Vinicius Marques de Carvalho

Recentemente, no último dia 28 de setembro, o Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) divulgou o estudo "<a href="https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-trabalho/2021/Documento-de-Trabalho_Ex-post-mergers-evaluation-Evidence-from-the-Brazilian-airline-industry-versao-final.pdf">Ex post mergers evaluation: Evidence from the Brazilian airline industry</a>", buscando analisar os efeitos (análises ex post) das operações Gol/Webjet e Azul/Trip analisadas pela autoridade em 2011 e 2012, respectivamente. Tal estudo se pauta em modelos de diferença em diferenças (DID), com base em variáveis de tarifas e assentos vendidos pelas empresas nos últimos anos.
Em linhas gerais, o estudo concluiu uma redução de 8% nas tarifas da Gol, bem como um crescimento de cerca de 38% no número de assentos vendidos, além de um crescimento de aproximadamente 27% do número de assentos comercializados pela Azul. Esses fatores indicariam uma intervenção acertada por parte do Cade no momento de análise dessas operações, dado que implicaram em ganhos de eficiência aos consumidores finais.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias"><img class="aligncenter cta-tributos size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-tributos.png" width="688" height="688" /></a>É necessário que autoridades antitruste busquem a análise ex post de seu enforcement enquanto parte do ciclo de política pública na avaliação de efeitos e impacto. Contudo, a verificação de efeitos positivos pela autoridade em estudos de casos específicos não pode implicar em uma “carta branca” para uma postura mais leniente no controle de concentrações econômicas – ressalva, inclusive, pontuada pelo próprio estudo do DEE/Cade.
Além disso, cabe notar que, a despeito da impossibilidade de comparação entre situações distintas, estudos de DID possuem em si suas limitações. Essas limitações também podem ser refletidas nas variáveis de influência de preço consideradas ou não (internas e externas) pelos estudos, nas limitações de seu escopo para outras dimensões concorrenciais e em potenciais problemas de inferência estatística, isto é, a correlação limitada entre os resultados e a concentração analisada. Nesse sentido, é interessante notar que alguns estudos analisando as mesmas operações, mas com variáveis distintas – como "<a href="https://www.ie.ufrj.br/images/IE/PPGE/disserta%C3%A7%C3%B5es/2020/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20mestrado_Leonardo_vers%C3%A3o%20final_com%20ficha_pdfa.pdf">Exame dos efeitos ex post das fusões entre Gol-Webjet e Azul-Trip no setor brasileiro de aviação"</a> – chegam a conclusões mais pessimistas sobre os efeitos das concentrações.
Essa advertência deve ser especialmente considerada em um cenário em que o setor de aviação indica se direcionar para um duopólio de fato, com a recente anunciada tentativa de aquisição da Latam pela Azul. Nesse sentido, deve-se ter em vista que inúmeros espaços de diferenças afastam o que foi a análise concorrencial das operações Gol/Webjet e Azul/Trip do que deve ser a análise de uma eventual concentração entre Latam e Azul.
Em primeiro lugar, o perfil das empresas envolvidas em Gol/Webjet e Azul/Trip era essencialmente distinto da configuração atual da Latam e da Azul. De fato, em 2011, Gol e Webjet eram ambas empresas de voos low cost, ainda que a Gol já se projetasse como player nacional, enquanto a Webjet era uma companhia aérea regionalizada. Nesse sentido, a operação foi entendida como sendo uma oportunidade, através da absorção da Webjet, de incrementar significativamente a competitividade da Gol no mercado brasileiro de aviação civil. Mesmo nesse cenário, o Cade entendeu que seriam necessários remédios à operação para impedir ociosidade na infraestrutura aeroportuária concedida à Gol, isto é, garantir a eficiência na utilização de slots e oferta de serviços a consumidores.
Paralelamente, em 2012, a Azul se apresentava como empresa regional que progressivamente foi capaz de concorrer a nível nacional. A aquisição da Trip, outra companhia aérea regional, foi uma forma de possibilitar incremento de rivalidade da Azul frente à Latam e à Gol, considerada pelo Cade como uma operação pró-competitiva. Na ocasião, a autoridade também buscou, da mesma forma, assegurar a utilização efetiva de slots adquiridos em decorrência da operação, por meio de compromissos de utilização mínima. Importante ressaltar que os remédios propostos também compreendiam uma proibição de subsistência de codeshare entre Trip e Latam, por entender que havia uma preocupação de manutenção da independência de agentes no mercado, a garantir uma rivalidade efetiva entre tais players.
Inegavelmente, a configuração atual de Latam e Azul se difere substancialmente das empresas envolvidas nas operações citadas: trata-se da segunda e da terceira companhias aéreas nacionais em número de transporte de passageiros, conforme dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), seguidas por uma franja virtualmente irrelevante de concorrentes locais. Para além de levar a constituição de um duopólio entre Gol e Azul/Latam, ainda que a Gol seja atualmente líder do mercado, a capacidade conjunta de Latam e Azul representa quase o dobro da capacidade da Gol de transporte de passageiros, de maneira a desequilibrar por completo o atual grau de rivalidade entre as empresas.
Em segundo lugar, o fato de a proposta de aquisição da Latam pela Azul configurar uma concentração três-para-dois também afasta ainda mais a operação daquelas analisadas pelo estudo do DEE/Cade – que ainda contavam com um número mais significativo de concorrentes efetivos no mercado. Nesse sentido, a constituição de um cenário de duopólio tem capacidade de aumentar significativamente riscos de coordenação – seja explícita (por meio de arranjos colusivos, como o cartel), seja tácita (por meio de paralelismo de condições comerciais entre as duas empresas restantes).
De fato, alguns estudos econômicos sustentam que mercados com baixo número de concorrentes e com informações sobre preços e condições comerciais públicas – como o mercado de aviação civil – são mais propensos à coordenação tácita que explícita, dificultando a identificação de práticas abusivas colusivas pelas autoridades antitruste em sede de controle de condutas anticompetitivas.
Em terceiro lugar, uma concentração entre Latam e Azul, dado o porte das companhias, implica possivelmente em uma maior multiplicidade de interfaces competitivas a serem analisadas – para além daquelas analisadas na ocasião de Gol/Webjet e Azul/Trip. Nesse escopo, ao longo dos anos o Cade evoluiu sua percepção acerca do setor de aviação, de maneira que mais dimensões de concorrência entre players do mercado – tais como rotas específicas afetadas, aeroportos afetados, cidades compreendidas pelas rotas de atuação das companhias, entre outros cenários – possivelmente levarão a uma avaliação mais pormenorizada pela autoridade, além da identificação de um maior nível de preocupações concorrenciais decorrentes da potencial operação entre Latam e Azul em múltiplos desses aspectos, diferentemente do ocorrido nas operações compreendidas no estudo do DEE/Cade.
Em quarto lugar, a análise de eficiências – fundamentais para aprovação de concentrações significativas apresentadas ao Cade – entre os casos passados e o caso presente igualmente constitui um espaço de grande distinção. De fato, enquanto nas operações abrangidas pelo estudo tiveram demonstrações de eficiências sólidas de pró-competitividade – como visto acima e que inclusive foram abarcadas pelos remédios aplicados pelo Cade à época –, a atual proposta de aquisição não aparenta ter potenciais eficiências alocativas ou produtivas  específicas sólidas – <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/duopolio-e-crise-no-setor-aereo-11102021">o que pude desenvolver em outra ocasião</a>.
Em qualquer cenário, é fundamental a continuidade dos esforços do Cade na identificação dos efeitos de sua intervenção sobre mercados, mas a autoridade não deve, sob qualquer hipótese, se tornar refém de casos de sucesso passados para justificar um posicionamento leniente a respeito de concentrações significativas no futuro.

azul airbus

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JOTA

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