Carlos Fernando dos Santos Lima

<p>“Se acredita que o compliance é caro, tente o não-compliance”. Essa frase, do ex-procurador-geral de justiça substituto americano Paul MacNulty, muito conhecida pelos profissionais de conformidade, enfatiza a ideia de que os danos causados pela ausência de controles são muito maiores do que o custo de os prevenir. Isso com certeza pode ser testemunhado na prática por qualquer das empresas que estiveram envolvidas nas investigações da operação Lava Jato.</p>
<p>Mas o que já se tornou aceito pelo setor privado deveria ser regra também para o governo brasileiro, com as devidas adaptações. Talvez algo como: se acredita que fazer o certo custa caro politicamente, tente o desgoverno. Contudo, mesmo isso sendo de bom senso, o Brasil insiste em seguidos desgovernos.</p>
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<p>Há muitas diferenças, é claro, entre o setor privado e o setor público, especialmente quando olhamos para a finalidade da governança de ambos. O primeiro, restringindo-nos às empresas e não a associações e outras organizações, volta-se para a remuneração dos seus proprietários através da produção de lucro na atividade econômica pretendida. Já o segundo visa prover a toda a população uma série de serviços públicos, especialmente na área de educação, saúde e segurança. Enquanto a empresa é propriedade de alguns e é remunerada através do preço livremente aceito por seus consumidores, o Estado é propriedade de todos, e, portanto, com a capacidade de extrair de todos pelos impostos o valor daquilo que oferece ou deveria oferecer.</p>
<p>Entretanto hoje, com a ideia da função social das empresas, há maior convergência entre os fins desta e os do próprio Estado. Hoje nas empresas não se fala somente em lucro, mas também em pessoas e no planeta; isso significa que a governança privada deve atentar também para a sociedade onde se insere, sendo um agente positivo e transformador da realidade. Não se pode mais ficar esperando que tudo seja dado pelo Estado, mesmo por se conhecer na prática as suas limitações, mas devem todos, individualmente, inclusive as empresas, conduzir o agir para alcançar o melhor para si e para a sociedade - o que não é antagônico.</p>
<p>Importante então é o conceito de stakeholders, ou todos aqueles agentes que possuem algum interesse, influência ou são atingidos pelas decisões da empresa ou do governo. Enquanto que para o setor privado esse grupo seja razoavelmente restrito, como fornecedores, consumidores, reguladores e empregados; para o governo o conceito compreende todo o seu povo, mas também outros países.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Nesse aspecto, portanto, é perfeitamente legítima a preocupação de outros governos com a política ambiental destrutiva de Jair Bolsonaro. Chuvas, rios, florestas e toda a biodiversidade não são exclusivamente nossa, mas do interesse de todo o planeta.</p></blockquote>
<p>Se ninguém duvidaria que o barulho ou o mau-cheiro do apartamento de seu vizinho lhe importa também, como então acreditar que a destruição dos nossos principais biomas seja exclusivamente um problema de nossa soberania?</p>
<p>Assim, alguns princípios do compliance podem e devem orientar a governança pública, especialmente aquele que diz que a transformação deve vir pelo exemplo e conduta da mais alta administração. Imagine a reputação de uma empresa em que o seu CEO insistisse em políticas destrutivas, em negar a técnica e em arruinar o valor da empresa por comportamentos irresponsáveis. Isso seria naturalmente punido pelo mercado, com a redução de consumidores, dificuldades de crédito e até mesmo sanção dos reguladores.</p>
<p>Mesmo um país, com sua soberania, é ao final punido por essa mesma espécie de comportamento, pois a condução inadequada de questões econômicas e de saúde pública, como é exemplo o Brasil, refletem no câmbio, nas exportações e no próprio conceito do país perante outros povos. Salvo poucos desinformados, ninguém quer ser um pária.</p>
<p>Cabe, neste caso, chamar o Conselho de Administração e demitir o CEO antes que o problema se avolume a ponto de falência, da completa inviabilização da empresa. Se um país não desaparece como acontece com uma empresa, nem por isso ele está livre de falir, fazendo com que sua recuperação custe muito caro a todos os seus proprietários e sucessores.</p>
<p>Cada brasileiro deveria, portanto, insistir na mudança de rumos do governo com a adoção do mais importante, simples e efetivo princípio de compliance: faça a coisa certa. Se não for para agir assim, que essa administração caia fora e que chamemos uma nova assembleia-geral. O que não é possível é caminhar sem reagir para o desastre.</p>
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Desmatamento e Queimdas 2020

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JOTA

Danos causados pela ausência de controles são muito maiores do que o custo de os prevenir

O Brasil em desconformidade

O que já se tornou aceito pelo setor privado, deveria ser regra também para o governo brasileiro, com as devidas adaptações