Marcos André Ceciliano

Na última segunda-feira (23/1), o ministro Ricardo Lewandowski deferiu cautelar para suspender os efeitos da decisão normativa TCU 201/2022<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, que fixara novos coeficientes de FPM para os 5.570 municípios brasileiros no exercício 2023.
A competência do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a> para realizar tais cálculos está prevista no art. 1º, inciso VI, da sua lei orgânica (Lei 8443/92), enquanto o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), cuja distribuição é proporcional a população local, é transferência constitucional<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> que tem como fonte 22,5% do total arrecadado com o imposto de renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Os cálculos realizados pelo TCU levam em conta os dados anuais de população, fornecidos pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ibge">IBGE</a>), e devem ser entregues até o dia 31 de agosto, como prescreve o art. 101, II, da Lei 8443/92.
Como se sabe, o último censo brasileiro foi realizado em 2010 e, desde então, todos os dados populacionais foram atualizados anualmente através de estimativas, parâmetros demográficos e informações mais recentes dos registros de nascimentos e óbitos<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Haja vista que amostra não é população, e que sobre qualquer ensaio estatístico subsiste parcela de incerteza, o Congresso Nacional aprovou a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp165.htm">LC 165/19</a> para garantir um piso de segurança aos municípios, fixando a regra de que, enquanto não fosse realizado novo censo, estes teriam direito ao patamar mínimo dos coeficientes de 2018, ainda que o resultado estimado de sua população apresentasse redução.
E assim o foi até 2022, ano em que, por força da decisão do ministro Gilmar Mendes na <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6163437">ACO 3508</a>, deu-se início à coleta de dados para a publicação de novo censo demográfico.
O primeiro problema nesse processo é que os trabalhos de campo dos recenseadores tiveram início em 1º de agosto, enquanto o prazo para envio dos dados de população dos municípios ao TCU terminava em 31 de agosto.
Matéria jornalística<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> apontou, 28 dias após o início do recenseamento — ou seja, quase no prazo final de envio dos dados ao TCU — que eram muitas as dificuldades na realização dos trabalhos, desde a recusa da população em receber os recenseadores, até ameaças, agressões, roubos de equipamentos, e mesmo o atraso no pagamento dos prestadores de serviços.
Ultrapassado o dia 31 de agosto de 2022, sem o envio dos dados ao TCU, quase a unanimidade das câmaras municipais do país programaram e aprovaram seus orçamentos anuais ancoradas na previsibilidade do piso de 2018, como assegurado pela LCp 165/2019.
Foi nesse cenário que a decisão normativa TCU 201/22, publicada em 28 de dezembro de 2022 — faltando apenas três dias para o início de 2023 — causou um terremoto orçamentário em 702 municípios do país que, ao terem sua população supostamente reduzida, deixariam de contar com R$ 3 bilhões em repasses constitucionais neste exercício.
Além do prazo extemporâneo de envio dos dados ao TCU, a nota metodológica do IBGE<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> trouxe informações assustadoras sobre como se deu o censo, já que de início a metodologia previa que um “município só pode ser considerado como finalizado quando todos os seus setores já tiverem sido trabalhados e haja a indicação no sistema de que o mesmo já foi verificado e encerrado pela Superintendência Estadual”.
Quando, na prática, o que se viu foi a absoluta flexibilização da regra, constando da nota que “apenas algumas dezenas de municípios passaram por todas as etapas de verificação e poderiam, de fato, ser considerados como finalizados”.
Foi nesse cenário que a mesa diretora da Assembleia Legislativa da Bahia e o PCdoB ajuizaram as <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6548961">ADPFs 1042</a> e <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6549809">1043</a>, ambas com idêntico fundamento, causa de pedir e pedidos, quais sejam, a manutenção dos efeitos da LCp 165/2019 em garantia ao patamar mínimo do FPM de 2018 aos municípios em que fora registrada redução de população no novo censo.
Apontaram como preceito fundamental violado a autonomia municipal (art. 34, VII, “c”, CF), no ponto reflexo da entrega de receitas tributárias fixadas na Constituição (art. 34, V, “b”, CF); bem como o fato da decisão normativa ter atentado contra a segurança jurídica, haja vista as LOAs aprovadas, e da ofensa ao princípio da vedação ao retrocesso social (art. 3º, I a IV, art. 5º, § 1º, e art. 6º, todos da CF) e da definição dos limites de despesas do poder legislativo (art. 29-A, CF).
A cautelar deferida pelo ministro Lewandowski, a ser referendada pelo plenário, resolve a questão urgente do FPM já para a próxima transferência, a se realizar no dia 30, compensando inclusive os valores perdidos nas transferências dos dias 10 e 20.
Mas, o problema é muito maior, já que os dados de população do censo não só definem o FPM, mas a quantidade de vereadores nas próximas eleições, a representatividade dos estados no Congresso Nacional, e um sem-número de políticas públicas de saúde e educação pelos próximos 10 anos.
Nesse cenário, o ótimo seria que um grupo de trabalho no IBGE analisasse o que pode ser aproveitado deste censo, traçando uma estratégia de complementação das coletas, a eliminar as chicanas estatísticas que impregnaram de insegurança os resultados, a afastar em definitivo o caráter amostral — não populacional — que marcou até agora esse processo.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/01/dn-201-2022-compressed.pdf">https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A81881F85065764018563793C6600CF</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 159, I, “b”, “d”, “e” e “f”, da Constituição da República
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/01/liv100923.pdf">https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv100923.pdf</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: <a href="https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/08/29/atrasos-no-pagamento-agressoes-ameacas-roubos-e-desconfianca-censo-completa-29-dias-nas-ruas-com-problemas.ghtml">https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/08/29/atrasos-no-pagamento-agressoes-ameacas-roubos-e-desconfianca-censo-completa-29-dias-nas-ruas-com-problemas.ghtml</a>
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Disponível em: <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/01/nota-metodologica-previa-populacao-municipios-cd2022.pdf">https://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2022/Previa_da_Populacao/Nota_Metodologica_Previa_Populacao_Municipios_CD2022.pdf</a>

censo 2022 fpm

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JOTA

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