Tércio Chiavassa

A última semana do ano judiciário contará com um importantíssimo julgamento no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (15), quando será discutida a validade/eficácia da coisa julgada nas denominadas relações jurídicas de trato continuado, ou seja, aquelas que se sucedem/repetem no tempo.
O pano de fundo é a situação de algumas empresas (atualmente poucas, diga-se de passagem!) que obtiveram do Judiciário decisões finais reconhecendo, há mais de 20 anos, que um tributo é inconstitucional, a Contribuição Social sobre o Lucro (CSL).
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Tais decisões são do início da década de 1990. Vale mencionar que em 1992 o STF definiu que a CSL não era inconstitucional. Tal decisão é de um contribuinte específico (controle concreto de constitucionalidade).
Posteriormente, em 2007, o plenário do Supremo decidiu em controle abstrato (ADIN 15-2) pela inconstitucionalidade apenas de um dos dispositivos da lei que instituiu a CSL e que tratava de questão atinente à anterioridade da norma. A partir de então, a Receita Federal lavrou diretamente algumas autuações contra contribuintes detentores dessas decisões finais e tais exigências foram muitas vezes mantidas no final das discussões administrativas no Carf, obrigando-os a disputarem judicialmente a validade de suas decisões imutáveis.
Alguns ministros do STF já se manifestaram repudiando essa tentativa de afastar a proteção da coisa julgada, a exemplo do então ministro Celso de Mello (RE 592.912-RS).
Em 2011, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicou o Parecer 492/2011, em que trata das relações jurídicas de trato continuado e defende que da decisão do plenário do STF nas ações diretas nasceria uma nova relação jurídica que altera os limites objetivos da coisa julgada e conduziria à cessação imediata da eficácia da decisão que protegia contribuintes individuais, tornando o contribuinte devedor daquela espécie tributária.
Desse modo, afirma que houve alteração do estado do direito por força da decisão proferida na ADIN 15-2 que, na sua óptica, teria considerado constitucional a lei instituidora da CSL.
Os aspectos defendidos pela União não se sustentam. É imprescindível ter em mente que o pedido formulado na ADIN 15-2 foi julgado improcedente e, com isso, não se declarou a constitucionalidade da lei, mas apenas julgou-a “não inconstitucional”, não impedindo o STF, ao menos em tese, de reapreciar a questão com base em novos fundamentos, o que afasta a conclusão de que tal decisão seria “direito novo”.
O STF julgará os dois recursos relatados pelos ministros Barroso e Fachin (955.227-BA e 949.297-CE, ambos com repercussão geral reconhecida). É mais uma investida da Procuradoria na tentativa de afastar a eficácia da coisa julgada sem que haja atuação direta do Judiciário.
O direito já apresenta claramente a solução na hipótese de alteração de estado de fato ou direito (no caso concreto, aliás, tal alteração não ocorreu), cabendo à União propor a ação revisional prevista no artigo 505, I do CPC para legitimar os seus atos, sempre lembrando que a hipótese da revisional já seria a segunda alternativa posta à sua disposição, que na quase totalidade dos casos levados ao Judiciário não se valeu na época apropriada da primeira alternativa prevista em lei, que é a ação rescisória.
A verdade é que não há segredo, regra escondida ou solução mirabolante. A resposta está no ordenamento. É explícita no CPC (artigo 505, I). Só o Judiciário é legitimado para afastar a coisa julgada individual e somente uma ação revisional definitivamente julgada é que pode criar uma nova relação jurídica tributária entre Fisco e contribuintes. Simples assim. E isso, vale lembrar, apenas na hipótese de ter havido alteração no estado do direito, o que não ocorreu no caso da CSL, como aqui exposto.
Resta ainda saber, caso o STF entenda ter havido uma alteração no estado de direito após o julgamento da ADIN, qual seria o termo inicial da propositura dessa ação revisional. Será que ainda restaria prazo à União para fazê-lo, já que de rigor teria cinco anos a partir da decisão na ADIN proferida em 2007?
Em momentos de crise, exige-se um esforço suplementar para que se alcance o equilíbrio. Contudo, a crise apontada pela PGFN é aparente, pois a resposta é clara e expressa no CPC, que passou por profunda reforma e nesse ponto manteve o mesmo remédio desde sempre previsto nas situações em que há alteração de estado de direito, qual seja, ação revisional.
Importante ainda recordar que, ao se deparar com o tema da validade da coisa julgada sob o enfoque do Código de Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que essas decisões judiciais individuais obtidas pelos contribuintes e que afastaram a cobrança da CSL, acobertadas que estão pela coisa julgada, são imutáveis mesmo após a decisão do STF de que a lei da CSL não seria inconstitucional (RESP 1.118.893-MG).
Afinal, não há que se falar em quebra da isonomia se um contribuinte ficou inerte enquanto o outro foi ao Judiciário. O que não foi ao Judiciário será beneficiado pela sua inação quando tal direito é igualmente conferido a ambos? O direito não socorre os que dormem. Se, por um lado, o homem vive a ilusão da estabilidade, porque as relações humanas se transformam, ainda que tudo pareça igual, por outro, a vida em sociedade se tornaria insuportável sem alguma sensação de certeza, ainda mais quando construída em decisão individual do próprio Judiciário. Aliás, vivendo a pandemia da Covid-19 comprovamos a importância de termos alguma previsibilidade e a insegurança que a sua falta ocasiona na normalidade mínima da vida que se almeja.
Esperamos e torçamos para que o STF neutralize tais forças em sentido contrário e reconheça a força da coisa julgada e que a única alternativa para cessar a sua eficácia é a ação revisional expressamente prevista pelo artigo 505, I do CPC.

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JOTA

É preciso conferir eficácia às regras processuais existentes

O respeito às decisões judiciais nas mãos do STF no caso da CSL

Supremo julga nesta quarta-feira (15) eficácia da coisa julgada em relações jurídicas de trato continuado, como no caso da CSL