Fernanda Schramm

No final de 2021 foi publicado o Decreto 10.889/2021, que trata da divulgação da agenda de compromissos, participação dos agentes públicos federais em audiências e dos limites de recebimento de hospitalidades, brindes e presentes oferecidos por particulares. Trata-se de uma norma relevante para as políticas de recebimento de brindes e presentes e para os controles internos desenhados no âmbito de programas de compliance públicos e privados.
A promoção da atividade empresarial envolve, com frequência, o envio de brindes, presentes e hospitalidades aos clientes mais relevantes, o que pode incluir servidores estatais. Além disso, é comum a empresa patrocinar despesas e refeições de seus colaboradores e, eventualmente, de parceiros comerciais ou operacionais que os estiverem acompanhando. O problema é que a aceitação de presentes e hospitalidades é vista como uma das maneiras mais comuns de suborno e corrupção. Esse é o motivo pelo qual as definições de hospitalidade, brinde e presente veiculadas pelo Decreto 10.889/2021 são relevantes para os programas de compliance.
O inciso V do artigo 5º do Decreto 10.889/2021 define hospitalidade como a “oferta de serviço ou despesa com transporte, com alimentação, com hospedagem, com cursos, com seminários, com congressos, com eventos, feiras ou atividades de entretenimento, concedidos por agente privado para agente público no interesse institucional do órgão ou entidade em que atua”. Destaca-se a parte final do dispositivo que condiciona a hospitalidade ao interesse institucional do órgão ou entidade em que o agente público atua.
Reiterando a ressalva, o §2º do artigo 5º esclarece que os itens e despesas que forem pagos a agente público em decorrência de suas atribuições, mas que não são relacionados à representação institucional, serão considerados presentes. Significa, pois, que para ser considerado hospitalidade o pagamento de transporte, alimentação, hospedagem, curso, seminário, congresso, eventos ou entretenimentos, o agente público deve necessariamente estar representando o órgão ou entidade que atua.
Por exemplo, o caso em que um agente público que atua na área da saúde é convidado para uma feira internacional para o lançamento de um novo equipamento médico-hospitalar que pode ser utilizado no âmbito do seu órgão ou entidade, e participa do evento sem representar a instituição a qual está vinculado. Todas as despesas eventualmente pagas aqui serão consideradas presentes.
O inciso VI conceitua brinde como “item de baixo valor econômico e distribuído de forma generalizada, como cortesia, propaganda ou divulgação habitual”. A novidade consiste na atualização do valor limite de R$ 100 previsto no Código de Conduta da Alta Administração federal e comumente reproduzido nas políticas dos programas de compliance. O §4º do artigo 5º esclarece que, para ser considerado de baixo valor, o item oferecido deve ser inferior a 1% do teto remuneratório dos servidores federais, ou seja, até R$ 392,93 <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. O Decreto 10.889/2021, a exemplo do Código de Conduta da Alta Administração federal, restringe-se aos agentes públicos federais – o que não impede que sejam replicados em outras esferas de governo.
O inciso VII do artigo 5º define presentes como “bem, serviço ou vantagem de qualquer espécie recebido de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe e que não configure brinde ou hospitalidade”. A condicionante que caracteriza o presente é justamente o potencial conflito de interesse decorrente de poder decisório do agente público. É por isso que o artigo 17 veda o recebimento de presentes por agente público com poder de decisão ou que participe de colegiado com poder de decidir questão sobre a qual o ator privado possa ter interesse.
A redação do artigo 17 provoca certa confusão, abrindo margem à interpretação de que o agente público sem potencial conflito de interesse com o particular não estaria enquadrado na vedação ao recebimento de presentes. Mas se não há potencial interesse na decisão do agente público ou do colegiado do qual participa, o bem, serviço ou vantagem não se enquadraria no conceito de presente previsto no inciso VII do artigo 5º. Em uma interpretação teleológica da norma, pode-se dizer que a vedação ao recebimento de presentes se estende a todos os agentes públicos – com ou sem poder decisório que possa interessar o particular.
A vedação ao recebimento de presentes, no entanto, não compreende o oferecimento de brindes. Nos termos literais da norma o particular pode, inclusive, oferecer brindes aos agentes públicos com poder de decisão ou que participem de colegiado com poder de decidir questão que lhe interesse. A vedação é restrita aos presentes, categoria que o Decreto caracteriza por exclusão: é presente o bem, serviço ou vantagem que não configure brinde ou hospitalidade (inciso VII do artigo 5º).
O Decreto 10.889/2021 não estabelece limitação relativa à frequência na oferta de brindes, mesmo que o valor de referência seja observado. É evidente que o envio recorrente de brindes a um mesmo servidor público pode aparentar suspeição ou impropriedade. Nesse contexto, é interessante notar que a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) reconhece ser difícil imaginar um cenário em que a distribuição de xícaras de café ou itens promocionais possa caracterizar uma intenção corrupta e que a SEC ou o Departamento de Justiça iniciariam uma investigação apenas com base nessa conduta. Mas, por outro lado, o órgão adverte que certos padrões podem chamar atenção, sobretudo quando pequenos pagamentos e brindes indicam a existência de um esquema sistêmico ou de longa data de favorecimento de agentes públicos para fins privados <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
O inciso II do artigo 11 exige que toda hospitalidade e presente recebido por agente público seja registrado e publicado no e-Agendas, sistema eletrônico de agendas do Poder Executivo federal – de uso obrigatório pela administração federal direta, autárquica e fundacional, e facultativo pelas empresas estatais. O registro deve conter indicação da data, do bem, serviço ou vantagem, e do agente privado ofertante. Caso a hospitalidade seja uma viagem custeada por agente privado, deve ser registrado e publicado o objetivo da viagem, a data, o local de origem e destino, bem como o valor estimado das despesas custeadas pelo privado. Além da exigência de registro, a orientação é que o agente público recuse ou devolva imediatamente o presente ofertado. Caso não seja possível, ele deve entregá-lo ao setor de patrimônio do seu órgão ou entidade no prazo de sete dias, que adotará as providências quanto à destinação (artigo 18).
Os requisitos obrigatórios para o recebimento da hospitalidade estão disciplinados no artigo 19. Em primeiro lugar, deve haver autorização no âmbito do órgão ou entidade, considerando os riscos em potencial à imagem da instituição. Além disso, os itens e despesas com hospitalidade devem ter valor compatível com os padrões adotados pela Administração Pública Federal em serviços semelhantes e hospitalidades ofertadas a outros agentes públicos nas mesmas condições. A ideia é que haja um padrão minimamente objetivo, para evitar favorecimentos pessoais.
Por fim, o §3º do artigo 19 estabelece que o particular pode fornecer a hospitalidade pagando o prestador de serviço ou restituindo diretamente o agente público, remunerado com “valores compensatórios” sob a forma de diárias ou ajuda de custo, desde que tal pagamento seja autorizado pela autoridade competente. O artigo 20 esclarece que o ressarcimento é restrito a eventuais despesas do agente público, sendo vedado a remuneração pela pura e simples representação institucional. Nos termos do parágrafo primeiro, eventuais valores decorrentes da participação em palestras ou painéis devem ser revertidos pelo organizador do evento em inscrições para outros agentes públicos.
A norma não exige que o agente público apresente comprovantes de despesa que justifiquem o pagamento de valores compensatórios pelo agente privado, o que pode gerar questionamento por parte dos órgãos de controle. Embora o tema possa vir a ser disciplinado pela CGU, nos termos do artigo 21, o ideal é que tanto as empresas quanto os agentes públicos assegurem o registro histórico de todas as tratativas relacionadas ao oferecimento de hospitalidades, bem como das despesas a serem eventualmente ressarcidas.
De forma sistematizada, seguem as definições previstas no Decreto 10.889/2021:
<table>
<tbody>
<tr>
<td width="83"></td>
<td width="152">Definição legal</td>
<td width="123">Limitação</td>
<td width="207">Requisitos </td>
</tr>
<tr>
<td width="83">Hospitalidade
(artigo 5º, inciso V) </td>
<td width="152">Oferta de serviço ou despesa com transporte, alimentação, hospedagem, cursos, seminários, congressos, eventos, feiras ou atividades de entretenimento, concedidos por agente privado para agente público no interesse institucional do órgão ou entidade em que atua.</td>
<td width="123">Deve, necessariamente, estar vinculada à representação institucional do agente público. Se não houver representação institucional, a hospitalidade será considerada presente.</td>
<td width="207">·  Autorização pelo órgão ou entidade
·  Compatibilidade com os padrões adotados pela Administração e com hospitalidades ofertadas a outros agentes públicos nas mesmas condições;
·  Registro no e-Agendas com indicação de data, bem, serviço ou vantagem, origem, destino e estimativa de despesas com eventual viagem e do particular que formalizou a oferta.</td>
</tr>
<tr>
<td width="83">Brinde
(artigo 5º, inciso VI)</td>
<td width="152">Item de baixo valor econômico e distribuído de forma generalizada, como cortesia, propaganda ou divulgação habitual.</td>
<td width="123">Até 1% do teto remuneratório dos servidores federais, o que equivale, em 2021, a até R$ 392,93.</td>
<td width="207">·  Não há exigência de autorização ou registro no e-Agendas.
&nbsp;</td>
</tr>
<tr>
<td width="83">Presente
(artigo 5º, inciso VII)</td>
<td width="152">Bem, serviço ou vantagem de qualquer espécie recebido de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe e que não configure brinde ou hospitalidade.</td>
<td width="123">Vedado o recebimento por agente público do Poder Executivo federal.</td>
<td width="207">·  O presente deve ser recusado ou imediatamente devolvido.
·  Caso não seja possível a recusa ou devolução, o presente deve ser entregue ao setor de patrimônio no prazo de 7 dias.
&nbsp;</td>
</tr>
</tbody>
</table>
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Em dezembro de 2021, o teto remuneratório dos ministros do STF é de R$ 39.293,32. Disponível em: <a href="https://www.camara.leg.br/noticias/787113-camara-aprovou-projeto-para-combater-supersalarios-no-servico-publico/">https://www.camara.leg.br/noticias/787113-camara-aprovou-projeto-para-combater-supersalarios-no-servico-publico/</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION. A Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act. Disponível em: &lt;<a href="https://www.sec.gov/spotlight/fcpa/fcpa-resource-guide.pdf">https://www.sec.gov/spotlight/fcpa/fcpa-resource-guide.pdf</a>

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JOTA

Decreto publicado no fim de 2021 é relevante para programas de compliance públicos e privados

Brindes e presentes: o Decreto 10.889/2021 e o compliance

Decreto 10.889/2021, publicado no fim de 2021, traz definições relevantes para programas de compliance públicos e privados