Rodrigo da Silva Alves dos Santos

Em 2019, o Comitê de Concorrência da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/OCDE">OCDE</a>) emitiu relatório no qual trouxe recomendações das mais diversas para a legislação e política de concorrência brasileiras.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
No prefácio do documento, o Comitê esclarece que o relatório é fruto de revisão por pares requerida pelo Brasil como parte do processo de se tornar membro associado do referido Comitê. Nessa toada, recentes decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cade">Cade</a>) mostram que a autoridade concorrencial parece estar focada em implementar boa parte das recomendações relativas à aplicação de sanções mais gravosas aos indivíduos condenados por condutas anticompetitivas.
Sobre o tema, o Comitê da OCDE emitiu três recomendações relevantes ao Cade: (i) garantir que as sanções a práticas anticompetitivas sejam suficientemente dissuasórias; (ii) vincular a multa aplicada a pessoas físicas com a respectiva renda; e (iii) incluir a proibição de exercer funções de administrador como uma das sanções aplicáveis. Em julgado recente, o Cade impôs sanções que abarcam as três recomendações, demonstrando o maior rigor com o qual deverá lidar com indivíduos que pratiquem condutas anticompetitivas.
A Lei de Defesa da Concorrência (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm">Lei 12.529/2011</a>) estabelece que as multas aplicadas a administradores devem ser fixadas entre 1% e 20% daquela aplicada à empresa multada na investigação. Até recentemente, administradores condenados pelo Cade por prática de cartel eram condenados, em regra, ao pagamento de multas equivalentes a 15% da multa aplicada às empresas, sem que fossem feitas maiores considerações a respeito de elementos mitigadores ou majorantes das multas.
Não obstante, vem se consolidando no Cade nova forma de dosimetria da multa a administradores, estabelecendo como a base para o cálculo o percentual sobre a multa aplicada à empresa, ajustada conforme os rendimentos e patrimônio do investigado no ano anterior ao julgamento. A título de exemplo, em recente julgamento envolvendo investigação de cartel no setor de revenda de combustíveis em Santa Catarina,<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> a multa aplicada pelo tribunal a um dos investigados foi aumentada em 24% (de aproximadamente R$ 1,8 milhão para aproximadamente R$ 2,25 milhões). Na mesma ocasião, o Cade aplicou a dois dos investigados a sanção de proibição de exercer o comércio pelo período de cinco anos, sanção essa que, segundo o conselheiro Victor Fernandes, citando trabalho de Giovana Vieira Porto, fora aplicada em apenas três ocasiões até então.
De forma mais específica, esclareceu o conselheiro que, na sua visão, a sanção aplicada aos investigados proibiria que, pelos próximos cinco anos, constituam empresas em nome próprio ou exerçam cargo de administrador em sociedades uni ou pluripessoais. Na ocasião do julgamento, os conselheiros pontuaram a importância de refletirem muito antes da aplicação de sanção tão gravosa sobre os investigados, mas justificaram sua aplicação com base em diferentes bases: ainda que tenha sido uníssona a indicação de que a conduta seria de alta reprovabilidade, justificou-se a sanção sob argumentos de que (i) a prática teria ocorrido em mercado objeto de várias investigações anteriores pelo Cade (ainda que não contra os mesmos indivíduos); (ii) seria altamente provável que os investigados, se figurassem como administradores de outras empresas, praticariam novamente infrações à ordem econômica; (iii) um dos investigados figuraria no polo passivo de outras investigações no âmbito do Cade.
Como se vê, as justificativas trazidas para justificar a aplicação dessa sanção excepcional não são objetivas, sendo inclusive questionável se não contrariariam o princípio da presunção da inocência, ao pressupor condutas ilícitas futuras dos investigados. A esse respeito, destaca-se que a Lei de Defesa da Concorrência prevê sanção mais gravosa a investigados reincidentes, instituto que muito excepcionalmente é usado pelo Cade – o que, por si só, apontaria para uma aparente aplicação suficiente das multas impostas pela autoridade concorrencial.
O aparente movimento do Cade no sentido de aplicar sanções mais gravosas a indivíduos condenados por práticas anticompetitivas certamente será testado perante o Judiciário e será importante acompanhar os desdobramentos que daí surgirão. Até lá, reforça-se a importância de treinamentos sobre Direito Concorrencial a administradores e empregados das empresas e de que o Cade motive suficientemente sua guinada jurisprudencial, dando aos administrados maior segurança jurídica.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> OCDE (2019), Revisão por Pares da OCDE sobre Legislação e Política de Concorrência: Brasil, disponível em <a href="https://www.oecd.org/daf/competition/oecd-peer-reviews-of-competition-law-and-policy-brazil-2019.htm">https://www.oecd.org/daf/competition/oecd-peer-reviews-of-competition-law-and-policy-brazil-2019.htm</a>, acessado em 21 de agosto de 2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Processo Administrativo 08700.005639/2020-58.

Fotos produzidas pelo Senado

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JOTA

Movimento certamente será testado perante o Judiciário e será importante acompanhar seus desdobramentos

Cade sinaliza maior rigor na punição de envolvidos em condutas anticompetitivas

Movimento do Cade certamente será testado perante o Judiciário e será importante acompanhar os desdobramentos que daí surgirão