Roberta De Rosis

A 5.ª Câmara de Coordenação e Revisão - núcleo de Combate à Corrupção - do MPF, no dia 20.11.2017, expediu a Nota Técnica n.º 1/2017, pela qual trouxe importantes considerações sobre o acordo de leniência e seus efeitos legais.
De acordo com o documento, foi destacado que, atualmente, existe um microssistema de combate à corrupção, composto de uma série de diplomas normativos<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a> que visam estabelecer mecanismos de sancionamento, repressão e redução da prática de condutas classificadas como corruptas e contrárias à moralidade pública. 
E um desses mecanismos adotados foi a opção pelo instrumento consensual da leniência, que possui como objetivo “viabilizar e abreviar investigações de difícil ou impossível desenvolvimento, além de desincentivar a prática de outros ilícitos, revelando importante caráter preventivo, em consonância com o princípio da eficiência.” 
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A Norma Técnica em referência, portanto, recomenda fortemente o recurso à celebração de acordo de leniência.
Com relação ao art. 17, § 1.º, da Lei de Improbidade Administrativa, o qual estabelece ser vedada a “transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput,” o documento reconhece ter havido a derrogação de tal dispositivo em função do advento da Lei Anticorrupção, pois “a adoção do acordo de leniência pela LAC, como técnica especial de investigação e meio de defesa a um só tempo, inovou a ordem jurídica e afetou todo o microssistema anticorrupção, passando a valer também para o âmbito da LIA, quando se estiver à frente de punição de pessoa jurídica, por atos lesivos à administração pública.”
A Terceira Turma do TRF4, no julgamento do Agravo de Instrumento de n.º 5023972-66.2017.4.04.0000/PR<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>, ocorrido em 22.08.2017, já havia se manifestado em estreita consonância com a recomendação do MPF. 
É preciso considerar aqui que, muito embora exista recente decisão da Primeira Turma do STJ<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a> sobre a impossibilidade de se admitir a transação em processos relacionados a atos de improbidade administrativa, aplicando-se, para tanto, o entendimento pautado na prevalência da legislação especial (art. 17, § 1.º, da Lei n.º 8.429/1992) em detrimento da norma geral (art. 26 da Lei de Introdução do Código Civil), entendo que essa deliberação colegiada não é a mais adequada, porque aplica a LIA de uma forma isolada, ou seja, não integrada ao “microssistema de combate à corrupção” e totalmente fora do atual contexto social que vivemos. 
Portanto, adotando-se como premissa o reconhecimento da existência de um microssistema de combate à corrupção, do qual a Lei de Improbidade Administrativa é parte integrante, defende-se a possibilidade da celebração de acordos também nos casos relacionados com a aplicação da Lei n.º 8.429/1992.
Diante dessa nova perspectiva, o questionamento que se faz é se essa opção também se estenderia às empresas sucessoras de pessoas jurídicas com implicações administrativas reprimidas no âmbito da LIA.
Aplicando-se a previsão disposta no art. 4.º, § 1.º<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a>, da Lei Anticorrupção, em consonância com as premissas estabelecidas na Nota Técnica n.º 01/2017 do MPF e em deliberações já verificadas do Poder Judiciário, a resposta é afirmativa. 
Seria necessário, no entanto, ponderar que, diante dos termos da fusão ou da incorporação ocorrida, nem sempre seria possível à nova sociedade empresária efetivamente cooperar com a apuração das condutas ímprobas.
E seriam inúmeras as justificativas para essa proposição, tais como: (i) o decurso do tempo da ocorrência do suposto ato de improbidade; ou (ii) diante da modificação integral do quadro de funcionários e/ou administradores que tenham participado ou tido algum conhecimento sobre o fato; ou (iii) pela total omissão da questão problemática em si no momento da operação societária etc.
Todavia, a impossibilidade material de cooperação na investigação acerca da caracterização do ato de improbidade não eximiria a sociedade empresária sucessora do dever de ressarcimento integral do dano ao erário, segundo exigência expressa do art. 16, § 3.º<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote5sym" name="sdfootnote5anc">5</a>, da Lei n.º 12.846/2013 para a celebração dos acordos de leniência.
Nessas situações, muito embora o instituto do acordo de leniência seja submetido a algumas modificações, uma vez que não seria possível, por exemplo, cumprir à risca as exigências estabelecidas no parágrafo primeiro<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote6sym" name="sdfootnote6anc">6</a> do art. 16 da Lei Anticorrupção, ainda assim a opção pelo acordo, mesmo que com outra nomenclatura ou procedimento<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote7sym" name="sdfootnote7anc">7</a>, com a nova sociedade empresária seria uma solução muito positiva tanto para o Poder Público quanto para o particular. 
Por um lado, após a objetiva verificação do dano ao erário, seria possível o imediato ressarcimento aos cofres públicos de valor passível de liquidação. Esse fator reduziria a espera do trânsito em julgado e o início da fase de cumprimento de decisão judicial para minimizar o prejuízo suportado pelo ente público por decorrência do ato de improbidade administrativa configurado.
Por outro lado, a empresa sucessora, que não possui qualquer vinculação material com o ilícito apurado, ficaria definitivamente excluída de processo judicial, retirando de sua contingência um passivo absolutamente indesejado.
Uma questão fundamental a ser levada em consideração para o fim de fomentar o interesse do particular afetado ao recurso à composição é que, diante de sua boa-fé, da isenção na participação do ato de improbidade administrativa e de sua disponibilidade em celebrar acordo relativo aos danos eventualmente ocasionados ao patrimônio público pela empresa sucedida, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade deverão ser necessariamente observados para a fixação do valor a ser restituído.
A jurisprudência e a doutrina não divergem quanto à necessidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para a fixação das sanções no âmbito da LIA em processos em curso envolvendo os infratores propriamente ditos. Logo, segundo penso, solução semelhante também deverá ser observada nos acordos a serem celebrados com as sociedades empresárias sucessoras.
Em conclusão, diante das considerações feitas no presente ensaio, defende-se a possibilidade de celebração de acordo de “leniência” por empresa sucessora de pessoa jurídica envolvida no cometimento de ato de improbidade administrativa.
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<div id="sdfootnote1">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Dentre as leis que integram o microssistema tem-se, por exemplo, o Código Penal, a Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013), a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.429/92), a Lei de Licitação (Lei n.º 8.666/93), a Lei de Defesa da Concorrência (Lei n.º 12.259/2011).
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> TRF4, AG 5023972-66.2017.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 24/08/2017.
</div>
<div id="sdfootnote3">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> AgInt no REsp 1654462/MT, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 14/06/2018.
</div>
<div id="sdfootnote4">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">4</a> § 1º Nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas nesta Lei decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados.
</div>
<div id="sdfootnote5">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote5anc" name="sdfootnote5sym">5</a> Art. 16 (...) § 3.º O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado. 
</div>
<div id="sdfootnote6">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote6anc" name="sdfootnote6sym">6</a> Art. 16 (...) § 1.º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I – a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; II – a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data da propositura do acordo; III – a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais até o seu encerramento. 
</div>
<div id="sdfootnote7">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote7anc" name="sdfootnote7sym">7</a> O art. 26 da Lei de Introdução ao Código Civil poderia ser aplicado como parâmetro para a realização do acordo entre o Poder Público e a entidade privada. 
</div>

Lawyer at his desk

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JOTA

Empresas sucessoras de pessoas jurídicas com implicações tipificadas como ato de improbidade administrativa

Celebração de acordo de 'leniência' no âmbito da LIA

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