Gabriel Di Blasi

Patricia Franco

Historicamente, a China promulgou sua primeira lei de patentes na década de 1980, resultado de sua reabertura e filiação à OMPI, o que acarretou a adesão do país a importantes acordos multilaterais, como a Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (1984) e o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs) em 2001. 
A referida Lei de Patentes entrou em vigor em 1985 e proibia a concessão de patentes para substâncias e produtos farmacêuticos. A alteração de 1992, que entrou em vigor em 1993, excluiu a proibição, passando a permitir o patenteamento de farmacêuticos, bem como estendeu o prazo de proteção das patentes de 15 para 20 anos. Em 2001, devido às negociações do país para a entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC), a China promoveu nova alteração em sua legislação para se adequar às provisões do TRIPs.
Em 2020, foi promulgada a 4ª Emenda à Lei de Patentes, em vigor desde junho de 2021, que promoveu alterações significativas em direção a uma proteção mais robusta das patentes. Nesse sentido, novas disposições preveem a possibilidade de ajuste do termo de proteção de patentes de todas as tecnologias por uma demora irrazoável no exame de pedidos, o que se denomina internacionalmente de Patent Term Adjustment (PTA), bem como a extensão do prazo de patentes relacionadas a novos fármacos pelo tempo despendido no procedimento de análise e aprovação destes produtos para a comercialização, denominada Patent Term Extension (PTE). 
Por fim, a nova alteração da lei chinesa implementou o sistema de linkage, que vincula a concessão de registro sanitário de um medicamento genérico à expiração de determinada patente a ele relacionado, bem como estipulou o pagamento de danos punitivos por violação de patentes.  
De outro lado, o Brasil, um dos países pioneiros na proteção às invenções em âmbito mundial, que por meio do Alvará de 1809 já concedia privilégio exclusivo por 14 anos aos inventores. A proteção constitucional às patentes adveio em 1824, e a primeira Lei de Patentes foi promulgada em 1830, seguida pela Lei nº 3.129 de 1882. Ressalte-se que foi somente em 1945 que a legislação brasileira impôs restrição ao patenteamento de produtos farmacêuticos por meio do Decreto-Lei nº 7.903, sob o argumento de fomento à indústria nacional.  
Em 1969, os processos para obtenção de produtos farmacêuticos foram também excluídos do Decreto-Lei nº 1.005 e a legislação posterior (Lei nº 5.772/71) acompanhou os dois Decretos-Leis anteriores, não permitindo o patenteamento dos fármacos.  
O cenário para as invenções farmacêuticas permaneceu o mesmo até a década de 1990, mas já a partir de 1985 os EUA iniciaram uma verdadeira disputa contra o posicionamento do Brasil de não conceder patentes para o setor, que culminou numa sanção comercial para a entrada de produtos estratégicos brasileiros no mercado americano. 
A celeuma entre os países foi resolvida parcialmente em 1990 com o Brasil comprometendo-se a permitir o patenteamento de produtos farmacêuticos e processos relacionados.  
Em 1994, o Brasil aderiu ao TRIPs, pelo qual foram estabelecidos padrões mínimos de proteção à propriedade intelectual, que veda, em seu artigo 27.1, qualquer restrição legal de tecnologia do campo de proteção por patente.  
Nesse passo, devido ao histórico problemático entre os países, o Brasil promulga, em 1996, a Lei nº 9.279 (Lei da Propriedade Industrial ou LPI), excluindo das matérias “não privilegiáveis” as substâncias químico-farmacêuticos e medicamentos bem como os respectivos processos.  
Além de estender o prazo de proteção das patentes de invenção para 20 anos contados da data do depósito (ou, no mínimo, de 10 anos a contar da concessão), a nova legislação, em seus artigos 230 e 231, estabeleceu interinamente as patentes “pipeline”, uma espécie de “validação” de direitos, no Brasil, de patentes estrangeiras para tecnologias anteriormente vedadas.  
Com a nova lei, o Brasil assumiu posição diametralmente oposta e, ainda que como exceção, permitiu a concessão de patentes, dentre outras, para matérias farmacêuticas que já estavam no estado da técnica e sem qualquer exame de mérito pelo<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/inpi"> INPI</a>, o que contribuiu para um efeito rebote, fomentando discursos sobre “monopólios” injustos, agravando preconceitos já existentes, principalmente, com as patentes farmacêuticas. Como consequência, o setor farmacêutico, até os dias atuais, enfrenta significativos percalços para a proteção de suas patentes no Brasil.  
Um exemplo foi a inserção do Artigo 229-C à legislação em 2001, por meio da Lei nº 10.196 de 2001, condicionando a concessão de patentes farmacêuticas à anuência prévia da Anvisa, o que representou uma verdadeira disputa envolvendo os titulares de patentes, a Anvisa e o INPI acerca da competência e atribuições legais dos órgãos em questão. Entretanto, recentemente houve a revogação do Artigo 229-C pela Lei nº 14.195. 
Em 2002, o Executivo publicou a Medida Provisória nº 69, visando à proteção de informações decorrentes de resultados de testes e de outros dados não divulgados, apresentados às autoridades competentes (Anvisa, MAPA etc.), para aprovação da comercialização de produtos farmacêuticos de uso humano e veterinário, fertilizantes, agrotóxicos, seus componentes e afins. Entretanto, o que pareceu uma vitória dos laboratórios de medicamentos de referência durou pouco tempo: quando convertida em lei (Lei nº 10.603, de 17 de dezembro de 2002, em vigor), os produtos farmacêuticos de uso humano foram excluídos da proteção. 
Em 2006, restou frustrada a tentativa de se condicionar a concessão de registro sanitário na Anvisa para produto farmacêutico de uso humano à comprovação de que o requerente era o titular da patente ou que dele obteve licença para a exploração econômica do seu objeto pela rejeição do PL 29/2006.  
Em 2021, o STF proferiu decisão na ADI nº 5529, declarando a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI, que previa prazo mínimo de proteção das patentes de invenção por 10 anos contados da concessão.  
O caput do referido artigo dispõe que o prazo do privilégio é de 20 anos contados da data do depósito do pedido, mas, em vista do longo tempo de duração dos processos administrativos no INPI, a grande maioria das patentes teve seu tempo de proteção regido pelo teor do parágrafo único desde a promulgação da nova lei. A revogação do prazo mínimo de proteção, sem qualquer outro sistema de compensação, abala, assim, o sistema de patentes no Brasil como um todo, a despeito de todo o esforço do INPI para reverter o denominado “backlog”.  
Ressalte-se que a decisão não retroagiu para patentes já concedidas que se beneficiam do prazo do parágrafo único, exceto pelas patentes farmacêuticas e de dispositivos médicos que tiveram seus prazos de proteção imediatamente ajustados a menor ou, ainda, foram declaradas extintas quando o termo de 20 anos da data do depósito havia transcorrido.  
Por fim, ainda sobre uma posição refratária às patentes farmacêuticas no Brasil, não obstante o TRIPs e a Declaração de Doha já garantirem os mecanismos necessários para a limitação dos direitos de patentes em casos de emergência nacional para países em desenvolvimento, o Senado propôs o PL 12/2021, que originou a <a href="https://in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.200-de-2-de-setembro-de-2021-342651440">Lei 14.200/21</a>, incluindo o Artigo 71-A na LPI, com o intuito de viabilizar, por meio de licença compulsória, a produção de medicamentos para fins de exportação a países com insuficiente ou nenhuma capacidade de fabricação no setor farmacêutico para atendimento de sua população, visando, à primeira vista, ao tratamento e prevenção da Covid-19.
Tais alterações promovidas foram acatadas apesar das declarações de autoridades do Instituto Butantan e da Fiocruz refutando a argumentação de que a falta de vacinas seria devido a questões patentárias e de que o licenciamento compulsório seria uma solução eficaz. 
Entre Brasil e China, há algumas semelhanças geográficas e de abordagem de política pública (visando à universalidade de saúde), mas não há como ser negada a diferença de rumos dos países em suas estratégias de proteção da propriedade intelectual em médio e longo prazo.
Conjuntamente com seu arcabouço legal, a China passou a investir maciçamente em educação, tecnologia, inovação, parcerias entre o mundo corporativo e o acadêmico e em incentivos a empreendedores. Pequim denota a clara intenção de proteger sua propriedade intelectual, pois atualmente a China é o primeiro depositante de patentes pela OMPI no mundo.   
Aqui, vemos um Brasil que ainda procura remédios paliativos, que tratam superficialmente sintomas, mas não curam a doença. O país concluiu o ano de 2021 no segmento da propriedade intelectual com forte atuação do Legislativo e do Judiciário na contramão dos interesses dos titulares de patentes e, consequentemente, gerando certo grau de insegurança jurídica para todos aqueles que investem em novas tecnologias, principalmente aqueles atuantes no setor farmacêutico.  
É efetivamente incongruente imputar, ao sistema de patentes, os prejuízos em matéria de saúde ou a qualquer outro setor no Brasil, ao nos depararmos, concomitante, com escândalos de corrupção, mau uso e desvio de recursos públicos, desindustrialização, além de parcos investimentos em educação e ciência.   
Quando o Brasil realmente começar a visualizar a propriedade intelectual não como um fim em si mesmo ou um instrumento de proteção de direitos individuais, mas como um meio, uma ferramenta eficaz de desenvolvimento econômico e de comércio internacional, efetivamente investindo e fiscalizando recursos na sua promoção, as patentes serão, em vez de antagônicas, partes realmente inexoráveis das políticas públicas, não somente relativas ao setor farmacêutico, mas também aos demais segmentos tecnológicos da sociedade brasileira.

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JOTA

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