Diogo De Andrade Figueiredo

Sarah Rodrigues da Cunha Oliveira

É um consenso entre os militantes do direito tributário que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), última instância da esfera administrativa federal, e tribunal administrativo atuante há mais de 11 anos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, vem passando por altos e baixos desde a sua criação.
Depois de um período turbulento em decorrência da Operação Zelotes, deflagrada para apurar supostas fraudes nos julgamentos realizados pelo Carf, com paralisação das sessões por quase um ano e boatos de que os dias do tribunal estariam contados, o Conselho retornou sua operação sob novas regras. E, como tudo na vida que passa por processos de transformação, a volta do Carf não ocorreu de forma suave.
<a href="https://conteudo.jota.info/carf-previsivel"><img class="aligncenter wp-image-292715 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/carf-previsivel.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Os conselheiros indicados pelos contribuintes, ingressantes sob as novas regras de admissão, iniciaram suas atividades sob enorme pressão e responsabilidade em meio a um período tido como probatório, em que os rumores de que o fim do tribunal, cujas origens remontam ao saudoso Conselho de Contribuintes, ainda era inevitável.
Com o passar do tempo, o medo de extinção ficou para trás, os excessos contidos nas regras implementadas pós-Zelotes foram aos poucos corrigidos, os novos e os antigos conselheiros passaram a julgar de acordo com a suas convicções e, pouco a pouco, a imagem do Carf, bastante arranhada em decorrência da Operação Zelotes, foi voltando à normalidade.
Enfim, o pêndulo, natural em todo e qualquer tipo de transformação, estava finalmente voltando ao centro. Até que veio a situação de pandemia do Covid-19.
Uma nova paralisação do Carf era inevitável. Com mais de um mês de processos parados, surgiram novas inseguranças relacionadas ao sistema de julgamento dos processos administrativos fiscais, dúvidas sobre a viabilidade de julgamento virtual, situação essa que acabou por afetar milhares de empresas, muitas delas auditadas e com o dever de prestar os mais variados tipos de explicação aos seus auditores independentes.
Passado o choque inicial decorrente da decretação de estado de calamidade pública pelo Governo Federal e sem a perspectiva do fim do isolamento social, foi publicada a Portaria CARF/ME n. 10.786, por meio da qual se regulamentou a realização de reunião de julgamento não presencial, por videoconferência ou tecnologia similar, para processos de até R$ 1 milhão, o que já era previsto no Regimento Interno do Carf (RICARF), porém nunca tinha sido colocado em prática.
Apesar das dificuldades relacionadas aos prazos para solicitar a retirada de pauta e para a realização de sustentação oral, que, inevitavelmente, ferem o direito de defesa e o contraditório, houve uma volta à normalidade, ainda que parcial e com valores de alçada bastante restritos.
Após o período de adaptação inicial com esse novo sistema de julgamentos, foi publicada a Portaria ME n. 296/2020 e a Portaria CARF/ME n. 19.336/2020, aumentando o valor de alçada para R$ 8 milhões, valor este aplicado para os julgamentos ocorridos a partir de setembro de 2020. Mais adiante, foi majorado novamente o valor passível de julgamento em sessão não presencial, agora para casos de até R$ 12 milhões, por meio da publicação da Portaria ME n. 665/2021 e a Portaria CARF/ME n. 690/2021.
Ocorre, no entanto, que, apesar de todas as dificuldades de manter o órgão em pleno funcionamento, desafios esses que afetam conselheiros, servidores e advogados atuantes no tribunal administrativo, o valor de alçada contido na portaria para julgamento dos processos de forma virtual tem sido interpretado por conselheiros e servidores de forma bastante peculiar, em nítida ofensa ao contraditório e direito de defesa dos contribuintes, princípios consagrados pela Constituição Federal e pela Lei 9.784/1999, norma responsável por regular normas gerais de processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
De acordo com o RICARF e as portarias que tratam sobre o julgamento de processos em sessão não presencial, o valor que deve ser levado em consideração para a determinação da realização, ou não, do julgamento virtual é o “valor original” constante no eProcesso na data da indicação do processo para a pauta, sem deixar claro, contudo, se esse valor deve considerar a multa em discussão no processo ou os juros lançados à época da lavratura do auto de infração.
A falta de delimitação e de clareza nos critérios que devem ser observados para a determinação do valor a ser considerado para julgamento em sessão virtual pelo Carf gera insegurança aos contribuintes, causa morosidade na definição da exigibilidade do crédito tributário e abre espaço para a judicialização de demandas relacionadas ao tema, tanto por parte dos contribuintes, quanto por parte da Procuradoria, as quais podem questionar a validade do julgamento ocorrido em ambiente virtual de casos com variação de valor por eventual consideração de multa e juros.
Considerando a constituição do crédito tributário e suas características, parece-nos que os valores atribuídos para as multas, que chegam muitas vezes à razão de 150% do valor do crédito tributário principal, devem ser levados em conta na determinação do valor que será considerado para a inclusão do processo em pauta de sessão não presencial.
<blockquote class="jota-article__eye">A expressão utilizada pelas Portarias na determinação do valor de alçada – valor original -, remete-nos, sem sombra de dúvidas ao valor atualizado do crédito tributário inicialmente constituído, o que incluiria juros e multa.</blockquote>
Caso não fosse assim, como ficariam os autos de infração lavrados exclusivamente para a cobrança de multa, os quais, não raras vezes, atingem cifras na casa de milhares ou até mesmo centena de milhares de reais? Estariam eles automaticamente aptos ao julgamento virtual independentemente do valor envolvido. Nos parece que não!
Neste contexto, a falta de clareza nas portarias que determinaram os valores máximos permitidos para julgamento não presencial pelo Carf, necessitam de correção, de modo a afastar qualquer margem para interpretação tendente a excluir os valores correspondentes às multas e juros constituídos do limite de alçada estipulado pelas Portarias ME n. 665/2021 e CARF/ME n. 690/2021. O subjetivismo na determinação do valor de alçada acarreta insegurança na condução dos processos administrativos, além de ferir o contraditório e o amplo direito de defesa dos contribuintes. Em tempos de pandemia, isolamento social e as consequências econômicas e sociais deles decorrentes ainda vale o ditado popular de que a “coisa ainda pode ser pior”.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O CARF surgiu com a unificação dos três Conselhos de Contribuintes então existentes, a partir da edição da Lei 11.941, de maio de 2009.  A medida decorreu de estudos que apontavam para a necessidade de eliminar redundâncias, racionalizar as atividades administrativas, otimizar os tramites processuais e imprimir maior celeridade na solução dos litígios administrativos fiscais. (http://idg.carf.fazenda.gov.br/perguntas-frequentes)

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JOTA

Causando insegurança, portarias não são claras sobre composição do valor de alçada

Carf, Covid-19, julgamentos virtuais e valor de alçada: 'pode ser pior'

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