estiverem regulares

STJ alterou entendimento consolidado a respeito do princípio da autonomia jurídico-administrativa de cada estabelecimento comercial

Amanda Gomes
28/09/2019|06:32
stj, Súmulas - CPRB
Crédito STJ

A Primeira Turma do STJ julgou no último dia 27 de agosto o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.286.122 (AgInt no AREsp 1.286.122), tendo sido publicada a íntegra do acórdão em 12/09/2019.1

Trata-se de demanda que versa sobre a possibilidade de emissão de CND (Certidão Negativa de Débitos) e CPD-EN (Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Negativa) para filiais de estabelecimento comercial, quando houver débitos da matriz ou de outras filiais.

Para entender melhor o objeto desse julgamento, vamos destacar alguns conceitos.

O que são essas certidões? Quais suas finalidades?

As certidões de regularidade fiscal (CND e CPD-EN) são documentos emitidos pelos órgãos públicos com a finalidade de atestar que a pessoa física ou jurídica não possui débitos ou pendências junto a eles (certidão negativa), ou ainda, que os débitos existentes estão com a exigibilidade suspensa ou integralmente garantidos em processo de execução fiscal (certidão positiva com efeito negativo).

Elas podem ser exigidas como um dos requisitos para contratação junto ao Poder Público, mas também têm importância no setor privado, pois são sinônimo de “saúde financeira” da pessoa ou empresa. Diversos investidores, compradores de imóveis, instituições financeiros, ou mesmo na relação comprador/fornecedor, podem requerer a apresentação das certidões como forma de atestar a integridade da pessoa física ou jurídica, além de se certificarem que não há comprometimento de seu patrimônio em possíveis execuções fiscais.

Como o STJ vinha tratando o assunto?

Até o julgamento do AgInt no AREsp 1.286.122, era pacífico o entendimento da Corte de que, para fins tributários, na hipótese de existência de inscrições próprias entre a matriz e as filiais, a situação de regularidade fiscal deve ser considerada de forma individualizada, por serem considerados entes tributários autônomos.2

Tal entendimento estava baseado no artigo 127, II do Código Tributário Nacional, que trata sobre o domicílio tributário dos contribuintes nos seguintes termos:

Art. 127. Na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, na forma da legislação aplicável, considera-se como tal:

(...)

II - quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento;

O argumento da autonomia jurídico-administrativa entre matriz e filiais vinha sustentando a jurisprudência do STJ desde 20093 até hoje.

O que fez o entendimento mudar?

No AgInt no AREsp 1.286.122, a Fazenda Nacional (lá agravante) incitou a Corte a alterar seu entendimento, considerando a unidade do patrimônio da pessoa jurídica, uma vez que cada filial deriva da matriz, compartilhando do mesmo quadro societário e contrato social, não ostentando personalidade jurídica própria. Tanto é assim que, para fins de satisfação de créditos tributários, todos os estabelecimentos da pessoa jurídica compõem o acervo patrimonial da matriz, podendo sofrer constrição de bens para que a dívida seja quitada.

A Fazenda sustentou ainda que a divisão em estabelecimentos se dá com o intuito de organização da atividade negocial, e a divisão em CNPJs diferentes possui fiscalizatórios que facilitam a atuação da administração fazendária no controle de determinados tributos.

O relator do processo, Ministro Sérgio Kukina, já havia votado conforme a tese antes fixada no STJ, sustentando a autonomia entre matriz e filiais para fim de emissão de certidões de regularidade fiscal, não havendo que se falar em regularidade do grupo como um todo. Porém, o Ministro Gurgel de Faria pediu vista antes de se posicionar.

Lendo seu voto, é possível identificar que o Ministro optou por seguir corrente diversa da jurisprudência da Corte por entender ser inconsistente a adoção de uma interpretação para fins tributários e outra para fins de responsabilidade patrimonial. Ele se baseou no REsp n. 1.355.812/RS, julgado pela sistemática de demandas repetitivas, que convalida o posicionamento fazendário, afirmando que o acervo patrimonial da pessoa jurídica é composto por todos os seus estabelecimentos.

Sendo as filiais estabelecimentos secundários da matriz, não há coerência em dizer que a insolvência tributária de uma delas não interfere nas demais. Se um dos objetivos das certidões é demonstrar que a empresa não corre o risco de ter seu patrimônio comprometido durante uma execução fiscal, a certidão expedida em favor de apenas um dos estabelecimentos, quando há pendência nos outros, não reflete a realidade daquela pessoa jurídica, já que, eventualmente, todo o patrimônio (matriz + filiais) pode ser atingido em processo de execução fiscal.

O Ministro se baseou, ainda, na situação que ocorre com os municípios. Caso a Câmara Municipal possua pendências, não é possível emitir certidão de regularidade fiscal em favor do município, uma vez que a Câmara é seu órgão integrante e não possui personalidade jurídica própria, embora possuam números de CNPJ distintos.4

Foi assim que votou o Ministro Gurgel de Faria, tendo seu voto seguido pela maioria da 1ª Turma, alterando radicalmente o entendimento anterior do STJ.

O que muda?

Antes, as certidões eram expedidas considerando a individualidade do CNPJ. Por exemplo, no caso de uma das filiais possuir pendências fiscais, isso não impediria a expedição da certidão para as demais. Agora, com base no julgamento do AgInt no AREsp 1.286.122, entende-se que a certidão só poderá ser expedida caso todos os estabelecimentos daquela pessoa jurídica estejam em situação fiscal regular.

Tal medida traz maior segurança tanto para as negociações da esfera pública quanto da particular, já que será possível averiguar a realidade da situação da empresa e evitar surpresas posteriores, como possível execução fiscal de uma das filiais que atinja o patrimônio das demais.

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1Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=100396073&num_registro=201800999137&data=20190912&tipo=5&formato=PDF

2A exemplo: AgInt no REsp 1773249/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 01/03/2019; AgRg no AREsp 857.853/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe 08/08/2016

3Conforme AgRg no REsp 1114696/AM, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/10/2009, DJe 20/10/2009

4Vide AgRg no REsp 1555666/SE, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 13/06/2016

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