Jorge Fontoura

Marcílio Toscano Franca Filho

Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, parceiros de 30 anos de integração regional, no marco do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, acabam de promover importante avanço, para além de limites comerciais do Mercosul, com a exortação de traços identitários comuns de seus povos e de suas culturas.
A civilizada consciência de pertencimento tanto a um país como a uma região, longe de eclipsar a nacionalidade, ao contrário, fomenta e ilustra o nativismo, a constituir importante aquisição comunitária de perene riqueza coletiva. É o que se tem observado em outros processos de integração regional.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Em nosso caso, são sólidas e antigas as afinidades sul continentais, de idioma, de religiosidade, de cultura, de demografia, de economia e de história. Também nossas culturas jurídicas muito têm a dialogar.
Fulgurante exemplo disso é o emprego do antológico projeto de código civil de 1866, de Teixeira de Freitas (o “Esboço”, dizia o ilustre baiano com nonchalance), utilizado como base para o Código Civil da Argentina, de 1869, que vigeu até 2015, compilado e ordenado por Veléz Sarsfield, com influência nos posteriores estatutos civis de Uruguai e Paraguai.
Nesse sentido, são didáticos os escritos de René David e de Haroldo Valladão, ao referirem o histórico trânsito de inteligência jurídica na região.
Já em 1912, ao assumir a presidência da Comissão Internacional de Jurisconsultos Americanos, Epitácio Pessoa apontava, em seu discurso de posse, a necessária comunhão cultural que deveríamos e haveríamos de cultivar.
Segundo Pessoa, nosso continente era formado, “na sua quase totalidade, de povos da mesma raça, da mesma religião e, pode-se dizer, da mesma língua, unidos pela mais estreitas afinidades de história, de tradições e de costumes, ligados pela mais íntima solidariedade, pela mais perfeita comunhão de ideias e de sentimentos”.
A presença inarredável de circunstâncias tão comuns, a determinar identidades densas e marcantes – que não quer dizer homogeneidade cultural – já havia possibilitado, há alguns anos, oportuna e valiosa iniciativa: tratou-se do “Selo Mercosul Cultural”, distintivo atribuído a bens materiais e imateriais de expressiva relevância regional.
Como instrumento pioneiro, o selo foi instituído para a valorização, preservação e segurança do patrimônio cultural regional, como estratégia de combate à degradação e ao tráfico internacional de peças e acervos. Como forma intergovernamental de tombamento, o selo já tem conferido visibilidade e proteção tanto a ruínas, como aquelas das Missões Jesuíticas Guaranis, espalhadas em três países, como à Ponte Internacional Barão de Mauá, protegendo ainda acervo imaterial, manifestações populares como a Payada, por exemplo, espécie de repente em língua castelhana, forma literária imemorial nos países da bacia platina.
No último dia 28 de janeiro, a clivagem cultural mercosulina ganhou mais um singular instrumento de valorização, por meio de inédito mecanismo, desconhecido em outros processos de integração regional.
<blockquote class="jota-article__eye">Pela Decisão Mercosul/CMC/DEC. Nº 14/20, o Conselho do Mercado Comum, o órgão executivo intergovernamental, criou a Biblioteca Virtual do bloco, “integrada por obras literárias de alto valor cultural para os Estados Partes, as quais deverão refletir sua riqueza cultural nas diversas áreas do conhecimento” (art. 2º).</blockquote>
Em seus considerandos, a medida pressupõe que “ampliar o acesso ao conhecimento do patrimônio cultural dos Estados Partes do Mercosul é um valor que permite conhecer a riqueza de suas culturas”. Não há dúvidas.
Ademais, a Decisão considera que “uma Biblioteca Virtual do Mercosul é fundamental para compartilhar a diversidade cultural, permitindo observar os amplos pontos de encontro das culturas dos Estados Partes (...), gerando aspectos que contribuem para o desenvolvimento de identidade regional comum.”
De acordo com o art. 3 da Decisão 14/20, ainda, as obras selecionadas serão de livre acesso tanto para consulta como para download. Nos próximos meses, a Reunião de Ministros de Cultura (RMC), outro órgão importante do Mercosul que quer transcender aos aspectos apenas mercantis da integração, gerando inestimável patrimônio em forma de acquis communautaire, deverá elevar ao Conselho do Mercado Comum proposta de regulamento para o uso e a administração da Biblioteca Virtual.
O argentino Jorge Luis Borges dizia que “imaginava o paraíso tendo uma biblioteca por modelo”. Para ele, as bibliotecas permitiam a reunião do acaso com a inteligência, através dos encontros literários fortuitos entre leitores, entre leitores e livros, e entre os próprios livros.
<blockquote class="jota-article__eye">Bem-vinda seja, portanto, a borgeana Biblioteca Virtual do Mercosul que, sem qualquer parede, corredor ou estante, fortalece o acesso à cultura, valoriza a diversidade cultural e concretiza o inalienável “direito à literatura” de que falava o mestre Antônio Cândido.</blockquote>
Mercê da exuberante qualidade da literatura produzida nos países latino-americanos, são incontáveis os autores e títulos que se incorporam à arrojada iniciativa, das epopéias ao conto, da prosa à poesia, da Patagônia à Amazônia. Autores icônicos e que tanto nos representam, em espectro tão rico quanto diverso.
A promover o mútuo conhecimento e o fortalecimento de laços entre as populações de seus países membros, além da livre circulação de bens materiais e fatores produtivos, como prevista no Tratado de Assunção, a Biblioteca do Mercosul por certo irá agora fomentar a livre circulação das ideias.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE

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JOTA

Promovendo conhecimento entre os seus países membros, Biblioteca do Mercosul fomentará livre circulação de ideias

Borges e a Biblioteca do Mercosul

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