Luiz Gustavo Bichara

Mattheus Montenegro

Com o advento da Lei nº 13.988/20, no que acresceu o artigo 19-E à Lei nº 10.522/02, restou alterada a técnica de julgamento utilizada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para solucionar os casos de empate: em vez da manutenção, tem-se agora a extinção do crédito tributário.
Logo em seguida, três ações diretas de inconstitucionalidade (6.399, 6.403 e 6.415) foram ajuizadas, no Supremo Tribunal Federal, impugnando o supracitado dispositivo. O julgamento teve início na última sexta-feira (2/3), no Plenário Virtual da Corte, com o voto do relator, Ministro Marco Aurélio.
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O extenso e bem fundamentado voto conjunto, em que pese, no mérito, rejeite toda a fundamentação tecida pelos autores, identificou inconstitucionalidade formal da norma. Basicamente, parte-se da conclusão da Corte alcançada na ADI 5.127/DF, relator para acórdão o Ministro Edson Fachin, acerca do que se convencionou chamar “contrabando legislativo”. Diz o voto:
“O objeto mostrou-se único: transação extrajudicial entre União e devedores quanto a créditos tributários, com ou sem cobrança judicializada, visando encerrar ou evitar conflitos. Versou modalidade específica de extinção do crédito tributário, pressupostos, alcance, vedações e aspectos do rito a ser observado. 
Durante a tramitação do Projeto de Lei de Conversão nº 2/2020, inseriu-se previsão sem afinidade com o conteúdo, a revelar disciplina concernente à regra de julgamento no processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário. Em síntese, afastou-se do cenário jurídico o chamado voto de qualidade, em caso de empate, atribuído a representante da Fazenda Pública, no âmbito do Carf. 
Não há conexão da matéria com o texto original. O cenário é de molde a reconhecer a crise legislativa há tempos existente na frágil democracia brasileira, marcada pela opção por atalhos à margem da Constituição Federal – o que, na quadra vivenciada, tem se mostrado regra, e não exceção.”
A razão do acolhimento das ações diretas, como exposto, tem a ver com a suposta extrapolação, no âmbito do poder de emenda, do objeto da Medida Provisória 899/2019, tendo sido a emenda proposta ao texto original - do que decorreu a norma impugnada - um “contrabando legislativo” ou uma “emenda jabuti”. 
De imediato deve ser destacado que a ADI 5.127/DF, no que explicitou a compreensão da Corte sobre o “contrabando legislativo”, cuidou de hipótese bem diversa daquela revelada nestas ações. Lá, os dispositivos (a) não eram do mesmo “gênero” do direito dos dispositivos originários da Medida Provisória, (b) tampouco convergiam ao objetivo que justificou a necessidade e relevância da edição desse excepcional instrumento pelo Poder Executivo.
O ministro Edson Fachin, na ADI 5.127/DF, fez ver, no que se refere à medida provisória e ao respectivo poder de emenda, que o “fato de a Constituição admitir tal interferência no regular processo legislativo, de modo excepcional, a fim de atender demanda reputada urgente e relevante pelo mandatário do Poder Executivo, de modo algum se infere que qualquer intenção de direito novo manifestada por parlamentar tenha legitimidade para tramitar sob o mesmo regime extremamente simplificado.”
Naquele julgamento, o voto condutor fez uma extensa análise do iter procedimental ocorrido no Congresso Nacional, para concluir – no que interessa ao presente caso – que “(a)presentada matéria nova sob a forma de emenda a projeto de lei de conversão de medida provisória, e em relação a qual não conserva afinidade temática alguma, procedeu-se, efetivamente, a um redesenho abrangente e profundo da disciplina jurídica das profissões contábeis, com fortes repercussões nas vidas e nas escolhas de indivíduos, sem que a qualquer outro Parlamentar, no Senado ou na Câmara, fosse tecnicamente possível a apresentação de emenda sobre a proposta inicial.” (grifos da transcrição)
Atente-se ao ponto: o que o Tribunal interditou – aliás, com absoluto acerto, ante as consequências profundamente danosas e malferimentos democráticos – foi o acréscimo de matéria totalmente alheia ao objeto da medida provisória. 
Partindo para o caso em análise, basta analisar o objeto da medida provisória para concluir que não se aplica a acima citada jurisprudência do Tribunal: “otimizar a cobrança do crédito tributário, diminuindo a litigiosidade administrativa e judicial para permitir a concentração de esforços e recursos da Administração Tributária”.
No Congresso Nacional, o dispositivo que alterava a sistemática de resolução de desempates no âmbito do Carf foi entendido como tematicamente pertinente e juridicamente legítimo, já que efetivamente atuava para diminuição de litígios tributários e na melhora das relações entre contribuintes e Fazenda Nacional, por 50 votos a favor (maioria absoluta superior a 61%) e 28 contra.
O objetivo do presente artigo é o de demonstrar que a inserção de temas alheios ao objeto inicial da medida provisória acarreta gravíssimas consequências e complexidades democráticas, especialmente a impossibilidade de esses temas passarem pelas respectivas comissões temáticas. Não é, contudo, o que ocorre com a lei de conversão da MP 899/2019, uma vez que o texto normativo, como um todo, cuidava de temas tributários de interesse da União Federal. 
A alteração na sistemática de julgamento fiscal que, inclusive, tende a reduzir os litígios tributários judiciais, tem efetiva e inquestionável pertinência temática com a Medida Provisória nº 899/2019, já que tratam do mesmo instituto jurídico (extinção do crédito tributário), e ainda porque também funciona como incentivo à transação tributária.
A mudança da regra do voto de qualidade funciona como um autêntico complemento da norma idealizada anteriormente, que aprimora a eficácia da lei editada em comparação com a norma originária, absolutamente dentro das hipóteses de uso legítimo pelo Congresso Nacional do seu Poder de Emenda sobre as Medidas Provisórias (art. 62, §12 da Magna Carta). Essa é a única conclusão que se pode chegar da análise dessa medida provisória e dos standards constitucionais estabelecidos por esse Supremo Tribunal Federal.
Com as devidas vênias ao Ministro Marco Aurélio, espera-se que a Corte reconheça a constitucionalidade formal apontada, diante dos argumentos acima expostos, julgando improcedentes, também pelos demais fundamentos, as ações diretas de inconstitucionalidade.
** Os autores representam o Conselho Federal da OAB como amicus curiae nas ADIS 6.399, 6.403 e 6.415.
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Supremo Tribunal Federal

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JOTA

Mudança da regra do voto de qualidade funciona como autêntico complemento à Medida Provisória nº 899/2019

Carf e STF: Voto de qualidade e as ações diretas de inconstitucionalidade

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