Thiago Ferreira Almeida

A cláusula da Nação Mais Favorecida (Most-Favorable-Nation - MFN) é comumente prevista nas regras multilaterais de comércio internacional. O dispositivo se encontra previsto no art. 1 do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (General Agreement on Trade and Tariffs - GATT), de 1947. O referido acordo provisório foi absorvido pelo Acordo de Marraqueche de 1994 que ampliou a regulamentação sobre comércio internacional e criou a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Dessa forma, o tratamento da Nação Mais Favorecida (MFN) dispõe que qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma parte contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produtor similar, originário do território de cada uma das outras partes contratantes.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>O dispositivo da MFN foi incorporado também no contexto dos investimentos internacionais por meio dos acordos bilaterais de investimento (Bilateral Investment Treaties - BITs) e acordos de livre-comércio, como o Acordo USMCA (United States-Mexico-Canada), de 2020, que modificou o antigo Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (North American Free Trade Agreement - NAFTA).
No acordo USMCA, o art. 14.5 dispõe sobre o tratamento da Nação Mais Favorecida estabelecendo que cada Estado-parte concederá aos investidores de outro Estado-parte tratamento não menos favorável que o fornecido aos investidores de qualquer outro Estado-parte, no que se refere ao estabelecimento, aquisição, expansão, gestão, conduta, operação e venda, ou mesmo outra disposição sobre investimentos em seu território.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
<blockquote class="jota-article__eye">Dessa forma, se um investidor estrangeiro recebe um tratamento especial por um Estado receptor de investimento, mas tal prerrogativa não é estendida a outro investidor de outro Estado-parte, o tratamento (ou cláusula) da Nação Mais Favorecida permite invocar violação do instrumento internacional e solicitar a constituição de um tribunal arbitral com o intuito de buscar reparações pecuniárias por eventual dano ocorrido.</blockquote>
Faz-se mister observar que nem todos os acordos bilaterais ou regionais de investimento incluem esse dispositivo. A exemplo, o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI) entre o Brasil e a Índia, assinado em 25 de janeiro de 2020 (ainda aguardando ratificação) não dispõe sobre MFN. O art. 5 do referido instrumento internacional somente dispõe sobre o tratamento nacional, em que regulamenta que cada Estado-parte outorgará aos investidores estrangeiros tratamento não menos favorável do que concedido, em circunstâncias similares, aos seus investidores de sua nacionalidade.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
A questão da cláusula MFN para investimentos é delicada ao observar o caso Maffezini v. Espanha. Em 1997, o investidor argentino Emílio Maffezini requisitou a constituição de um tribunal arbitral ad hoc, conforme procedimentos definidos no Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimento (International Centre for Settlement of Investment Disputes - ICSID), no que se refere a prejuízos incorridos em seus investimentos na Espanha. Com o objetivo de submeter a questão na instância arbitral internacional, Maffezini invocou a cláusula MFN do acordo bilateral de investimento celebrado entre a Espanha e Argentina em relação ao disposto no BIT assinado entre a Espanha e o Chile.
O Governo espanhol apresentou objeções preliminares indicando que litígios em sede do BIT entre Argentina e Espanha deveriam ser resolvidos primeiramente pela via judicial doméstica do Estado receptor do investimento, no caso, na corte espanhola, e posteriormente, na hipótese de não resolução do litígio, submeter à arbitragem internacional nos termos do ICSID, conforme previsto expressamente no acordo bilateral de investimento. A oposição do governo espanhol centrou-se na ausência de jurisdição de um tribunal arbitral analisar a lide alegada pelo investidor argentino antes de uma análise pela corte doméstica. O investidor argentino, por sua vez, indicou que a previsão da cláusula da Nação Mais Favorecida no BIT entre Espanha e Argentina permitia equiparar o tratamento dado aos investidores argentinos com os chilenos na Espanha, pois no BIT entre Espanha e Chile não havia a previsão de submeter a lide na corte doméstica em um primeiro momento. No BIT entre Chile e Espanha, eventual litígio seria resolvido somente pela via arbitral internacional.
O tribunal arbitral, portanto, julgou a questão preliminar pela competência de seu juízo arbitral internacional a analisar o caso, não sendo necessário submeter anteriormente à corte doméstica, em virtude da existência de BIT com terceira parte mais favorável para a proteção do investidor.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Observa-se que o tribunal arbitral aplicou interpretação extensiva do dispositivo MFN, atribuindo a sua utilização para questões procedimentais (competência jurisdicional do tribunal) além da sua costumeira utilização para questões substanciais ou materiais, a exemplo, a extensão de benefícios e condições a investidores estrangeiros de um Estado a de outro terceiro Estado.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Outrossim, a decisão arbitral permite inferir que a interpretação judicial ultrapassa eventual limite da aplicação das regras de um BIT entre os Estados-partes. A aplicação de regras previstas no BIT entre Chile e Espanha para investidores argentinos no território espanhol confronta-se com a intenção dos poderes Executivos dos Estados-partes  (Espanha e Argentina) durante a negociação do tratado, bem como imiscui-se na soberania estatal em dispor as condições e limites sobre a submissão de litígios nas cortes domésticas e na instância arbitral internacional. Além disso, observa-se que essa interpretação extensiva do tribunal arbitral pode gerar precedentes em outros casos de litígios sobre investimentos internacionais, com prejuízo para os Estados receptores de investimentos.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> BRASIL. Lei nº. 313, de 30 de julho de 1948. Autoriza o Poder Executivo a aplicar, provisoriamente, o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio; reajusta a Tarifa das Alfândegas, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1930-1949/L313.htm. Acesso em: 14 jul. 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> GOVERNMENT OF THE UNITED STATES OF AMERICA. Agreement between the United States of America, the United Mexican States, and Canada 7/1/20 Text. Office of the United States Trade Representative. Chapter 14. Investment. Disponível em: https://ustr.gov/sites/default/files/files/agreements/FTA/USMCA/Text/14-Investment.pdf. Acesso em: 14 jul. 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT - UNCTAD. Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI) entre o Brasil e a Índia. 25 de janeiro de 2020. Investment Policy Hub. Disponível em: https://investmentpolicy.unctad.org/international-investment-agreements/treaty-files/5913/download. Acesso em: 14 jul. 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> ITALAW. Emilio Agustín Maffezini v. The Kingdom of Spain. ICSID Case nº. ARB/97/7. Disponível em: https://www.italaw.com/cases/641. Acesso em: 14 jul. 2021.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> International Institute for Sustainable Development - IISD. Maffezini v. Spain. Emilio Agustín Maffezini v. Kingdom of Spain, ICSID Case No. ARB/97/7 (Decision on Jurisdiction). Disponível em: https://www.iisd.org/itn/en/2018/10/18/maffezini-v-spain/. Acesso em: 14 jul. 2021.

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JOTA

A cláusula da nação mais favorecida em acordos internacionais de investimento

O caso Maffezini vs. Espanha

A cláusula da nação mais favorecida em acordos internacionais de investimento