Guilherme Eleutério Martínez

Pela primeira vez, o escritório da Procuradoria-Chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) se dispõe a realizar uma análise preliminar de denúncias feitas contra o Chefe do Poder Executivo do Brasil.
Nos últimos anos, foram apresentadas denúncias contra o Presidente Jair Bolsonaro diante de supostos crimes de Genocídio e Crimes Contra a Humanidade. A esse teor, cabe destacar duas delas: (i) denúncia formulada em razão de crimes contra a humanidade em razão das mediadas adotadas para o enfrentamento da COVID-19; e (ii) denúncia decorrente de crimes contra a humanidade em razão do genocídio de indígenas e ecocídio.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Desde já, cabe pontuar que a primeira denúncia apontada foi rejeitada pela Corte Internacional Penal, em razão de a conduta não se enquadrar nas definições rigorosas do órgão jurisdicional internacional. Entretanto, a denúncia decorrente de suposto genocídio consta em avalição preliminar pelo TPI.
O TPI foi criado em 1998, por meio do Estatuto de Roma, do qual o Brasil é parte (Decreto 4.388, de 25/09/2002). Sediado em Haia, na Holanda, consiste em uma “instituição permanente, com jurisdição sobre pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional”.
Diante da primazia da responsabilidade individual, o TPI processa e julga indivíduos que violem as regras da corte internacional. Estados não são processados e julgados pelo TPI.
Outro relevante princípio norteador consiste na complementariedade, do qual o TPI terá jurisdição de caráter excepcional e complementar, cabendo atuar se ocorrer manifesta incapacidade ou falta de disposição do sistema judiciário nacional para exercer sua jurisdição primária. Em outras palavras, Estados detém a primazia para investigar e julgar os crimes previstos.
Quanto à denúncia, em documento representado pelo advogado William Bourdon e co-assinado pelo Cacique caiapó Raomi Metuktire  e Almir Suruí (Povo Paiter Suruí), descrevem que as medidas adotadas pelo Governo central permitiram uma escalada de violência contra as comunidades indígenas e aceleração da destruição da floresta amazônica em um ritmo sem precedentes (aumento de 34% em um ano)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A peça acusatória apresenta sistemáticas afrontas aos direitos dos povos indígenas, tais como transferência da FUNAI para Ministério da Agricultura; política advogando pelo fim das demarcações e reduções da área de superfície dos territórios indígenas já demarcados; gestão criminal do governo central no que concerne ao combate da epidemia de COVID-19 para os povos indígenas.
Quanto ao combate à epidemia, a peça aponta o veto de 16 artigos do PL nº 1142/2020, aprovado em 08 de julho de 2020, o qual obrigava o governo a fornecer aos povos indígenas acesso à água potável e cuidados médicos durante a pandemia do coronavírus, permitindo, em particular, o acesso a leitos de terapia intensiva.
Em seu veto alegou que se tratava de despesas adicionais contrárias aos interesses públicos e inconstitucionalidade<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Assim, a peça pede a punição por crimes contra a humanidade, nos termos do artigo 7º do Estatuto de Roma, pelos crimes de assassinato; transferência forçada de população; perseguição, assim como destruição sistemática da floresta tropical amazônica.
Ademais, considerando o princípio da subsidiariedade da competência do TPI, fundamenta o pedido com base na incapacidade das autoridades judiciais brasileiras de julgar o Presidente da República.
<blockquote class="jota-article__eye">Caberá ao Procurador do TPI avaliar se abrirá uma investigação preliminar frente às acusações impostas. A esse teor, é possível que resultado da Comissão Parlamentar de Inquérito que busca avaliar as medidas adotadas pelo Poder Central no combate da Pandemia terá impacto sobre a análise.</blockquote>
As acusações são graves. Perseguição, a qual entende-se por privação intencional e grave de direitos fundamentais, sob o fundamento de que houve supressão dos serviços de saúde pública e cestas básicas de emergência para povos indígenas, bem assim a transferência forçada, qual seja, o deslocamento forçado de pessoas de áreas que estão legalmente presentes, são temas sensíveis e caros ao TPI.
Não é só! Conforme apontado acima, o  documento aponta ações sistemáticas do poder central na destruição do meio ambiente, em especial, da floresta tropical amazônica.
Cabe destacar que a destruição de um ecossistema de maneira que o direito à vida e a humanidade estejam ameaçados. Diante da relevância da proteção ao meio ambiente, o Parlamento Europeu, por meio da Resolução de 20 de janeiro de 2021<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, aponta pela necessidade de que os Estados-Membros promovam o reconhecimento do ecocídio como um crime internacional sob a tutela do Estatuto de Roma, e, por consequente, do Tribunal Penal Internacional<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
No Brasil, por meio do Projeto de Lei nº 2787/2019, busca-se a tipificação do ecocídio na legislação nacional.
Quanto à imunidade da Presidência da República, o Estatuto de Roma ressalta que eventuais imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa (nos termos do direito interno ou do direito internacional), não deverão obstar que o TPI exerça sua jurisdição.
A despeito disso, julgamentos junto ao TPI tendem a serem longos e perdurar durante anos. Assim, cabe aguardar como o Procurador avaliará a denúncia distribuída e se decidirá pelo prosseguimento ou não da investigação,
Ainda que o veredicto seja pela negativa, a atual conjuntura dos eventos se mostra um retrocesso na imagem do País no âmbito internacional.
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<hr />
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<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Msg/VEP/VEP-378.htm
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2021-0014_EN.pdf
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> 12. Stresses that biodiversity and human rights are interlinked and interdependent, and recalls the human rights obligations of states to protect the biodiversity on which those rights depend, including by providing for the participation of citizens in biodiversityrelated decisions and providing access to effective remedies in cases of biodiversity loss and degradation; expresses its support to the nascent normative efforts at international level in relation to environmental crimes; in this regard, encourages the EU and the Member States to promote the recognition of ecocide as an international crime under the Rome Statute of the International Criminal Court (ICC);

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JOTA

Pela primeira vez, Procuradoria do TPI se dispôs a fazer análise preliminar de denúncias feitas contra chefe do Executivo no Brasil

Genocídio e ecocídio: Brasil no Tribunal Penal Internacional

Genocídio, Ecocídio e considerações sobre a responsabilidade penal internacional