Rafael Alves dos Santos

Bruno de Abreu Faria

Como foi divulgado pelo JOTA no <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/carf-sumula-agio-interno-04092018" target="_blank" rel="noopener">último dia 4 de setembro</a>, recentemente o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) editou 21 novas súmulas, revisou nove e cancelou somente uma (Súmula nº 98).
Ao revisar suas súmulas, o CARF perdeu uma ótima oportunidade de cancelar a de nº 59, a qual prevê que “a tributação do lucro na sistemática do lucro arbitrado não é invalidada pela apresentação, posterior ao lançamento, de livros e documentos imprescindíveis para a apuração do crédito tributário que, após regular intimação, deixaram de ser exibidos durante o procedimento fiscal”.
A bem da verdade, essa súmula tornou-se de observância obrigatória (vinculante) pela Administração Pública Federal, tal como previsto na Portaria MF nº 277/2018.
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Ao aplicar esse entendimento, as Delegacias de Julgamento e o CARF se escusam de apreciar os livros e documentos apresentados pelo contribuinte na fase de impugnação ao lançamento, mesmo que tal documentação demonstre cabalmente que no período autuado mediante o arbitramento do lucro ele tenha apurado prejuízo fiscal e base negativa de CSLL.
É certo, porém, que esse entendimento viola flagrantemente os arts. 3º, III, e 38, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.784/1999, os quais preveem que o administrado pode, no âmbito do processo administrativo, formular alegações e apresentar documentos, cuja observância é obrigatória pelo órgão julgador.
Aliás, o próprio Decreto nº 70.235/1972, que regula o processo administrativo fiscal no âmbito federal, prevê que a prova documental que ampara a pleito de extinção do crédito tributário deve ser apresentada na impugnação, conforme se observa do § 4º do art. 16:
“Art. 16 (...)
§ 4º A prova documental será apresentada na impugnação, precluindo o direito de o impugnante fazê-lo em outro momento processual, a menos que: (...)”
Esses dispositivos, além de encontrarem amparo nos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, moralidade, devido processo legal, ampla defesa e contraditório, respaldam-se principalmente no princípio da verdade material, segundo o qual a Administração “deve buscar aquilo que é realmente a verdade”<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>.
Sendo certo que a sistemática de arbitramento do lucro não possui caráter sancionatório, representando, inclusive, medida excepcional, conforme reconhece o Superior Tribunal de Justiça (STJ), se os documentos tidos por inexistentes e/ou incorretos pela fiscalização foram produzidos e disponibilizados pelo contribuinte no prazo para impugnação ao lançamento, o método de arbitramento perde sua razão de ser, devendo ser privilegiada sua realidade fiscal e a substância das informações por ele apresentadas.
Exatamente nesse sentido é o entendimento de ambas as Turmas que compõem a Seção de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, que se consolidou no sentido de que o art. 148 do CTN não encerra a possibilidade de prova em contrário no momento de formação do lançamento, eis que o legislador estendeu a garantia do contraditório também à ocasião posterior ao arbitramento. Nesse sentido: REsp 834.535, REsp nº 834.051 e REsp 1377.943.
A respeito da possibilidade de o contribuinte apresentar todo e qualquer documento na fase de impugnação, sobretudo quando a Administração Fazendária se utiliza da excepcionalíssima sistemática do arbitramento do lucro, oportunas são as palavras do Ministro Benedito Gonçalves, expostas nos autos do REsp nº 834.535:
“O fato de a empresa ter excedido o prazo legal concedido, antes do encerramento da ação fiscal, para suprir as omissões e regularizar a contabilidade, não se sobrepõe ao direito, legalmente assegurado, de avaliação contraditória, ainda na via administrativa. O fisco deve buscar sempre aproximar-se da realidade econômica da matéria tributável, valendo-se dos meios de pesquisa ao seu alcance. Somente quando restarem eliminadas todas as possibilidades de descoberta direta da base real do tributo, legitima-se o arbitramento.
Caso o contribuinte impugne o lançamento, corrigindo os vícios encontrados pela fiscalização e apresentando as declarações de rendimentos exigidas, a autoridade fiscal deve apreciar os documentos, a fim de verificar se têm valor probatório, condizem com as determinações legais e o montante tributável apurado está correto.”
Na prática, com o encerramento do processo administrativo sem que as Cortes Julgadoras tenham levado em consideração os documentos apresentados na impugnação, comumente o contribuinte consegue perante o Poder Judiciário a anulação das decisões administrativas e o retorno do feito à Delegacia de Julgamento para que seja prolatado um novo veredicto, dessa vez levando em consideração a documentação ignorada originalmente.
Nesse sentido foram as sentenças proferidas nos autos dos Mandados de Segurança nºs 0041228-56.2015.4.01.3300 e 0134250-81.2017.4.02.5108, prolatadas pelo Juízos da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia e da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de São Pedro da Aldeia, respectivamente.
Diante desse cenário, embora o STJ não tenha julgado a matéria utilizando-se da sistemática dos recursos repetitivos, deveria o CARF, em respeito aos princípios que norteiam Administração Pública, ser sensível ao posicionamento daquela Corte Superior e cancelar o verbete nº 59.
Além de beneficiar o contribuinte, essa medida evitaria o retrabalho de todos os envolvidos na perlenga (contribuinte, Fazenda Pública, Delegacia de Julgamento e CARF), evitando, inclusive, que mais um processo seja levado ao já assoberbado Poder Judiciário, resultando em benefício para toda sociedade.
<a name="_GoBack"></a> Se compete ao Poder Judiciário pacificar a relação entre fisco e contribuinte, não há dúvida de que cabe aos órgãos administrativos olhar com mais afinco para os precedentes judiciais, sobretudo dos Tribunais Superiores, sob pena de assoberbá-lo com questões repetitivas, fazendo com que, parafraseando Luiz Roberto Nascimento Silva, continuemos vivendo numa nação judicializada.
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<div id="sdfootnote1">
<a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Celso Antonio Bandeira de Mello, in “Curso de Direito Administrativo”, São Paulo, Malheiros, 2003, 17ª edição, p. 463.
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carf

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JOTA

Súmula nº 59 do CARF contraria a jurisprudência do STJ

Carf perdeu oportunidade de revogar súmula relacionada ao arbitramento de lucro

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