Camilla Cavalcanti Rodrigues Cabral

Herta Rani Teles Santos

Na Arábia Saudita, apenas em 2013, a polícia religiosa permitiu que as mulheres andassem de bicicleta, desde que acompanhadas por um homem de sua família e vestidas respeitosamente. Esse seria um dado interessante, dentre tantos outros, que poderiam, eventualmente, justificar uma procura menor por bicicletas para meninas do que para meninos nas lojas (principalmente na Arábia Saudita).
Note-se que esse dado, ainda assim seria insuficiente para justificar os preços mais altos de bicicletas com cores e temas culturalmente dados como femininos em relação aos masculinos, prática comum em diversas lojas no mundo todo.
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Uma caminhada atenta pelos corredores das lojas de brinquedos de uma cidade qualquer é suficiente para reparar que, na maioria dos casos, brinquedos da mesma marca e modelo destinados ao gênero feminino custam mais do que o masculino, sejam patinetes, brinquedos em geral ou até mesmo jogos de tabuleiro. É o que concluiu um estudo do Departamento de Defesa do Consumidor (DCA) de Nova York realizado em 2015: os brinquedos destinados ao público feminino custam mais em 55% das vezes do que os masculinos.
Para roupas infantis, as das meninas custam mais do que as dos meninos em 26% das vezes.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> No Brasil, a Escola Avançada de Publicidade e Marketing (ESPM), em estudo realizado em 2018, constatou que os brinquedos femininos custam mais em 26% dos casos.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Trata-se do “pink tax” ou “tributação rosa”, já comentado aqui no JOTA pelas queridas Tathiane Piscitelli, Andréa Mascitto, Raquel Preto, Betina Grupenmacher, Catarina Rodrigues, Daniela Silveira Lara, Fernanda Ramos Pazello, Renata Correia Cubas e Renata Ferreira Leite, entre tantas outras. Para quem ainda não sabe, é o fenômeno mercadológico pelo qual os produtos dirigidos às mulheres são mais caros do que os mesmos produtos masculinos, ainda que sejam iguais e difiram apenas na cor, na propaganda ou em alguma característica mínima.
Perguntadas sobre a situação, empresas afirmam que às vezes os brinquedos das cores tipicamente masculinas são vendidos com mais facilidade e por venderem em maior número, o preço deles seria menor e as empresas teriam maior margem para negociação. Isso nos preocupa e nos coloca em dúvida sobre a realidade dessa afirmativa, já que ainda não achamos dados concretos a nos comprovar tais informações.
<blockquote class="jota-article__eye">Ademais, se isso de fato ocorre, será que os meninos teriam mais acesso ao brincar livremente do que as meninas? E se for assim, será que as empresas não poderiam justamente vender os produtos femininos com preços mais baixos para estimular pais e parentes a comprar também patinetes, bicicletas, aviões e carros para as meninas?</blockquote>
Se observarmos a neurociência, a brincadeira tem uma função imprescindível no desenvolvimento humano. Estudos com crianças privadas de brincar na infância, como aquelas inseridas em países em guerra, explicitam que a falta das brincadeiras se relaciona com a diminuição do volume cerebral, daí porque todas devem ter acesso às brincadeiras e aos brinquedos.
Especialistas ainda mostram que a verdadeira construção da igualdade de gênero começa na infância e que a diferenciação entre os brinquedos por sexo é ruim, porque cria distinções onde não deveria existir, e direciona, ainda que inconscientemente, certos tipos de brincar para meninos e meninas, limitando as potencialidades infinitas das crianças.
Questionamos, então, se estimular, por meio de produtos mais baratos, apenas os meninos não seria uma forma de aumentar o ciclo da desigualdade entre homens e mulheres, desnivelando desde a infância o acesso das meninas aos estímulos celebrais, a manter, assim, o já tão intenso circuito de disparidades entre homens e mulheres.
Você, leitora ou leitor, poderia responder: ora, é só não comprar para as meninas um brinquedo rosa ou lilás, e comprar na cor azul ou verde que o problema se resolve. Correto? Parece-nos que não.
Marciano Seabra e Vitória Soares<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> dizem que, em geral, consumidores correspondem às expectativas das indústrias e suas propagandas, assim acabam por adquirir o produto que foi idealizado para determinado sexo, quando as empresas optam por fabricar produtos diferenciados.
A opção da indústria envolve, muitas vezes, a tentativa de lucrar mais, eis que sabem que a propaganda e o produto específico para um público em especial pode resultar em mais compras do que um não direcionado. Também sabem que diferenciar brinquedos com cores e personagens tipicamente femininos e masculinos pode fazer crescer as vendas, já que famílias com duas crianças, uma menina e um menino, por exemplo, tenderiam a comprar dois produtos diferentes, um para cada um. Para os adultos a situação é a mesma, um casal tende a comprar dois produtos, um para ela e um para ele, ainda que o produto seja igual e que o casal viva na mesma casa.
A prática também atinge as prateleiras dos supermercados e das farmácias. Se observarmos os produtos femininos e masculinos, estão em locais distintos, o que dificulta a comparação de preços e de ingredientes dos produtos, sem que percebamos mais facilmente que os produtos, apesar da mesma composição, teriam preços distintos.
Se as próprias indústrias não desenvolvem produtos neutros, a aquisição de produtos femininos – mais caros – indiretamente decorre de uma imposição mercadológica. E mais, ainda que existam produtos destinados ao público feminino, seria justo que as mulheres tivessem que buscar seus produtos nas prateleiras masculinas apenas para pagar um preço menor, enquanto para os homens não há imposição equivalente?
Triste perceber que a disparidade de preços acompanha as meninas e mulheres durante todas as fases da vida. Já adultas, também encontram preços mais caros para desodorantes, shampoos, condicionadores, entre outros.
Tanto é assim que o Departamento de Defesa do Consumidor (DCA) de Nova York constatou que as roupas femininas custam mais do que as masculinas em 40% das vezes, e os produtos de cuidados pessoais femininos custam mais em 56% dos casos. Para o Brasil, a pesquisa da ESPM concluiu que os produtos femininos custam mais, respectivamente, 17% para vestuário e 4% para produtos de higiene.
As empresas fornecem como explicações possíveis para as diferenças de preços que as propagandas dos produtos femininos são mais caras, que o tempo de pesquisa dos produtos é mais longo ou que itens femininos precisam de ingredientes próprios para agradar a este público. Ainda assim, será que, na ponta do lápis, calculando-se todo o custo de produção e o número das vendas, os produtos femininos deveriam ser mais caros nas prateleiras?
A pesquisa da ESPM desmistifica essas justificativas. Inicialmente porque o estudo focou em produtos semelhantes e, conforme constatou, algumas diferenças alegadas pelas empresas não são percebidas pelas próprias mulheres. O estudo foi além. Verificou que, no varejo de supermercado, as mulheres representam quase 65% do público consumidor. Se as mulheres são maioria entre os consumidores, a alta demanda teoricamente deveria refletir em uma maior produção e na redução dos custos e dos preços. Não é o que ocorre, como visto.
Supondo, ainda, que o motivo das diferenças de preços fosse a propaganda que alguns alegam ser mais cara para as mulheres, fica um alerta para as consumidoras, para preferirem os produtos com propagandas mais baratas e não se deixarem levar pelo marketing, inclusive com atrizes e modelos que vendem padrões de beleza difíceis de alcançar e que não refletem os corpos, cabelos e vidas das mulheres cotidianas.
Nem na terceira idade, a mulher seria poupada. Os números são claros: em Nova York, o DCA constatou que os produtos de cuidados pessoais para a saúde feminina de idosas custam mais em 45% do tempo do que o dos idosos.
O que é duro de entender é que, desde o seu nascimento até a sua idade avançada, a mulher está exposta a produtos mais caros do que o dos homens. A pergunta que se faz é porque deveria ser tão mais caro ser mulher, em um mundo em que ser mulher já é tão mais difícil por várias outras razões.
Como serão os preços pagos pelas mulheres no futuro? Elas terão direito a envelhecer pagando o mesmo valor pelos produtos de saúde e de higiene que os masculinos? Será que suas filhas pagarão mais caro pelos seus brinquedos e novamente crescerão com menos oportunidades do que os meninos?
Afinal, queremos um futuro em que que os pais tenham que pagar a mais para ver suas filhas mulheres brincarem com os mesmos brinquedos dos meninos? Será que não estaria na hora de darmos preferências aos brinquedos sem direcionamento de gênero? Assim, além de meninos e de meninas poderem brincar livremente entre si do que quiserem, ainda teremos mulheres a crescer já sabendo que podem brincar  tanto quanto os homens e sonhar com o que quiserem, em um mundo mais justo e cheio de oportunidades iguais para todos, um mundo em que mulheres não precisarão pagar mais caro do que os homens simplesmente por serem mulheres.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> YAZICIOĞLU, Alara Efsun. Pink Tax and the Law : Discriminating against Women Consumers. Abingdon, Oxon [UK] ; New York, NY, 2018. PETROU, I., M.D. (2017). The Pink Tax. Dermatology Times, 38(9), 2-1,41. NYC Consumer Affairs. From Cradle to Cane: The Cost of Being a Female Consumer – A Study of Gender Pricing in New York City. Disponível em: &lt;https://www1.nyc.gov/site/dca/partners/gender-pricing-study.page&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> https://notaalta.espm.br/o-assunto-do-dia/mulheres-pagam-mais-por-produtos-rosa/
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> GODOI, Marciano Seabra; GÜNTER, Vitória Soares João. Pin Tax. Diagnóstico e combate. IN MELO, Luciana Grassano (org). Política Fiscal e Gênero. Belo Horizonte: Letramento, 2020. P. 111.

brinquedos

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JOTA

Segundo estudo, brinquedos destinados ao público feminino custam mais em 55% das vezes do que os masculinos

O que os brinquedos nos contam sobre a desigualdade entre homens e mulheres?

Segundo estudo do DCA de NY, os brinquedos destinados ao público feminino custam mais em 55% das vezes do que os masculinos