Ana Paula Guimarães

A reação de lutar ou fugir – que, no inglês, vem bem resumida pela máxima “fight or flee” – foi descrita no campo das ciências naturais como um mecanismo não racional de resposta dos animais em situações de estresse agudo.
No antitruste, o tratamento de mercados digitais também tem colocado pressão sobre as autoridades de defesa da concorrência. Evitando a proposição binária de fugir ou lutar, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), na busca por saídas racionais e razoáveis, parece ter forjado um caminho do meio.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Entender a importância dos mercados digitais para o antitruste é quase intuitivo: na atualidade, as atividades econômicas, em grande parte, são viabilizadas pela infraestrutura e mecanismos desenvolvidos por redes de computadores, que vão desde os serviços bancários utilizados por agentes de comércio tradicionais, até a criação de novos modelos de negócio com insumos e produtos exclusivamente digitais.
Além disso, relatórios da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) confirmam o que já era uma percepção comum: a pandemia de Covid-19 ampliou o movimento de transição das atividades econômicas e laborais e do fornecimento de serviços para os ambientes virtuais.
Ocorre que o crescimento dos mercados digitais se dá em ritmo muito mais rápido do que a capacidade da burocracia estatal de atualizar seus mecanismos de disciplina desses fenômenos. Paralelamente, cobra-se com urgência das autoridades antitruste um plano de atuação para esses mercados, evitando situações de abuso, como a reconhecida pela Autoridade Alemã no caso Facebook.
<blockquote class="jota-article__eye"><a href="#_ftn1" name="_ftnref1"></a>E é daí que surge o dilema: como devem atuar as agências antitruste para evitar, no meio digital, a consolidação e o exercício do poder econômico que representante prejuízo à sociedade?</blockquote>
A premência do debate tem levado a pensamentos dualistas: alguns pela intervenção a qualquer custo e outros advogando pela deferência – e quase abstenção – das autoridades antitruste.
Ilustrando a situação de forma caricata, vislumbram-se dois extremos: para aqueles que acreditam que fugir é a melhor opção, a inexistência de um conhecimento pleno sobre o funcionamento e consequências advindas da intervenção antitruste nos mercados digitais é argumento suficiente para evitar a atuação das Autoridades.
Já os defensores da luta a qualquer custo entendem que uma intervenção em condições não ótimas, ainda assim, é melhor que deixar sem rédeas o crescimento desses mercados e a utilização do poder econômico a eles associados.
Nenhum dos lados, no entanto, oferece resposta adequada. Fugir não é uma opção: ainda que os mercados digitais tenham atributos próprios que não são perfeitamente compreendidos e endereçados pelo instrumental tradicional do Direito Antitruste, é preciso reconhecer que muito já se avançou no estudo da economia e esse ferramental pode – e deve – ser apropriado nas análises antitruste. É reconhecendo esse ponto que o Cade tem investido na formação de seu corpo técnico, com iniciativas de capacitação específica em mercados digitais.
Excessos interventivos também não são verdadeiramente uma opção para enfrentar o problema. Nossa moldura jurídica para a atividade administrativa – que inclui desde os princípios que regem a Administração, no caput do art. 37, da CF/88 até as inovações da Lei da Liberdade Econômica – é cada vez mais clara sobre a necessidade de razoabilidade na atividade do administrador, impondo inclusive um exercício consequencialista quanto às medidas empreendidas pelos gestores que possam gerar prejuízo aos particulares. Há espaço para a luta, mas desde que racional e dentro dos contornos da juridicidade.
É evitando os dois extremos não racionais que o Cade parece guiar sua atuação.  A agência não foge do enfrentamento: no campo da atividade repressiva, já foram abertos processos para investigar, por exemplo, práticas do Google (caso do scrapping de notícias<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, do Google Shopping<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> e da denúncia feita pelo Yelp<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>) e de plataformas digitais com aplicativos de entrega e serviços (como Uber<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> e iFood<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>).
A abertura dos processos, no entanto, não significou nenhuma tomada de decisão açodada: ao contrário, a autoridade tem investido na instrução e colheita de provas, mantendo sempre seus padrões de análise e requisitos de comprovação de dano para a condenação.
É oportuno destacar que, no caso iFood, a utilização, pela autoridade, de uma medida preventiva, de caráter precário e acautelatório, ilustra bem a tônica de suas decisões: não há que se falar em omissão, mas a intervenção tem sido feita com parcimônia, evitando prejuízos sejam resultantes da falta de ação ou da adoção de medidas com caráter irreversível.
Em conclusão, a Autoridade brasileira não ignora seus desafios, mas também não parece se deixar intimidar a ponto de adotar decisões irracionais, como ilustrado pelo fugir ou lutar.
Em problemas tão complexos, a autoridade entende que soluções binárias não oferecem respostas satisfatórias. O caminho do meio, por sua vez, constrói-se com a abertura de diálogo com as partes, com a busca por informações que subsidiem a tomada de decisão, com a capacitação de profissionais e, também, com o reconhecimento das limitações da atuação antitruste.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt;https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2020-06/tribunal-alemao-retoma-restricoes-ao-facebook-sobre-coleta-de-dados&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: &lt;https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/03/22/cade-investiga-google-desde-2019.ghtml&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: &lt;http://en.cade.gov.br/cade/noticias/processo-contra-google-no-mercado-de-busca-na-internet-e-arquivado-1&gt;.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: &lt;https://veja.abril.com.br/blog/radar/yelp-acusa-google-de-abuso-de-poder-economico-ao-cade-por-desvio-de-buscas/&gt;.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Disponível em: &lt;http://en.cade.gov.br/cade/noticias/cade-arquiva-investigacao-no-mercado-de-aplicativo-de-transporte-individual-de-passageiros&gt;.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Disponível em: &lt;https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/cade-impede-ifood-de-celebrar-novos-contratos-de-exclusividade-com-restaurantes&gt;.

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JOTA

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