Rodrigo de Abreu Pinto

A presença de Anitta no conselho de administração do Nubank motivou discussões a respeito. Há poucos dias, o banco anunciou que a cantora deixou de fazer parte do colegiado após 14 meses. 
Celebridades em conselhos de administração não é novidade, em especial nos Estados Unidos. Oprah Winfrey integra o Conselho da Weight Watchers e Serena Williams da SurveyMonkey, por exemplo.  
A tendência persiste ao menos desde que estrelas como Cary Grant (Fabergé), Joan Crawford (Pepsico) e Grace Kelly (20th Century Fox) ingressaram em Conselhos a partir dos anos 50.  
Como estratégia de marketing, a eficácia é evidente – ainda mais agora. Em um mundo em que representividade se tornou palavra de ordem (ainda bem), “fazer parte” e “ter poder” se distinguem da mera participação. Ingressar no conselho de administração é bem diferente de aparecer só na propaganda.  
Da mesma maneira, não resta dúvidas de que a pouca diversidade nos conselhos é um problema. Segundo dados da B3, das 423 companhias listadas no Brasil, 37% não possuem participação feminina no conselho. A eleição de celebridades femininas, conforme os exemplos citados acima, vai de encontro a isso. 
O risco é substituir um erro por outro que possivelmente limitaria a eficiência na administração das companhias. Em que medida, afinal, a eleição de celebridades distorce a função original dos conselhos?  
A princípio, é o artigo 147 da Lei das S.A. que trata dos requisitos e impedimentos para a investidura em cargo de administração das companhias. Sendo que as condições não dizem respeito a competência técnica ou currículo do administrador, e tão somente adverte que são inelegíveis as pessoas impedidas por lei especial ou condenadas pelos crimes ali descritos (artigo 147, §1º). 
A competência técnica do administrador, por sua vez, é levada em conta em outros dois dispositivos da lei: 1) o artigo 116, §1º, d estabelece que uma das modalidades de exercício abusivo do poder pelo controlador é “eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente”; e 2) o artigo 152 determina que a assembleia deve fixar a remuneração dos administradores “tendo em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado”. 
Uma interpretação apressada pode soar que alguém sem curso de administração ou experiência prévia em companhias estaria inabilitado para exercer a função. Julgamentos da CVM sobre tais exigências estabeleceram uma interpretação mais equilibrada da Lei das S.A.  
No julgamento do <a href="https://conteudo.cvm.gov.br/sancionadores/sancionador/2016/20160412_PAS_RJ20145099.html">PAS CVM nº 2014/5099</a>, o ex-diretor Gustavo Borba ressaltou que “não cabe à CVM se imiscuir na definição da remuneração de cada administrador, nem, tampouco, avaliar a competência de experiência de cada profissional, ou sua habilidade teórica para o exercício do cargo, ressalvados casos excepcionalíssimos em que a situação de desvio de finalidade impregne a decisão de forma manifesta”. 
Pode-se dizer que a Lei das S.A., em linha com a jurisprudência, determina que o administrador deve ter aptidão para o exercício da função, mas não exige competências técnicas e/ou profissionais especificas, inexistindo uma perícia própria para avaliar se o administrador possui os meios adequados para o cargo. 
Ultrapassada a questão legal — pela qual, como se viu, não há impedimentos a celebridades em conselhos —, resta ver a questão pelo ângulo da eficiência.  
O conselho de administração, segundo a disciplina da Lei das S.A., é um órgão de deliberação colegiada e que funciona como uma espécie de mini-assembleia.  
O Conselho não é órgão em que os membros atuam sozinhos, com poderes independentes em relação aos demais, a exemplo da diretoria cujas atribuições definidas conforme os cargos (diretor industrial, financeiro, comercial, administrativo). 
A assembleia é órgão em que os membros atuam em grupo e as deliberações são tomadas em reuniões que obedecem a procedimento prescrito na própria Lei da S.A. Só assim, a deliberação do conselho de administração é colegiada — não apenas porque as vontades dos administradores concorrem para a formação da vontade coletiva, mas porque essas vontades ao final se fundem em uma só.<span data-ccp-props="{&quot;134233117&quot;:true,&quot;134233118&quot;:true,&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559738&quot;:2,&quot;335559739&quot;:2,&quot;335559740&quot;:276}"> 
Essas deliberações preenchem a competência ampla e indelegável do conselho de administração, à quem cabe, conforme o artigo 142, 1) fixar a orientação geral dos negócios da companhia; 2) eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribuições; 3) manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria; 4) manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, entre outras.  
Tamanhas atribuições são proporcionais a responsabilidade que tem o administrador. Não se exige obviamente que seja expert em tudo, mas que uma vez eleito vá em busca de mínimos conhecimentos para aprovar os balanços, entender os relatórios e, assim, adquirir instrumentos para exercer adequadamente sua função de fixar a estratégia geral dos negócios.   
Ainda faltam estudos para medir como se deu a participação de celebridades em Conselhos de Administração. Mas é justo refletir se as celebridades reúnem condições adequados, em especial tempo, para o exercício das funções.  
O <a href="https://conhecimento.ibgc.org.br/Paginas/Publicacao.aspx?PubId=21138">Código de Melhores Práticas do IBGC</a> recomenda, dentre outras coisas, que o administrador dedique tempo à sua função e não somente à participação em reuniões. No <a href="https://blog.nubank.com.br/anitta-embaixadora-global-nubank/">comunicado</a> que divulgou o desligamento de Anitta, o Nubank ressaltou que a agenda da artista não era compatível com o exercício da função.  
Uma alternativa que alia o potencial que as celebridades podem acrescentar às companhias e o funcionamento eficiente dos Conselhos de Administração é que celebridades ocupem posições em órgãos técnicos e consultivos das companhias, como os chamados comitês. 
 Os comitês são órgãos de aconselhamento que assessoram o conselho de administração com observações e análises para que os conselheiros tomem as medidas que entendam adequadas. Ao contrário do prisma global da atuação dos conselheiros, os membros de comitês se encarregam de questões específicas como meio ambiente, marketing, relação com o consumidor – a respeito das quais os administradores não estão obrigados a seguirem as recomendações, mas que precisam levar em conta pelo caráter especializado das orientações.  
Nas palavras do ex-presidente da CVM, <a href="https://www.amazon.com.br/Governan%C3%A7a-Corporativa-Retrocessos-Maristela-Rossetti/dp/8576748703">Marcelo Barbosa</a>, “a razão de ser dos comitês é a expectativa de ganho de eficiência nos trabalhos do órgão assessorado (conselho de administração ou diretoria), como resultado do maior foco e dedicação que um grupo menor de pessoas emprega ao tema específico do comitê”.  
Os comitês estão previstos pelo artigo 160 da Lei das S.A., que prevê a criação de órgão técnicos e consultivos “com funções técnicas ou destinados a aconselhar os administradores”. O artigo 160 é objetivo e tão somente prevê a criação dos comitês, além de delimitar suas funções e submeter os integrantes ao regime de deveres e responsabilidades aplicável aos demais administradores, conferindo flexibilidade para a composição desses órgãos.  
Se a presença de celebridades se justifica pelos interesses econômicos em causa, resta entender que o funcionamento eficiente das companhias tem como pressuposto a distribuição de cargos e funções com atribuições próprias. A depender do caso concreto, a celebridade pode auxiliar melhor estando nesse ou naquele órgão.

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JOTA

Em que medida a eleição de famosos distorce a função original desses colegiados?

Celebridades em conselho de administração

Conselho de Administração: em que medida, afinal, a eleição de celebridades distorce a função original dos conselhos?