Paulo Pereira Leite

Além das hipóteses possivelmente escolhidas pelos contribuintes para apuração do imposto de renda – lucro real e lucro presumido – uma outra forma de apuração do imposto se consubstancia na apuração do lucro arbitrado.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Esta última forma de apuração do imposto não é uma opção dos contribuintes, sendo determinada pelas autoridades fiscais caso se verifique uma das situações previstas no art. 47 da Lei nº 8.981/91<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, que, de maneira resumida, representam fatos que impossibilitam a apuração do lucro real ou a verificação da correta opção pelo lucro presumido. 
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Trata-se de verdadeira medida de exceção em que diante da impossibilidade de identificação do lucro real, as autoridades fiscais são obrigadas ao cálculo com base em critérios previstos em lei aplicados sobre grandezas conhecidas como receita bruta (regra geral), patrimônio, líquido, ativo circulante, capital etc..
No caso da regra geral, que é a apuração com base na receita bruta, a apuração ocorre de forma semelhante à do lucro presumido, com a fixação de percentuais específicos sobre a receita para o cálculo do lucro arbitrado. A fim de evitar que contribuintes obrigados à apuração do lucro real indiretamente optem pelo lucro presumido ao manter escrituração imprestável, os percentuais de presunção do lucro arbitrado são superiores aos do lucro presumido, mas, ainda assim, busca-se tributar o lucro e não a receita, inclusive para evitar questionamentos a respeito do fundamento de validade da cobrança.
Nas palavras de Ricardo Mariz de Oliveira, passa-se “(...) ao lucro arbitrado como alternativa para os casos em que, in extremis, haja total impossibilidade de determinação ou comprovação do lucro líquido, básico para o lucro real, casos em que a contabilidade é desclassificada e o lucro tributável é arbitrado por critérios previstos na lei.”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
No caso específico desse estudo, pretendemos analisar uma das principais causas de arbitramento do lucro, aquela prevista no art. 47, II, “b” da referida Lei nº 8.981/91, caracterizada pela existência de indícios de fraude, erros ou deficiências na escrituração que a tornem imprestável para a determinação do lucro real. É o caso, por exemplo, da glosa de custos e/ou despesas em razão da imprestabilidade da documentação apresentada em montante considerado expressivo, tornando inviável a apuração do lucro real.
Nesse sentido, a 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara Ordinária da 1ª Seção de Julgamento do CARF<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> decidiu ser causa para o arbitramento do lucro a glosa substancial ou expressiva dos custos do período:
“OBRIGATORIEDADE DO ARBITRAMENTO GLOSA SUBSTANCIAL DOS CUSTOS DO PERÍODO
Não é cabível o lançamento pelo regime do lucro real, se a Fiscalização glosou montante expressivo dos custos do período. Nesse caso, impõe-se o arbitramento do lucro.”
(Acórdão nº 1401-002.162; Rel. Guilherme Adolfo dos Santos Mendes; Sessão de 19 de fevereiro de 2018 – destacou-se)
No caso analisado, considerou-se como substancial a glosa de 73,5% dos custos do período e demonstrou-se que o lucro real apurado após a glosa seria superior ao lucro arbitrado com base na receita bruta, de forma que deveria prevalecer a sistemática do lucro arbitrado.
De forma semelhante, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção manteve lançamento para exigência de IRPJ e CSLL de acordo com o lucro arbitrado em caso em que houve a glosa de 60% dos custos do período com base em indícios de fraude nos lançamentos contábeis (Acórdão nº 1301-003.824; Rel. Amélia Wakako Morishita Yamamoto; Sessão de 17 de abril de 2019).
Em outros casos em que não houve a indicação do percentual da glosa, a 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento entendeu ser cabível o arbitramento em hipótese de glosa da quase totalidade dos custos (Acórdão nº 1302-003.012, Rel. Flávio Machado Vilhena Dias; Sessão de 15 de agosto de 2018), mesmo entendimento defendido pela 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção (Acórdão nº 1301-003.503; Rel. Nelso Kichel; Sessão de 21 de novembro de 2018).
De forma distinta, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção do CARF entendeu em um caso em que os custos glosados foram de 30% dos recursos financeiros movimentados no período que o percentual da glosa que não seria representativo o suficiente ao ponto de justificar o arbitramento do lucro (Acórdão nº 1402-002.459, Rel. Leonardo de Andrade Couto; Sessão de 11 de abril de 2017).
Este entendimento também foi defendido pela 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do CARF, que entendeu pela manutenção de lançamento para exigência de IRPJ e CSLL com base no lucro real em situação em que houve a glosa de aproximadamente 30% das despesas e 10% dos custos do contribuinte no período com base nos fundamentos de que: a) a glosa de apenas parte dos custos e despesas não constitui hipótese para o arbitramento; e b) o arbitramento é hipótese excepcional de tributação, não podendo ser utilizado como instrumento de defesa do contribuinte (Acórdão nº 1201-002.685, Relator Luis Henrique Marotti Toselli, Redator Designado Allan Marcel Warwar Teixeira, Sessão de 12 de dezembro de 2018).
A partir dos casos analisados, verifica-se, de um lado, o entendimento de que a glosa substancial ou expressiva de custos e despesas de contribuinte que havia optado pela apuração do IRPJ pelo lucro real é hipótese que justifica o arbitramento e, de outro lado, o entendimento de que a glosa apenas parcial não enseja autorização para as autoridades fiscais arbitrarem o lucro.
A dúvida que remanesce após a análise dos casos acima apontados é a seguinte: a partir de que momento a glosa deixa de ser parcial e passa a ser substancial? Se a glosa de 30% dos custos e despesas é apenas parcial e a glosa de 60% já se considera substancial a ponto de justificar o arbitramento, o CARF deixa margem para uma zona cinzenta em caso de glosa entre os percentuais acima, além de não esclarecer se os percentuais se alteram conforme a atividade desempenhada pelo contribuinte.
Apesar disso, muito embora a menção ao percentual de glosa tenha sido utilizada para o fim de ilustrar o entendimento defendido e justificar as conclusões alcançadas em cada um dos casos, o argumento defendido pelo Conselheiro Nelso Kichel no Acórdão nº 1301-003.503 (Rel. Nelso Kichel; Sessão de 21 de novembro de 2018) nos parece ser o mais relevante para justificar ou não o arbitramento. Naquela ocasião, afirmou o Conselheiro que
“A glosa praticamente integral dos custos e despesas haverá de ensejar quando muito a aplicação da tributação sob a forma do chamado arbitramento em face da então imprestabilidade da escrita. Nunca porém a sua glosa, sob pena da subversão do fato gerador, dentro do chamado "lucro real" onde as despesas/custos devem ser abatidas da receita, assim apurando-se a base de cálculo imponível.” (destacou-se)
Com efeito e partindo do pressuposto de que na sistemática do lucro real se busca tributar renda efetiva e não presumida, a glosa dos custos não pode ser grande ao ponto de se tributar receita ao invés de renda. Nesse sentido, mais importante do que identificar um percentual específico a partir do qual a glosa se torna substancial e justificadora do arbitramento é a demonstração de que a glosa de custos e despesas faz com que o lucro real se torne superior ao lucro arbitrado – que já tem por base altos percentuais de presunção de lucro.
Dito de outro modo, se o contribuinte conseguir demonstrar que o imposto apurado de acordo com a sistemática do lucro real após as glosas efetuadas pelas autoridades fiscais supera o imposto eventualmente exigido com base no lucro arbitrado, demonstra-se, por consequência, que a exigência perde sua natureza de imposto sobre a renda, e passa-se a cobrar um imposto sobre receita, que não possui fundamento de validade.
O que se vê, portanto, é que a falta de critérios objetivos pelo CARF gera insegurança nos contribuintes, sendo-lhes imposto o ônus de, no prazo de 30 dias para impugnação, reapurar o lucro real de acordo com o os critérios entendidos pelas autoridades fiscais como válidos e apurar o lucro arbitrado, muitas vezes com base em receita bruta distinta da que havia apurado, a fim de verificar a correção da base de cálculo apurada pelas autoridades fiscais, além de se defender quanto às glosas eventualmente realizadas.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=b9z7dDRHnrg
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Código Tributário Nacional
“Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.”
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> “Art. 47. O lucro da pessoa jurídica será arbitrado quando:
I - o contribuinte, obrigado à tributação com base no lucro real ou submetido ao regime de tributação de que trata o Decreto-Lei nº 2.397, de 1987, não mantiver escrituração na forma das leis comerciais e fiscais, ou deixar de elaborar as demonstrações financeiras exigidas pela legislação fiscal;
II - a escrituração a que estiver obrigado o contribuinte revelar evidentes indícios de fraude ou contiver vícios, erros ou deficiências que a tornem imprestável para:
<ol>
<li>a) identificar a efetiva movimentação financeira, inclusive bancária; ou</li>
<li>b) determinar o lucro real.</li>
</ol>
III - o contribuinte deixar de apresentar à autoridade tributária os livros e documentos da escrituração comercial e fiscal, ou o livro Caixa, na hipótese de que trata o art. 45, parágrafo único;
IV - o contribuinte optar indevidamente pela tributação com base no lucro presumido;
V - o comissário ou representante da pessoa jurídica estrangeira deixar de cumprir o disposto no § 1º do art. 76 da Lei nº 3.470, de 28 de novembro de 1958;
VI - o contribuinte não apresentar os arquivos ou sistemas na forma e prazo previstos nos arts. 11 a 13 da Lei nº 8.218, de 29 de agosto de 1991, com as alterações introduzidas pelo art. 62 da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991;
VII - o contribuinte não mantiver, em boa ordem e segundo as normas contábeis recomendadas, livro Razão ou fichas utilizados para resumir e totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no Diário.
VIII – o contribuinte não escriturar ou deixar de apresentar à autoridade tributária os livros ou registros auxiliares de que trata o § 2o do art. 177 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e § 2o do art. 8o do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977.”
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo, SP: IBDT, 2020 – v. 1, p. 532
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> De forma semelhante, no Acórdão nº 1401-001.727, de 15/09/2016, a mesma Turma entendeu pela nulidade do lançamento pelo lucro real em razão da necessidade de arbitramento quando houve glosa de 70% dos custos do contribuinte.

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JOTA

A Lei 8.981/91 apresenta fatos que impossibilitam a apuração do lucro real ou verificação da correta opção pelo lucro presumido

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