Adriana Ventura

A pandemia de Covid-19 não só mostrou a fragilidade humana frente a um vírus letal, mas também colocou luz sobre uma questão urgente, porém, encarada de forma velada pela sociedade brasileira: a violência contra crianças e adolescentes.
Em 2021, entre os dias 1º de janeiro e 12 de maio, o Disque 100 registrou mais de 6 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no país. Esse número não representa a totalidade dos casos, já que há considerável subnotificação. Especialistas apontam que mais de 80% dos casos de abusos contra crianças e adolescentes acontecem dentro de casa, lugar que deveria ser de segurança e amor. E o pior: envolvendo pessoas da família.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>No campo digital, a organização não-governamental Safernet Brasil, que possui linhas diretas para denúncias e também para dar apoio às vítimas de violações de direitos humanos na internet, registrou este ano um aumento de quase 30% de denúncias de material (vídeos e fotos) de exploração e abuso infantil na internet relacionados a páginas únicas ou URLs únicas em comparação ao ano passado.
A tendência no aumento de produção e circulação deste tipo material criminoso é global e está atrelada aos efeitos da pandemia de Covid-19. Especialistas apontam entre as razões para este aumento o fato de que as vítimas tiveram de conviver com seus agressores nos últimos 18 meses de pandemia.
<blockquote class="jota-article__eye">Sendo agravantes: o fechamento das escolas, a redução da capacidade de resposta de agentes públicos e o maior tempo de conexão à internet de crianças e adolescentes sem o necessário acompanhamento das famílias.</blockquote>
Os números são alarmantes e demonstram a necessidade urgente de respostas eficientes. Empresas do setor, como Facebook e Instagram, empregam tecnologias de ponta como inteligência artificial e aprendizado de máquina para detectar antecipadamente nudez infantil e conteúdo de exploração infantil anteriormente desconhecidos ou não identificados previamente, bem como interações inadequadas de adultos com adolescentes, também conhecidas como "grooming" ou "aliciamento".
E investimentos em campanhas educativas, como a lançada em maio deste ano: "Denuncie. Não compartilhe". A campanha foi uma parceria da Safernet com o Facebook para promover a conscientização sobre a importância de denunciar conteúdo de abuso e exploração sexual infanto-juvenil.
Um modelo regulatório que vise incentivar que empresas de tecnologia possam continuar a inovar no combate e prevenção do material de abuso sexual infantil é desejável.
Nesse sentido, exemplo interessante de regulação são os Princípios Voluntários para Combater a Exploração e Abuso Sexual Infantil Online, que mostram como governos e empresas podem trabalhar juntos para combater a exploração sexual infantil online.
A iniciativa foi anunciada em março do ano passado pelos governos dos Estados Unidos, Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido e desenvolvida em consulta com várias empresas do setor de tecnologia, incluindo Facebook, Google, Microsoft e Twitter. Esses princípios têm como objetivo fornecer uma estrutura consistente e de alto impacto para atores da indústria. Estrutura que é, ao mesmo tempo, flexível e pode ser aplicada em diferentes serviços.
Contudo, esses esforços devem ser acompanhados de efetivas políticas públicas de prevenção, para evitar que casos de abusos ocorram, bem como para promover a devida assistência às vítimas. E esse trabalho começa pela educação de qualidade.
A educação tem o poder de transformar vidas. E é por isso que defendo, por meio do Projeto de Lei 5594/20, proposto por mim em conjunto com as deputadas Paula Belmonte (CIDADANIA/DF) e Aline Sleutjes (PSL/RJ) e o deputado Peternelli, o enquadramento da educação como atividade essencial durante as medidas para combate a pandemia de Covid-19, considerando também o papel essencial que a escola tem na proteção de crianças e adolescentes.
Relatório do UNICEF sobre a prevenção ao abuso sexual infantil aponta as intervenções de educação como um componente crucial de uma abordagem multidisciplinar. Este mesmo relatório analisa programas de prevenção efetivos em diversos países: o mecanismo mais adotado é a capacitação de professores para ensinar as crianças sobre o uso seguro da internet.
Em países como o Reino Unido, Canadá e Estados Unidos, são cada vez mais comuns os programas de conscientização de crianças e pais sobre os perigos do aliciamento online por abusadores sexuais de crianças.
Um exemplo legislativo interessante nesse sentido na América Latina é o da Argentina, que promulgou em novembro de 2020 o Programa Nacional de Prevenção e Conscientização de Grooming ou Cyberbullying. Seu principal pilar é a educação e capacitação de educadores de todos os níveis do setor público e privado, bem como campanhas de conscientização e informação para prevenção e denúncia.
Esta estratégia parece muito acertada, considerando que oito em cada dez casos de crianças argentinas vítimas de abuso sexual são identificados na escola, ou seja, os educadores têm papel fundamental em ajudar a interromper o ciclo de violência.
Por sua vez, em maio deste ano, o Brasil editou Decreto criando o Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Contra Crianças e Adolescentes, unindo esforços de múltiplos atores do sistema de proteção a crianças e adolescentes, dentre eles, sociedade civil, conselhos tutelares, delegacias e juizados especiais.
O Programa apresenta ações como campanhas educativas para conscientização sobre violência; intercâmbio de conhecimento e informações para desenvolver estratégias colaborativas; desenvolvimento de projetos e programas para orientação e atendimento psicossocial de crianças e adolescentes vítimas de violência, entre outros.
Quanto aos programas de prevenção liderados pelo Terceiro Setor, temos no Brasil bons exemplos que contam com o apoio do setor privado, como o programa Crescer sem Violência, que capacita a rede pública de ensino, bem como crianças, adolescentes e suas famílias para prevenir e enfrentar as múltiplas formas de violências contra crianças e adolescentes, incluindo a violência sexual. Outro programa que vale mencionar é o Cidadão Digital, que atua educando adolescentes da rede pública de todo o país em atividades sobre segurança na Internet.
O abuso sexual infantil é um crime abominável, que deixa marcas para sempre na vida da vítima. Jack Shonkoff, pesquisador de Harvard, afirma: "Experiências negativas durante a infância podem enfraquecer a estrutura cerebral e levar a efeitos desfavoráveis que duram até a vida adulta".
Não podemos mais tolerar que o abuso exista e se perpetue. E devemos pensar em soluções eficientes e perenes. É essencial olhar para os bons exemplos de prevenção e combate, e implementar mais medidas preventivas. Como completa o cientista Jack Shonkoff: “O ingrediente mais importante para o desenvolvimento infantil é o carinho".
Que possamos proteger e transformar radicalmente a realidade de nossas crianças por meio deste caminho.
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