Eric Hadmann Jasper

Nesta semana terá se passado um mês desde que a Americanas S.A. anunciou que detectou “inconsistências em lançamentos contábeis” de aproximadamente R$ 20 bilhões. Nesse curto espaço de tempo já houve mudanças na administração da empresa com posterior afastamento da diretoria, <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/mercado/leia-a-decisao-que-impede-vencimento-antecipado-de-dividas-das-americanas-13012023">pedido de recuperação judicial</a>, recursos a Cortes Superiores em Brasília, nota à imprensa, acusações de fraude e conivência, ação civil pública contra a auditoria e até multa milionária do Procon.
Ainda é cedo para emitir qualquer juízo de valor sobre o caso, contudo, é possível afirmar que o ocorrido trouxe à tona importante discussão sobre a forma de detecção de potenciais fraudes contábeis e outros ilícitos.
Fraudes contábeis, pirâmides financeiras, evasão fiscal, corrupção, insider trading, manipulação de mercado e cartéis são ilícitos de extrema dificuldade de detecção e que geram prejuízos enormes à sociedade. Por isso, quanto antes forem detectados, descontinuados e os envolvidos punidos, melhor para a sociedade.
O Estado brasileiro conta com um caleidoscópio de ferramentas de combate a ilícitos espalhado por uma multiplicidade de agentes governamentais. Há, por exemplo, acordos de colaboração premiada, de leniência, acordos administrativos em processo de supervisão (que são simplesmente acordos de leniência do Banco Central e da CVM), termos de compromisso de cessação de prática (TCC), interceptações telefônicas, buscas e apreensões de documentos, ações controladas, acordos de não persecução penal, e outros.
Todas essas ferramentas têm uma característica comum: dependem da ação do Estado (e.g., buscas e apreensões e interceptações telefônicas) ou da interação deste com o(s) partícipe(s) da infração (e.g., colaboração premiada, leniência etc.).
Observadores externos, mas com conhecimento técnico relevante, ou observadores internos (insiders) sem participação na conduta têm poucas opções no Brasil. Podem fazer denúncias anônimas, com reserva de identidade (vide Portaria Cade 292), públicas ou serem tratados como “denunciantes de boa fé” (termo inadequado para o internacional whistleblower).
Sobre os observadores externos, vale destaque para empresas de pesquisa como a Hindenburg Research (nome inspirado no famoso desastre do balão dirigível), que tem como modelo de negócio analisar potenciais erros/fraudes e se posicionar “vendida” (short-selling). Fundada em 2017 por Nathan Anderson, a empresa teve inspiração no famoso whistleblower Harry Markopolos, analista que denunciou à CVM norte-americana o esquema ponzi de Bernie Madoff, e recentemente denunciou supostas fraudes nas empresas do bilionário indiano Gautam Adami.
Já a proteção aos observadores internos que se tornam whistleblowers avançou na última década no Brasil, mas não o suficiente.
A <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm">Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013)</a> tem um tímido incentivo à figura do whistleblower no artigo 7. O Decreto 11.129/2022, que regulamenta a referida norma, não aprofunda o tema.
O servidor público, por sua vez, tem o dever de denunciar (artigo 116, inciso VI, da Lei 8.112/1990) e apenas a proteção de não ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente pela denúncia.
A norma mais relevante sobre o tema é a Lei 13.608/2018, que trata do conhecido Disque Denúncia. A norma busca proteger o denunciante em seu artigo 4 quando prevê que “ao informante serão asseguradas proteção integral contra retaliações e isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao relato, exceto se o informante tiver apresentado, de modo consciente, informações ou provas falsas.”
A norma traz também incentivo econômico, uma vez que, também no artigo 4, prevê que União, estados, DF e municípios podem estabelecer recompensas inclusive em dinheiro. Infelizmente, esse ponto tem fraca regulamentação e clareza, algo muito distante de esforços, por exemplo, da CVM norte-americana que possui regras claras para recompensas (até 30% do valor recuperado pelo Estado) e uma estrutura específica para tratar do tema, o Office of the Whistleblower.
Na experiência norte-americana, também merece destaque as ações Qui Tam, baseadas em lei de 1863 (a False Claims Act) criada para facilitar a detecção de fraudes de fornecedores da Union Army durante a Guerra Civil. A referida norma prevê legitimidade de qualquer cidadão para propor ações em nome do Estado e receber entre 15% e 30% dos valores recuperados.
Apenas para citar breve exemplo, na década de 1990, Robert Ferro, pesquisador da empresa Aerospace Corp., contratada pela empresa TRW Inc. para vender peças para satélites, descobriu problemas nas peças e informou a empresa. Quando não houve correção pela empresa, Ferro moveu ação Qui Tam e, em 2009, a sucessora da TRW, Grumman Corp., pagou indenizações de US$ 325 milhões ao governo e USS 49 milhões para Ferro.
Depois dessa longa exposição, chega-se à conclusão de que a notoriedade do caso das Americanas pode se tornar nova oportunidade para se debater a organização da profusão de balcões de negociação de acordos com o Estado e também se aprofundar a estruturação e regulamentação dos incentivos financeiros dos whistleblowers. Talvez assim possamos detectar ilícitos mais cedo e mitigar custos à sociedade.

dólar

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JOTA

A necessidade de se regulamentar os incentivos financeiros dos whistleblowers

Caso Americanas e as ferramentas de detecção de ilícitos

Caso Americanas pode ser nova oportunidade para se debater a profusão de balcões de negociação de acordos com o Estado